Muitos de nós gastaram laudas, ou horas de confidências, a
execrar o ambiente rasteiro e fútil dos bares e boates, que um dia
frequentamos. Mas lá íamos, de maneira contumaz e quase
compulsória, pois nos mesmos poderíamos empostar a desculpa –
diversões à parte – de não apenas sabermos das últimas, nos
atualizarmos sobre o pesado jogo da vida como, principalmente, firmar
bons contatos e talvez fecharmos grandes negócios – eventualmente
seria possível até dar vazão às nossas mais secretas vaidades e,
entre um chope e outro, nos destacarmos por nossas opiniões e nos
tornarmos uma espécie de “líder da turma”.
O problema aparecia quando, em meio a um determinado grupo de
pessoas as quais nos interessava o contato, estava presente alguém
que julgássemos inconveniente, prejudicial ou mesmo chato, a embaçar
o ambiente ideal que imaginávamos. E a solução era drástica: não
ir ao encontro, com todas as consequências sociais imagináveis.
Inspirado pelo inoxidável Hermes Magnus, que escreveu excelente
artigo – quase uma fábula de Esopo – sobre o peso das redes
sociais na formação de nossos conceitos, percebi que a internet
igualmente ocupa hoje o mesmo papel social que tais bares e boites
desempenharam, em passado recente: execramos o ambiente rasteiro e
fútil das referidas redes, mas deles nos valemos para sabermos das
últimas e, principalmente – tempos modernos – darmos vazão às
nossas (hoje nada secretas) vaidades de exibirmos sucessos,
anunciarmos verdades bíblicas e nos tornarmos um “guru
digital”. E o melhor de tudo, e também objeto deste artigo, é
que não precisamos abrir mão da convivência se, eventualmente,
temos em nosso rol de amigos um ou outro chato – basta não
respondê-lo, ignorá-lo, dar-lhe o pesado silêncio do desprezo. E
isso o colocará em seu devido lugar, entendendo que você só
aceitou sua amizade nas redes por uma caridade cristã; piedade, em
suma.
Não há ambiente mais propício à uma prática deslavada da
hipocrisia que as redes sociais: eu te desprezo, te ignoro,
desconheço o que publica, abomino suas opiniões mas “somos
bons amigos”. Afinal, não te deletei nem bloqueei; apenas,
eventualmente, incluo seu perfil na relação de nomes os quais
eventuais publicações não devem chegar.
Se nos enfumaçados bares e boites havia a possibilidade de até
fecharmos um bom negócio, o mesmo não se dá nas redes: é vaidade
pura, a imperar e soterrar verdades ao ponto de deformidades
estéticas postarem fotos e, em seguida, enxurrada de comentários
elogiosos desfilarem abaixo da fotografia de tal desacato à libido.
Este, entretanto, é o menor dos males. O silêncio sim, é cruel
e perfura a auto estima de qualquer vivente, dando margem à
interpretações oscilantes entre verdadeiras e absurdas e
desequilibrando, por completo, o pobre dono do perfil – eis que a
vaidade, o pecado predileto do diabo, tomou conta de todos nós. E
seu segundo pecado predileto, a hipocrisia, igualmente fez morada em
nossas almas.
Novas regras de etiqueta, bem como todo um leque de padrões
comportamentais foram criados e aceitos tacitamente como “bem
educados”, nas redes sociais. Do mesmo modo, novos “tipos
humanos” se definiram com o tempo, permitindo que
classificássemos as pessoas de acordo com o teor – e até
frequência – de suas postagens.
Abro aqui um parêntese para lembrar que toda generalização é
injusta e se condenamos aqueles que almejam o título de “guru
digital”, tagarelando disparates a torto e a direito, somos
igualmente obrigados a abrir exceções, pois não seria possível
atribuir tal leviandade a um Olavo de Carvalho, Pe. Paulo Ricardo,
Bernardo Kuster, PH Vox e sr. Sepúlveda, bem como a um Brasil
Paralelo ou Revista Oeste e Rádio Auriverde, por exemplo. Garimpando
com afinco e bom senso, podemos selecionar razoável (numericamente)
coleção de indivíduos que, sim, merecem ser vistos, ouvidos e
lidos – diferentemente da mídia “mainstream”, palco de
indecente aridez intelectual e deserta de valores morais, sem uma
única exceção.
Voltando ao tema em questão, creio ser prudente passar ao largo
da exemplificação dos tipos humanos das redes por justificado temor
que uma ou outra definição atinja eventual portador de vívida auto
crítica ou, eventualmente, agoniados donos de alguma insegurança
social atroz, rumando diretamente para as já citadas “regras de
etiqueta digital” e seu mais cruel chicote: o silêncio.
Quem nunca experimentou a frustrante sensação de postar algo
importante ou trabalhosamente elaborado e teve, como resposta, o mais
clamoroso vazio? Nenhum comentário – contra ou a favor – ou
mesmo um magro “curtiu”; esperar o compartilhamento de sua
publicação seria, então, suprema e inatingível glória! “Só
que não”, nos dizeres de hoje. Nada, somente o vácuo.
Obviamente, tais coincidências podem acontecer; ou causadas por
marotos e bem adestrados algoritmos – que camuflam a postagem do
proscrito sob toneladas de besteirol – ou por eventual e legítimo
desinteresse, afinal ninguém é obrigado a achar maravilhosa sua
postagem – a menos que seja uma foto horrenda, mal tirada e que
expõe seu pior sorriso: esta, todos curtirão e comentarão sobre
sua beleza.
O problema se dá quando o tempo passa e o infeliz dono do perfil
se dá conta que o vácuo permanece. Passam os dias, as semanas, os
meses e nenhuma de suas publicações mereceu nada além do silêncio:
é hora do desconfiômetro entrar em cena, reconhecer-se um pária e
modificar o foco de suas postagens. Se nas redes sociais o mesmo é
solenemente ignorado, faça uma página na internet e divulgue os
links de suas postagens na mais aleatória e “cracuda” das
redes – o X, mais conhecido como Twitter. Sempre haverá, tal como
no Telegram, um curioso para clicar em um título bem concebido
(desnecessário dizer que me vali de tal expediente, angariando para
minha página pessoal razoável número de visitas).
Existe, entretanto, situação bem mais grave e, normalmente,
sucedânea de desavenças pessoais e explícitas: o temido
“bloqueio”, ou “block”, para os íntimos.
Detentor de larga experiência em desapontar ou mesmo enfurecer
pessoas, posso dizer que igualmente já experimentei tal banimento da
vida de indivíduos – bloqueado que fui no Facebook, X-Twitter,
Instagram, Messenger, YouTube e até WhatsApp, tudo isso de uma única
criatura. Posso empregar comparação, escrita tempos atrás por mim,
na qual equiparava esta expulsão da vida de alguém com as
penalidades impostas pelos antigos romanos, aos que caíam em
desgraça perante o Imperador, ou mesmo Senado: seus feitos eram
apagados das “Actas”, eventuais estátuas eram derrubadas,
sua memória abolida dos anais e mesmo sua casa era demolida,
jogando-se sal por cima para que nada mais florescesse no local onde
vivia tão abominável ser. Se você, assim como eu, já foi objeto
de tal castigo, parabéns: quem te baniu igualmente jogou sal sobre o
próprio coração, e jamais nascerá novamente algo lá – ao
menos, no que diz respeito à sua pessoa.
E este é o pior lado desta “sociedade digital”, como
seja, a facilidade com que impomos os piores castigos ou mesmo
proferimos os mais abomináveis juízos sobre alguém – alguém
esse que sofre da grande desvantagem de não poder olhar em seus
olhos, encarar você face a face e saber se tal severidade é
proporcional à mágoa causada ou somente fruto oportuno de uma
facilidade, oferecida pelo esconderijo de assim fazê-lo por detrás
de uma tela.
Vale o alerta para os que reclamam da hipocrisia da vida em
sociedade: nas redes, tal desfaçatez é infinitamente pior, raiando
a criação de verdadeiros “personagens digitais”, que
empostamos e buscamos vender, em busca de satisfações para nosso
insaciável e bem nutrido ego.
Jamais troque um aperto de mão ou abraço por dúzias de “likes”.
É pendurar na parede o diploma de hipócrita, com pós-graduação
em covardia.
Walter Biancardine