sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Heei !!

Passei uma vida inteira resmungando, murmurando para mim mesmo; um rabugento de plantão sempre disposto a encontrar um mínimo detalhe que fosse, para que meus breves e raros momentos de felicidade tivessem algo que eu pudesse criticar.
Mesmo na única vez que acreditei ser absolutamente feliz, ao lado de uma mulher, ainda assim eu a via humana demais para que eu me rendesse. Amava, mas com prudência.
O tempo passou, esse amor acabou, e voltei à minha faina de resmungão.
Tantas escrevi, tantos uivos de dor foram publicados, tantas noites sangradas que fui rotulado como o “atormentado”.
Solidão, bebedeiras, promiscuidades, gritos e choros, panteras estapeadas, mulheres absurdas, companhias completamente dispensáveis, arrependimentos abissais compuseram uma rotina árida que nunca me permitiu ver algo de belo na vida.
Todo o cinismo, ceticismo, talvez escondesse apenas um pedido desesperado de ajuda contra minha solidão e desamor. E, principalmente, existia o passado.
O passado, que me perseguia como uma obsessão; símbolo da única felicidade que conheci na vida, de quando eu achava ser cuidado – e o melhor – de quando tive a certeza de ter, ainda tão jovem, encontrado o amor de minha vida.
Mas sempre achei que nada tinha a acrescentar à vida de ninguém, e por me achar absolutamente desinteressante, sem nada a oferecer, me recolhi e deixei que ela passasse. Afinal, eu a amava, mas e ela? Como gostaria de alguém como eu?
Com o coração preso em um passado, a vida seguiu. Todos gostaram, chegaram mesmo a ter amores; casamos, tivemos filhos, rimos, choramos...tudo isso a quilômetros de distância e de um silêncio completo. A vida seguiu seu rumo, um péssimo rumo. A minha, ao menos; sempre aproando tempestades, tormentas, sem porto de chegada.
Mas o destino prega peças e o que está escrito não pode ser mudado: os mesmos textos loucos nos quais eu destilava todo o meu veneno auto-piedoso serviram de ponte para um reencontro; completamente inesperado, improvável, imprevisto. E quase trinta anos represados explodiram como uma barragem que ruísse.
Choramos ao nos abraçarmos. Não de novo, porque nunca nos abraçáramos antes. E choramos pelo platônico de nossas vidas, por tanto amor que foi varrido para baixo do tapete; choramos em cada toque, em cada carinho, em cada beijo, e descobrimos – perplexos – que a vida fizera a ambos, um para o outro. Encaixe.
Foram apenas sete horas. Sete horas da mais absurda felicidade que dois seres humanos tiveram o atrevimento de sentir. Sete horas que recompensaram 30 anos de espera. E 30 anos que amadureceram dois corações o suficiente para saberem que não se deve brincar com o amor.
Agora, finalmente, estou livre do passado. Paguei a minha dívida com a dor, estamos quites, eu e o destino. As poucas sete horas que vivi são apenas as primeiras sete, de setenta e sete séculos que viveremos, porque o amor não morre.
A tormenta acabou, e o sol finalmente voltou a brilhar.
Só agora vejo o céu, sem nuvens, e o mar calmo, amigo. O azul e o verde daqueles olhos que me oferecem a paz, que trouxeram finalmente um sentido à tudo o que me aconteceu. E o amarelo dos cabelos dela, do sol, que enfim brilha de novo.

E será eterno.

Queria gritar ao mundo, mas em respeito, me calo..

"Eu protegí seu nome por amor/Em um codinome Beija-Flor"

domingo, 11 de novembro de 2007

Avançando para o passado

Remexendo em papéis velhos e aqueles montes de anotações que eu, espírito de rato-trocador, fui acumulando ao longo dos anos, encontrei alguns manuscritos. Se eles não são propriamente os do Mar Morto, serão com certeza os do Ex-Morto, eis que foram escritos há muito tempo atrás, em 1979, por um adolescente incapaz de dizer o que sentia para a garota que amava. Este adolescente morreu, fulminado por uma maturidade galopante da qual foi vítima pouco tempo depois, quando descobriu que a estrada seria muito, muito longa, cheia de acidentes de percurso, desencontros e dores.
Recentemente, o correio bateu em sua porta, com cartas tão antigas, novidades tão velhas, e lembranças tão novas.O carteiro gritou: “Levanta, Lázaro!”
E desde então ele, adolescente renascido, tem deixado as luzes de sua casa sempre acesas, na esperança que sua amada as veja e escreva novamente.

(Eventuais erros deverão ser perdoados, afinal o autor era um jovem machucado de 15 anos)

Adeus

Caberia na palma das mãos
Quem já amou tanto assim como eu,
A se perguntar como enfim se perdeu
O amor

Estou vivendo com a calma irreal
Da gente que disso tudo aprendeu
Da gente que também sobreviveu
A dor

Ela se faz doer a cada segundo
Se na sua falta o momento e maior
Mas na sua volta o instante é o melhor
Dos meus

Você é o que me faz sentir enfim
Que o meu corpo tornou-se dois
E tenho medo de logo depois
Adeus

09/01/1979

Nota do arqueólogo: não se sabe ao certo se a palavra “adeus” foi empregada devido a distancia que ele morava de sua amada ou se foi pelo fato do escrito acima ter sido composto nas proximidades do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro.

sábado, 10 de novembro de 2007

Bloco de notas

Solidão é o tamanho do espaço que sobra em sua vida
Irritação é a medida desse mesmo espaço que falta
Pequenez é saber-se sem dono, ninguém que pergunte por você.
E quando todos perguntam, dependem?
Doar sangue ou hemorragia,
Toda hora, todo dia,
Tudo é uma questão de escala.
Quanto sangue pode ser sugado?
Quanto amor pode ser cobrado – e não ser dado?
Quanto talento é preciso para comover uma mulher?
E na falta da rima perfeita, os homens se matam.
Se rasgam, escrevem sandices.
Que o tempo não passa, nunca existiu,
Relógios, distâncias,
Que diriam de mim?
Morram os vizinhos,
Que o inferno é certo
E o céu não é perto.
Quem pede e não toma
Nunca chega a Roma
Felicidade é roubada,
Amor é tomado,
Tanto amor, que até por piedade é aceito.
Tanto amor, que vale o escondido,
Vale o proibido, tudo é permitido.
O coração nunca teve vergonha na cara, mesmo.

Walter Biancardine é jornalista e acha que deve haver algo de doente em uma sociedade cuja moral foi criada por um psicopata sexual canonizado santo.
Saulo, Saulo, por que me persegues?

10 de novembro - Será eterno, enquanto viver

Se as coincidências não existem, os desencontros também não.

Talvez tudo seja uma questão da hora certa para os que acreditam na mão do destino, a pastorear sua felicidade. E assim, deixamos os anos passarem, dando tempo ao tempo, como diriam nossos avós, e permanecemos numa expectativa de doença crônica, apenas aguardando que os anti-corpos da vida baixem a guarda. Poucas pessoas, poucas mulheres para ser mais exato, acreditam em nada que signifique longo prazo, com relação aos homens. Quantas oportunidades são perdidas, de se saberem amadas, ao longo de uma vida inteira! Nada de bombástico, nada de dramático, cinematográfico. Apenas o acaso absurdo de serem donas e alvo de um amor que se recusa a morrer.

Existem almas que são feitas juntas; Existem amores que se amam porque amam; Amores irracionais, ao sabor do vento; Amores que decidem uma vida e definem quem podemos ser; Existem amores que mostram, para sempre, quem queremos ter; Amores que não se explicam; Porque o amor é inexplicável, e só. Assombrações, fantasmas do passado para uns; Semente que espera nascer, para outros. Amor não se pensa, Amor não se analisa, Amor não se discute, Amor não se contesta, Amor não se recusa, Amor não se guarda, Amor apenas se sente. O resto é desculpa de quem tem medo da vida.

E depois de tantos anos, foi possível olhar para algo além do chão. E vi que fazia sol. E vi, de novo, o dia nascer. Comigo.

Walter Biancardine é jornalista e tem ficado de coração mole. Deve ser porque agora tem dois aniversários: um deles no 10 de novembro.

domingo, 4 de novembro de 2007

Para uma grande mulher

Eu preciso de alguém pra me proteger de mim mesma.
Seu Fulano, Dona Beltrana,
Eu preciso de alguém pra me esquecer de mim mesma,
Meus muros de casa, meus muros da vida.

Estou viva, a mostrar que aprendí;
Nas ruas, as lições de casa,
Em casa, as lições das ruas.

Eu preciso de casa,
Eu preciso de muros;
Pra me proteger de mim mesma.

Eu preciso de gente,
Eu preciso de pressa
Pra me esquecer de mim mesma.

Eu preciso de vida,
Eu preciso de brilho;
Eu preciso do mundo
E um grande amor, que me cure de mim.


Walter Biancardine é jornalista e dedicou estas linhas à uma grande mulher, que há muito tempo atrás quase o fez querer ser um homem melhor.

Toda vez que não tenho assunto, eu vendo minhas neuras

Ultimamente tenho conversado muito. Coincidência ou não, surgiram sucessivas ocasiões de trocas de experiências, reencontros, confidências. E o mais peculiar nisso tudo é que observei alguns pontos que podem quase materializar esse escudo invisível que me cerca e me coloca à parte da vida, criado não sei se por mim ou pelos outros.
Interessante notar que o termo “troca de experiências” é quase um eufemismo, já que tenho escutado muito mais que relatado. Não sei ainda se os outros têm vivências mais numerosas, intensas ou dignas de nota que as minhas ou se ainda não consegui me livrar da velha indiferença com minha própria vida. A verdade é que nunca acho nada que eu tenha vivido como espantoso, incrível ou mesmo terrível. Tudo é morno, catalogado, página virada e esquecida. E para um pretenso escritor como eu, é a sentença de morte de qualquer argumentação literária. Um homem que não se surpreende com a vida todos os dias não escreve, pois nunca considera nada admirável o suficiente para merecer uma página.
No ramo das confidências, sou um amador. Até consegui cometer algumas indiscrições pessoais, mas é nítida a falta de paciência dos interlocutores com minhas pequenas misérias. A princípio pensei que fosse aquele egoísmo comuníssimo de querer que os outros nos ouçam mas sem ter de ouvir de volta, querer soluções evitando solucionar males alheios, mas descobri rapidamente que a culpa é de minha chatice: o mesmo cacoete detalhista que povoa o estilo de alguns escritores emperra qualquer conversa quando utilizado em confidências, e aí a coisa se torna um saco; papo para analistas, mesmo. Assim, é natural que poucos ou nenhuns amigos se permitam mergulhos tão abissais nas almas dos outros.
E quando são confidências amorosas reveladas por criaturas do sexo feminino, a coisa fica tão grave que já foi até objeto de crônica anterior, o tio Walter e seus bons conselhos.
Sobraram os reencontros, que podem ser uma volta ao passado ou armadilhas.
Li uma vez, acho que foi no “Terra dos homens”, Saint Exupéry, que duas árvores que crescem juntas, o fazem na mesma direção. Mas quando afastadas, seguirão cada uma seu caminho. Querer uni-las posteriormente será perda de tempo, pois jamais encaixarão de novo. Por isso Saint-Ex considerava os reencontros um perigo.
Estou inclinado a concordar com ele; não pelos outros, mas por minhas próprias psicopatias, achando que todos dão a mesma importância a pequenos fatos e detalhes com os quais minha memória tem me aprisionado todos estes anos – um território livre, repleto de felicidades – e que eu acreditava piamente que todos compartilhariam estas sensações.
É besteira e rematada infantilidade pretender que um reencontro se faça dentro de um clima de afeto, parceria e amizade anteriormente desfrutado. Seremos dois estranhos nos (re)conhecendo, tateando em busca de assuntos e gostos que permitam uma conversa no clima de alegria que a tal amizade pede, e nem sempre funciona.
Não sei se passo uma impressão um tanto depressiva destes fatos, mas a verdade é que não considero tudo assim em sua totalidade. Existem reencontros que são surpreendentes, renovadores e, ainda que na verdade você esteja mesmo diante de um estranho, este ser desconhecido agrada.
Existem ocasiões em que deixamos para trás um casulo e reencontramos uma borboleta.
E isso justifica todo o atrevimento de procurar.

Walter Biancardine é jornalista e às vezes acha que antigamente era muito melhor. Coisa de velho.