terça-feira, 19 de agosto de 2008

Felicidade não tem graça

É um fato sobejamente conhecido que só a miséria alheia é engraçada.

Por acaso algum de vocês já morreu de rir com seu vizinho te contando que foi promovido no trabalho, vai ser transferido pra Nova York e ganhar um puta salário em dólar?

Qual a graça em contar que você foi numa festa na mansão de seu amigo, e lá encontrou a Juliana Paes, bateu papo com Caetano Veloso e ainda aceitou o oferecimento do Roberto Justus para que você, além de não precisar ouvir a música que ele canta, dirigisse sua Ferrari, só pra experimentar?

Quem encontrará algum motivo para dar gargalhadas sabendo da aventura de seu colega de trabalho, que foi escalar a Pedra da Gávea e no meio do caminho, ao invés de uma pedra, encontrou o amor de sua vida?

Francamente, somos uma raça de invejosos, onde só a desgraça do próximo nos alivia a bílis.

Muito melhor é se mijar de rir com seu vizinho contando que, após ser demitido por justa causa – pego roubando clipes do almoxarifado – não pagou o aluguel, foi despejado e hoje vive em Gramacho, no barraco de zinco que a sogra emprestou, cozinhando miojo com salsicha – sua dieta já há seis meses.

É hilário ouvir o relato do porteiro de seu prédio, pobre de marre-marré, contando que foi num frege-mosca promovido por um amigo e lá saiu na bolacha com o Edimilson, cabo da PM, porque ele não parava de dar em cima de sua nega Jurema. Mais engraçado ainda ficou quando ele contou de seus colegas serventes de pedreiro cantando “Liga pra mim” no karaokê que tocava “Os 392 melhores pagodes de 2008” e depois ainda curtiu a bicicreta que o Cráudio emprestou pra comprar suveja no seu Zé da birosca.

E melhor ainda é, segurando o riso, ouvir seu amigo encher a cara de cachaça no pior boteco da Praça Tiradentes e declarar-se corno perante todos os fregueses, ao desabafar sobre os verdadeiros motivos de sua separação da Creuza, após seu reencontro com aquele primo que ela não via há muitos anos.

Pois é, caros leitores. Meus 12 fiéis que me acompanham sabem que a felicidade é inimiga de minha criação e por isso me abstive, por tanto tempo, de meus acometimentos literários.

Tudo começou ao ir trabalhar no Lagos Jornal, empresa sólida, de renome, e onde pude aparecer – para suprema irritação de alguns seres – muito mais do que devia, na opinião dessas pessoas. Depois, encontrar o amor de minha vida fez com que meu ibope despencasse à quase traço, tornando anacrônica minha alcunha de “Atormentado”, afinal encher a cara e dar vexame pra quê, se agora está tudo às mil maravilhas com o coração?

E agora, para maldição eterna dos que gostam de bater um tamborzinho em intenção da desgraça alheia, o golpe de misericórdia: o sacrifício do último símbolo de um passado negro, o “Ogromóvel” Chevette 82, em favor da Bandida – uma reluzente Shadow 600 no melhor estilo custom, sem muito à dever às boas e velhas Harley-Davidsons.

De minha cama escuto, nas madrugadas, os gritos lancinantes daqueles que dedicam suas vigílias à amaldiçoarem minha felicidade e a enfiar os dez dedos no orifício retal, no intuito de rasga-lo inapelavelmente. É uma coisa patética.

Decididamente, não posso mais vender minhas misérias, eis que não faria mais sentido e soaria bastante falso. Vai daí, gastei meus dias e noites à procura de uma boa linha a seguir, um novo estilo, uma nova inspiração, sei lá. E a abençoada lembrança de Juca Chaves me veio em mente. Sim! É isso!, iluminei-me com a lembrança: "ajude o Juquinha a botar gasolina em seu Jaguar"

Assim sendo, comunico aos três ou quatro leitores que ainda me restam que doravante escreverei apenas para que vocês me ajudem a pagar a gasolina aditivada de minha Shadow e meu restaurante japonês, em companhia de minha amada, linda e cobiçada Andréa.

Sorry, periferia.

( Para ler com voz de tumba )

“Uma nota:

Comunicamos o sacrifício de Ogromóvel Chevette 82 ocorrido neste mês de julho, em Cabo Frio. Seu proprietário, com profundo alívio, convida parentes e amigos para olharem e babarem com ele passeando em sua Bandida, motocicleta pela qual o finado veículo foi sacrificado.

O passeio ocorrerá quando ele e sua linda e inteligente mulher Andréa bem entenderem, nas ruas mais selecionadas da cidade. Desde já, o feliz casal agradece todas as pragas rogadas e os olhares invejosos, que serão devolvidos em dobro o mais breve possível.”

( repetir ad nausean, enquanto o olho gordo durar )

Walter Biancardine é jornalista, casado com uma mulher linda de parar trânsito, trabalha no que gosta e ainda tira onda de Shadow por aí. Durma com um barulho desse!