terça-feira, 4 de junho de 2024

O DESPREZO É MUDO E A HIPOCRISIA, LOQUAZ – Pequeno ensaio sobre as relações humanas na nova mesa de bar digital, as redes sociais -

 


Muitos de nós gastaram laudas, ou horas de confidências, a execrar o ambiente rasteiro e fútil dos bares e boates, que um dia frequentamos. Mas lá íamos, de maneira contumaz e quase compulsória, pois nos mesmos poderíamos empostar a desculpa – diversões à parte – de não apenas sabermos das últimas, nos atualizarmos sobre o pesado jogo da vida como, principalmente, firmar bons contatos e talvez fecharmos grandes negócios – eventualmente seria possível até dar vazão às nossas mais secretas vaidades e, entre um chope e outro, nos destacarmos por nossas opiniões e nos tornarmos uma espécie de “líder da turma”.

O problema aparecia quando, em meio a um determinado grupo de pessoas as quais nos interessava o contato, estava presente alguém que julgássemos inconveniente, prejudicial ou mesmo chato, a embaçar o ambiente ideal que imaginávamos. E a solução era drástica: não ir ao encontro, com todas as consequências sociais imagináveis.

Inspirado pelo inoxidável Hermes Magnus, que escreveu excelente artigo – quase uma fábula de Esopo – sobre o peso das redes sociais na formação de nossos conceitos, percebi que a internet igualmente ocupa hoje o mesmo papel social que tais bares e boites desempenharam, em passado recente: execramos o ambiente rasteiro e fútil das referidas redes, mas deles nos valemos para sabermos das últimas e, principalmente – tempos modernos – darmos vazão às nossas (hoje nada secretas) vaidades de exibirmos sucessos, anunciarmos verdades bíblicas e nos tornarmos um “guru digital”. E o melhor de tudo, e também objeto deste artigo, é que não precisamos abrir mão da convivência se, eventualmente, temos em nosso rol de amigos um ou outro chato – basta não respondê-lo, ignorá-lo, dar-lhe o pesado silêncio do desprezo. E isso o colocará em seu devido lugar, entendendo que você só aceitou sua amizade nas redes por uma caridade cristã; piedade, em suma.

Não há ambiente mais propício à uma prática deslavada da hipocrisia que as redes sociais: eu te desprezo, te ignoro, desconheço o que publica, abomino suas opiniões mas “somos bons amigos”. Afinal, não te deletei nem bloqueei; apenas, eventualmente, incluo seu perfil na relação de nomes os quais eventuais publicações não devem chegar.

Se nos enfumaçados bares e boites havia a possibilidade de até fecharmos um bom negócio, o mesmo não se dá nas redes: é vaidade pura, a imperar e soterrar verdades ao ponto de deformidades estéticas postarem fotos e, em seguida, enxurrada de comentários elogiosos desfilarem abaixo da fotografia de tal desacato à libido.

Este, entretanto, é o menor dos males. O silêncio sim, é cruel e perfura a auto estima de qualquer vivente, dando margem à interpretações oscilantes entre verdadeiras e absurdas e desequilibrando, por completo, o pobre dono do perfil – eis que a vaidade, o pecado predileto do diabo, tomou conta de todos nós. E seu segundo pecado predileto, a hipocrisia, igualmente fez morada em nossas almas.

Novas regras de etiqueta, bem como todo um leque de padrões comportamentais foram criados e aceitos tacitamente como “bem educados”, nas redes sociais. Do mesmo modo, novos “tipos humanos” se definiram com o tempo, permitindo que classificássemos as pessoas de acordo com o teor – e até frequência – de suas postagens.

Abro aqui um parêntese para lembrar que toda generalização é injusta e se condenamos aqueles que almejam o título de “guru digital”, tagarelando disparates a torto e a direito, somos igualmente obrigados a abrir exceções, pois não seria possível atribuir tal leviandade a um Olavo de Carvalho, Pe. Paulo Ricardo, Bernardo Kuster, PH Vox e sr. Sepúlveda, bem como a um Brasil Paralelo ou Revista Oeste e Rádio Auriverde, por exemplo. Garimpando com afinco e bom senso, podemos selecionar razoável (numericamente) coleção de indivíduos que, sim, merecem ser vistos, ouvidos e lidos – diferentemente da mídia “mainstream”, palco de indecente aridez intelectual e deserta de valores morais, sem uma única exceção.

Voltando ao tema em questão, creio ser prudente passar ao largo da exemplificação dos tipos humanos das redes por justificado temor que uma ou outra definição atinja eventual portador de vívida auto crítica ou, eventualmente, agoniados donos de alguma insegurança social atroz, rumando diretamente para as já citadas “regras de etiqueta digital” e seu mais cruel chicote: o silêncio.

Quem nunca experimentou a frustrante sensação de postar algo importante ou trabalhosamente elaborado e teve, como resposta, o mais clamoroso vazio? Nenhum comentário – contra ou a favor – ou mesmo um magro “curtiu”; esperar o compartilhamento de sua publicação seria, então, suprema e inatingível glória! “Só que não”, nos dizeres de hoje. Nada, somente o vácuo.

Obviamente, tais coincidências podem acontecer; ou causadas por marotos e bem adestrados algoritmos – que camuflam a postagem do proscrito sob toneladas de besteirol – ou por eventual e legítimo desinteresse, afinal ninguém é obrigado a achar maravilhosa sua postagem – a menos que seja uma foto horrenda, mal tirada e que expõe seu pior sorriso: esta, todos curtirão e comentarão sobre sua beleza.

O problema se dá quando o tempo passa e o infeliz dono do perfil se dá conta que o vácuo permanece. Passam os dias, as semanas, os meses e nenhuma de suas publicações mereceu nada além do silêncio: é hora do desconfiômetro entrar em cena, reconhecer-se um pária e modificar o foco de suas postagens. Se nas redes sociais o mesmo é solenemente ignorado, faça uma página na internet e divulgue os links de suas postagens na mais aleatória e “cracuda” das redes – o X, mais conhecido como Twitter. Sempre haverá, tal como no Telegram, um curioso para clicar em um título bem concebido (desnecessário dizer que me vali de tal expediente, angariando para minha página pessoal razoável número de visitas).

Existe, entretanto, situação bem mais grave e, normalmente, sucedânea de desavenças pessoais e explícitas: o temido “bloqueio”, ou “block”, para os íntimos.

Detentor de larga experiência em desapontar ou mesmo enfurecer pessoas, posso dizer que igualmente já experimentei tal banimento da vida de indivíduos – bloqueado que fui no Facebook, X-Twitter, Instagram, Messenger, YouTube e até WhatsApp, tudo isso de uma única criatura. Posso empregar comparação, escrita tempos atrás por mim, na qual equiparava esta expulsão da vida de alguém com as penalidades impostas pelos antigos romanos, aos que caíam em desgraça perante o Imperador, ou mesmo Senado: seus feitos eram apagados das “Actas”, eventuais estátuas eram derrubadas, sua memória abolida dos anais e mesmo sua casa era demolida, jogando-se sal por cima para que nada mais florescesse no local onde vivia tão abominável ser. Se você, assim como eu, já foi objeto de tal castigo, parabéns: quem te baniu igualmente jogou sal sobre o próprio coração, e jamais nascerá novamente algo lá – ao menos, no que diz respeito à sua pessoa.

E este é o pior lado desta “sociedade digital”, como seja, a facilidade com que impomos os piores castigos ou mesmo proferimos os mais abomináveis juízos sobre alguém – alguém esse que sofre da grande desvantagem de não poder olhar em seus olhos, encarar você face a face e saber se tal severidade é proporcional à mágoa causada ou somente fruto oportuno de uma facilidade, oferecida pelo esconderijo de assim fazê-lo por detrás de uma tela.

Vale o alerta para os que reclamam da hipocrisia da vida em sociedade: nas redes, tal desfaçatez é infinitamente pior, raiando a criação de verdadeiros “personagens digitais”, que empostamos e buscamos vender, em busca de satisfações para nosso insaciável e bem nutrido ego.

Jamais troque um aperto de mão ou abraço por dúzias de “likes”. É pendurar na parede o diploma de hipócrita, com pós-graduação em covardia.



Walter Biancardine



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