Somente os que me acompanham pelo canal
do Telegram estão cientes, mas creio que é chegada a hora de
compartilhar as novidades: completamente desviantes da depressora
rotina de más novas, desta vez são boas.
Como muitos sabem – pois jamais
escondi nada de ninguém, sucessos ou fracassos – em apenas três
dias perdi a mulher que amava, estava desempregado, não tinha mais
casa, lugar para dormir, carro, moto, gente em volta, família e
mesmo os pobres gatos, que comigo coabitavam, se foram juntamente a
toda uma rotina de quinze anos de feliz casamento. Do dia para a
noite, perdi minhas referências, raízes, amores, companhias e mesmo
hábitos.
Verdadeiro náufrago da vida, olhei à
volta e só havia o oceano tempestuoso e os tubarões de sempre. Mas,
tal como nos filmes, um homem – um só, e que nada teria a ganhar
fazendo-me favor algum – estendeu-me a mão e me abrigou, naquilo
que literariamente chamei de “minha casa na roça”.
Por quase um
ano morei em sua propriedade, um Parque Aquático desativado, cercado
apenas por bois, cavalos, porcos e solidão. A mais absurda,
penitente e torturante solidão, daquelas de se passar uma semana e
nos darmos conta de não termos pronunciado uma só palavra, sequer.
Mas eu tinha um teto, e esta solidão – agora vejo – foi
ferramenta de Deus.
Já algumas vezes escrevi sobre a real
imensidão do significado do “deserto”, verdadeiro personagem
bíblico: nele, esvaziamo-nos de todo o mal, toda a mundanidade e de
péssimos hábitos, conceitos e mesmo valores e “verdades”, que a
“realidade da vida” nos ensina, ao longo de nossa caminhada.
Ao contrário do maléfico nirvana
budista – ou mesmo da “destruição total de tudo” da Escola de
Frankfurt e dos delírios de Nietszche – esse “esvaziamento”
total, quando imbuído pela palavra cristã, faz com que ressurjam
todo aquele “bom” que (sabemos que) tínhamos, aquelas virtudes
que “nasceram” conosco, nossa essência humana, o gracioso poder
da empatia, da transcendência e, finalmente, da compreensão de toda
uma vida repleta de abstrusos.
Mas, além da solidão absoluta, outra
coisa é necessária: falar, falar muito, sozinho, sem a vergonha de
pronunciar em voz alta os mais horrorosos e fétidos pecados que (por
sorte) tenhamos a consciência de havermos cometido – uma
autocrítica em proporções transcendentes – e isso só será
possível em absoluta solidão, ou chamarão o hospício para
recolher o maluco, mais um, que perambula pelas ruas falando consigo
mesmo – consigo e com seus demônios.
Eu tive essa sorte, travestida de
maldição. Consegui manter-me lúcido, progredi vertiginosamente na
busca da verdade e aqui nasceram, de minhas mãos, três livros –
já publicados e que atestam, se não a qualidade do escriba, ao
menos sua psique sadia e o fogo vivo de suas buscas.
Cumpri minha sentença – ou melhor,
meu aprendizado – determinado por Deus e proporcionado pela empatia
e piedade deste amigo, Alair Corrêa, verdadeiro ícone na cidade
onde escolhi morar, Cabo Frio. Sim, pois este cidadão foi quatro
vezes prefeito, duas vezes deputado e igualmente foi o responsável
pela total e maravilhosa mudança deste município, colocando-o no
mapa do Brasil e do turismo internacional.
E o quê ele teria a ganhar com isso, se
nada mais precisa provar a ninguém?
Nada, essa é a verdade. Tal ato foi
devido à pura empatia, amor ao próximo e um grande coração.
E onde entram, afinal, as boas notícias?
Neste momento, este Parque Aquático
está em verdadeiro processo de metamorfose e sofre obras para sua
reabertura, juntamente à novidade de um belo Resort – o qual a
gerência deste último estará a meu encargo.
Talvez para o leitor, ser humano normal
que é, ser convidado para um emprego não pareça nada de
transcendente – uma bela notícia, no máximo – mas para aqueles
que acompanharam toda minha trajetória creio ser evidente muito mais
estar em jogo do que um simples salário: é a volta da dignidade, de
sentir-me “inter pares” – um igual – e para quem já
dormiu em pátios de postos de gasolina ou nos matos dos acostamentos
das estradas, sentir-se “um igual” é algo que ultrapassa a
capacidade de expressar toda a alegria envolvida. Para mim, em minhas
condições e após atravessar tantos desertos e privações de alma,
é um acontecimento capital.
É evidente que não tenho mais o otium
sine dignitate necessário ao pensamento, às escritas, à
maromba intelectual. Tudo isso tenho deixado de lado – e friso,
momentaneamente – em favor das inúmeras tarefas que, agora,
preciso desempenhar. Entretanto já vivemos o bastante para sabermos
que o tempo acalma as tempestades e, em breve, toda uma rotina de
trabalho será criada e nela meu labor intelectual tem seu lugar
garantido.
Estou com um livro à meio caminho – e
por enquanto interrompido – no qual tento desfazer aquela quase
“piada de mau gosto” sobre a discussão entre o determinismo e o
livre arbítrio, algo que soa-me como as crueldades praticadas por
irmãos mais velhos, quando éramos crianças e nos perguntavam quem
preferíamos: papai ou mamãe. Mais piada ainda se torna ao abordar
pela ótica que tenho tratado com mais ênfase, que é o determinismo
behaviorista, e este livro terá de esperar um pouco.
Agora sou um homem normal, tenho um
emprego e, em breve, terei minha casa e meu carro.
Back to basics!
Walter Biancardine