sábado, 30 de dezembro de 2023

DÉCADENCE SANS ÉLÉGANCE


Neste sábado 30, avant première de Réveillón, a soberba incurável – fruto de berço, lamento – me invade e passo a derivar sobre o quão agradável seria aguardar a virada de ano na varanda do Copacabana Palace, embevecido pelo suave bouquet de um bordeaux Pauillac 2009 ou 2010 e beliscando arremedos de canapés, carregados de boa mousse de salmão.

A mesma deriva recomenda que nesta varanda sejam escutados os acordes de “In The Mood”, Glenn Miller, embalando nossa degeneração travestida de transcendência, e nos dando motivos para enlaçar nos braços a bela companhia que nos segue, deslizando ambos em suave dança.

Inegável o gozo mórbido que ostentamos, indisfarçavelmente, ao festejarmos a partida de menos um ano em nossas vidas – talvez seja o mesmo prazer auto destrutivo que impele muitos de nós à brutal piedade com supostos “oprimidos”, ao apedrejamento de princípios e valores à guiza de “sermos modernos e liberais” e que descobre, no fundo de um copo ou em bandejas de prata e cartões de crédito, a alegria prét-a-porteur sempre estampada nas redes sociais.

“Divina decadência!”, diria a personagem de Lisa Minelli no inesquecível filme “Cabaret”.

Sim, decadência à olho nu, décadence sans élégance como diz o título deste pretensioso artigo, exibidor de um extinto pedigree de seu autor, já vencido, fora do prazo de validade e das condições ideais de temperatura, pressão e saldo bancário para tanto.

A vergonhosa verdade é que, não fossem as condições em que vivo atualmente, somente meu saldo bancário denotaria a invalidade de meu pedigree: sim, pois é preciso sofrermos fome para entendermos a fome alheia; é preciso ilharmo-nos em solidão para entender o deserto do próximo; é preciso a mais profunda dor para darmos o devido valor ao mais simples amor.

Não tivesse eu vivido tais amarguras inacreditáveis e, certamente, ainda carregaria essa indiferença olímpica de uma jeunesse dorée, essa que se crê dona de toda a empatia apenas por colocar fotos nos perfis sociais, com mensagens de amor ao próximo e piedade pelos pobres.

Não terei Réveillón, terei virada de ano. Não terei sequer um Cabernet mas, com sorte, um Guaravita gelado e bolachas de água e sal. Não terei Glenn Miller – ele estará apenas em meu computador, veículo de meus sonhos e desvairios. Não terei uma doce companhia, mas meu fiel focinhudo estará a abanar rabos ao meu lado.

Não se apiedem ou manifestem empatia, entretanto: se nada aprendi com amor, descubro-me hoje um PhD na dor.

É o diploma mais valioso que um ser – que pretende-se humano – pode conquistar.

Feliz 2024 para todos!


Walter Biancardine




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