Neste dia 15 de novembro completa um ano em que, repentinamente, perdi a mulher que amava, minha casa, meu modo de vida, hábitos, raízes, décadas de história, amigos e membros da família – tudo isso em menos de três dias.
Súbito, vi-me isolado, sem amigos e sequer onde dormir ou o que comer, e não fosse a generosidade e amor ao próximo de Alair Corrêa, oferecendo-me uma “casinha na roça”, meu destino seria os acostamentos de estrada ou marquises de prédios.
Um ano se passou.
Um ano de absoluta solidão, de não ter uma só alma viva por perto que pudesse conversar e tão distante do núcleo habitacional mais próximo que, uma caminhada até o mesmo, custaria uma hora e meia de pernas trabalhando.
Mas a vida é surpreendente, principalmente quando o nosso maior amigo – Deus – nos ajuda: o que, à princípio revelava-se um apocalipse em minha existência, acabou por se tornar a melhor coisa que poderia acontecer comigo.
Neste ano de solidão – minha “peregrinação no deserto” – consegui manter a psique sã e mergulhar profundamente não apenas em auto análises como, igualmente importante, numa investigação minuciosa de toda a conjuntura de minha vida, a qual revelava-se de uma dependência emocional contumaz e prejudicial, ao ponto de inibir-me intelectualmente diante da mulher amada – canhestra tentativa de demonstrar amor sob a forma de submissão da minha própria inteligência.
Um simples teste de caráter revelou-me o erro de pessoa: a mulher que amava jamais existira. E apenas fazer ouvidos de mercador às vozes dos meus complexos de inferioridade – “posso ser burro, mas posso também escrever” – renderam três livros e centenas de artigos onde, por mais que de mim discordem, ao menos admitirão a solidez dos meus pontos de vista e uma sanidade intelectual inacreditável, após tão inaudita e torturante provação enfrentada.
Este pode ser o resumo deste ano: uma dúzia de meses onde enfrentei o que poucos homens encarariam sem sequelas e, ao fim, enxerguei toda a dor e sofrimento como lição mais que necessária, para me tornar digno de outro patamar, o qual não lembro de, algum dia, nele ter estado.
O coração está curado – única dor que sinto é contra mim mesmo, por ter permitido que sentimentos manipulassem a razão e cegassem meus olhos – e a mente, de modo inacreditável, encontra-se mais produtiva e potente que jamais esteve.
Ainda enfrento uma vida bastante dura, com privações e sacrifícios diários, mas não posso deixar que a ansiedade me domine: estou reconstruindo o que, durante 60 anos, recusei-me a plantar. Assim, quaisquer reclamações de minha parte seriam, além de levianas, injustas. E essa reconstrução também passa pelas mesmas mãos deste senhor, Alair Corrêa, que convidou-me a gerenciar seu hotel. Tenho um teto, estou empregado e meu intelecto permanece são e produtivo.
Posso considerar este ano como longa e necessária internação em uma rehab emocional, o qual me rendeu bons frutos: da indigência certa ao cargo de gerente, e da demência traumática à publicação de três livros.
Creio ter, finalmente, aprendido a transformar limões em limonada.
Walter Biancardine
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