domingo, 15 de outubro de 2023

CRIANÇAS

 




Devo minha existência hoje, por sobre o planeta Terra, a algum português que embarcou em uma caravela e resolveu arriscar a sorte na Terra de Santa Cruz.

Igualmente carrego, em meu sangue, o legado de um possível romano que (quem sabe?) teria vendido um bloco de mármore á Michelangelo - ou, anteriormente, ter sido destroçado por espadas bárbaras em alguma guerra do imperador Tibério.

Não fosse o cumprimento do preceito bíblico "crescei e multiplicai-vos" - hoje denegrido em "sanha procriatória, causadora da hiperpopulação" - e nenhum de nós, eu inclusive, estaria aqui.

Penso que o ser humano pertencente às classes mais esclarecidas está se tornando assexuado, anestesiado para o desejo carnal que secunda o afeto. E as consequências disso são expostas no orgulho com que se declaram "pais de pets".

Não é segredo meu gosto por animais: vivo entre bois, vacas, cavalos, porcos, galinhas e seus colaterais: lagartos, preás, cobras, garças, mergulhões. Jamais mataria ou infligiria sofrimento a qualquer um deles - pelo contrário, muitos viram (gravei em vídeo) o pangaré "Pé de Pano", que se afeiçoou á mim e me segue por toda a parte. Igualmente já tive inúmeros cães, gatos, hamsters e até gambás, que me visitavam em casa para comer a ração dos gatos, seus amigos.

Mas isso não me torna "pai de pet".

Assim declarar-se é uma barbaridade proferida pelo vício da moda, onde as pessoas não se dão conta da enormidade que dizem. Não sou "pai" e, muito menos, "tutor", pois quem tem este último são crianças abandonadas, que contam com a sorte de ter alguém que as oriente na vida.

Bichinhos fofinhos não transmitirão meu legado, a ancestralidade que herdei destes romanos despedaçados por espadas bárbaras ou de algum português louco, que aventurou-se ao embarcar nas caravelas.

Bichinhos fofinhos não levarão meu sangue adiante, não poderei ensinar-lhes meus valores, minhas crenças e neles depositar a fé de que farão desta miséria em que vivemos, um lugar melhor.

Bichinhos fofinhos não carregarão - para o melhor ou pior - meu sobrenome e, muito menos, me desejarão um feliz dia dos pais.

Bichinhos fofinhos podem, isto sim, ser amigos, companheiros, fiéis e afetuosos - e serão, com certeza, chorados após sua morte.

Mas jamais serão meus filhos.



Walter Biancardine.





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