Por inúmeras vezes fui acusado de não ter nenhuma empatia com o próximo, de em nada me importar com a dor e sofrimento alheios e, confesso, por maior quantidade de vezes assim me esforcei em aparentar.
Não cabe aqui explicar as razões de assim me comportar; o que desejo significar é o que, há muito, já foi descrito magistralmente por John Donne:
“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo.
Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano.
E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”
Bolsonaro teve as tripas rasgadas, viveu meses com uma bolsa de colostomia colada em sua barriga e, até hoje, sofre as consequências deste atentado. E senti o rasgo em minha própria barriga, senti a dor que ele sentiu e o frio da lâmina perfurante.
Trump estaria com um buraco na testa e morto, se tudo desse certo – mas não deu. Teve a orelha rasgada e a clara visão que o mal demoníaco, avassalador e imparável, de fato existe. E sinto minhas orelhas em fogo até agora, acompanhado pelo animal desejo de caçar – de arma em punho – não apenas os atiradores como, principalmente, seus mandantes. Eu senti sua dor também, acompanhado do gosto de sangue na boca.
Mesmo o amor de minha vida, que sofria por seus filhos, por mim e minha secura, apenas conseguia saber deste autor covardemente escondido, sofrendo por ela sofrer – mas disso ela não sabia, embora igualmente sentisse sua dor, piorada por minha impotência.
No momento em que escrevo estas linhas – prenhe de fúria e com o coração compassando tambores de guerra – pouco ou nada direi sobre a infâmia e o atentado em si. Apenas que tenh em mim, também, a mortal vergonha de ter a profissão que tenho; o embaraço incurável de ombrear-me à cínicos, mentirosos, canalhas enganadores que não coram em criar verdades particulares, as escrevendo em instrumentos que deveriam informar, prevenir e salvar pessoas, vitimadas pelos segredos sempre escondidos que todos os governos e elites possuem, mas enganando-as por sua vez – dopados por ideologias, fanatismos e idealismos que favorecem apenas seus vícios, jamais um ideal de vida melhor.
Sim, eu sinto a dor dos outros.
Sim, eu sinto a vergonha alheia.
Sim, nenhum homem é uma ilha, e os sinos dobram por ti.
Mereça-os.
Walter Biancardine
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