sábado, 20 de outubro de 2007

Uma ajudinha

Senhoras e senhores leitores, um minuto da sua atenção: me desculpem incomodar sua leitura, mas eu-podia-estar-roubando,-eu-podia-estar-matando,-me-prostituindo,-me-entregando-ao-tóchico-
mas-estou-aqui,-trabalhando,-escrevendo-essas-mal-traçadas-linhas-e-pedindo-a-sua-colaboração. Qualquer moedinha serve, e em troca os senhores poderão levar a distração da sua viagem.
A vida é dura, caro leitor. Caí na besteira de revelar toda minha quizilia contra a pobreza espiritual imposta pela mídia, em uma crônica feita semana passada, após a desventura de andar de ônibus.
Não sei exatamente como aconteceu nem quem foi o traidor que, além de ler o que escrevi para os malvados iletrados, ainda revelou os locais onde eu poderia ser mais facilmente encontrado. Mas o fato é que fui cercado por uma horda de Wellingtons, Gislaines e Maicons – ameaçadores, segurando espetos de churrasco, isopores de cerveja e outros apetrechos letais – os quais partiram, céleres, para cima de mim com intenções funestas. Não fosse eu um exímio lutador de artes marciais, e estaria em maus lençóis. Devo ter quebrado a mão de uns cinco, com a minha cara.
Foi uma luta selvagem. Todo o boteco ouvia meus gritos bravios de “– Pára, pára!!!” ou mesmo “– Não chuta não, pô!!!”, “– Com o espêto não!!!” ou “– Tira essa gorda de cima de mim!!!”.
As pelancas voavam; cada chute revelava um oceano gelatinoso de celulites e estrias; varizes estouravam tingindo os shortinhos de lycra enfiados no rego; suvacos insofríveis, semelhantes a molho de cachorro-quente, se alastravam qual guerra química em meio a gravatas aplicadas em meu pobre e magro pescoço; tubos de henê e celulares com capa de oncinha eram usados como armas terríveis; guinchos esganiçados denunciavam o clamor por ajuda “– Cráudio, Cróvis, anda, chama a galera!!!”; e em cada mão deles eu contava dois ou três dentes meus cravados lá, feito uma plantação de caninos, incisivos e pré-molares.
Mesmo os Césares temeram a turba romana. Quem sou eu para não temer as hostes da periferia?
O fato é que, em clara situação de desvantagem, divisei como única saída a técnica do “Rala o peito”, e vazei de lá correndo, capengando e gritando (mas com toda a dignidade) em meio a uma chuva de garrafas de cerveja, croquetes, joelhos de presunto e queijo e CD’s do Calypso. Com a agilidade de um gato entrei em meu Chevette 82, com todo mundo correndo atrás de mim.
Mas a bateria arriou.
E é por isso que faço agora este apelo aos senhores leitores: eu-podia-estar-roubando, -eu podia-estar-matando, -mas-estou-aqui-trabalhando-e-pedindo-uma-ajuda, para pagar um reboque que possa tirar o meu carro de dentro da salina.
Os malvados jogaram meu mais precioso patrimônio naquela salmoura, numa clara demonstração de inveja e despeito. Jogaram também garrafas com xixi lá dentro e encheram o tanque de gasolina de cocô. Uns recalcados selvagens.
Qualquer ajuda será bem-vinda, e vocês receberão em dobro tudo o que me derem.
Aceito também dentaduras usadas, vale-transporte e ticket-refeição.
Não quebrem esta corrente. João da Silva, do Morubá, quebrou e no dia seguinte teve de ir morar com a sogra flatulenta; ele, sua mulher com herpes e seus seis filhos catarrentos em uma quitinete sem janelas e com teto de eternite, em pleno verão, em Gramacho, no Rio de Janeiro.

Walter Biancardine é jornalista e insiste em fazer de conta que não perdeu a dignidade.

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