Dentre as recentes reviravoltas da política cabo-friense, destacou-se na semana passada a proibição do deputado e pré-candidato á prefeitura de Cabo Frio, Alair Corrêa, de falar em uma entrevista já agendada na Rádio Litoral.
Embora não tenha sido sua transmissão cassada pela força de nenhuma lei de exceção, a citada emissora teve de curvar-se ao principal e mais eficaz instrumento de coação das pseudoditaduras modernas: a força do dinheiro. Segundo consta, figuras ligadas à prefeitura de Cabo Frio teriam advertido a direção da rádio que, caso concedessem a palavra ao deputado Alair Corrêa, seriam retiradas todas as cotas de patrocínio que a prefeitura mantém naquele veículo. Além disso, outras fontes informam que a responsável pelo agendamento desta entrevista teria sido demitida dos quadros da empresa, em decorrência de sua decisão de programar tal evento. Alguns jornais noticiaram isto, e o fato é público e notório.
Não se trata aqui de fazer uma defesa da candidatura de alguém, ou mesmo um manifesto de apoio ao candidato, suas idéias ou o que seja. O que está em jogo não é um homem, e sim um dos pilares do regime democrático: a liberdade de expressão, garantida de modo inquestionável pela Constituição Federal e alcançada à custa de sangue, sacrifício, exílio, tortura, perseguição e morte de milhares de idealistas, inconformados com a unanimidade obrigatória das opiniões de um povo.
Não se sabe se tamanha excrescência no exercício do poder originou-se do próprio prefeito. Não se sabe e nem nos interessa agora especular. O que nos diz respeito é que, caso a infeliz idéia tenha partido de outra mente, e com certeza doentia, o responsável por mutilar os direitos e garantias do cidadão deve ser imediata e exemplarmente punido e exposto à execração pública, como o símbolo do cadáver de uma bisonha casta ditatorial que insiste em expelir, ainda, seus últimos e deformados filhotes. Essa resposta a Prefeitura Municipal de Cabo Frio deve à sociedade, que a mantém e concede seu poder. Qualquer que seja o autor, ou autores, o ato medieval mancha todo o quadro executivo, pois tal vergonha como que poreja das paredes do prédio da Av. Assunção. Não apurar responsabilidades, esquivar-se, protelar, será mais que outro desrespeito ao povo – será um escárnio, uma cusparada não só na face dos cabo-frienses como também na Carta Magna.
Deus deu ao homem o livre-arbítrio, a liberdade de pensar e escolher o que fazer e qual caminho seguir. Conseqüentemente, o Criador permitiu que esse mesmo homem, liberto em suas idéias, as propagasse conforme sua vontade e cabendo aos outros homens, igualmente livres em suas escolhas, a aceitação do que escutou ou não.
Quando um simples homem toma para si o papel de Deus e juiz, revogando o que está claramente entendido nas Escrituras e nos dispositivos legais de uma nação, proibindo a livre manifestação de idéias, ele não mata apenas um direito: este homem assassina a democracia e até mesmo o próprio Deus, tomando seu lugar, invalidando Sua lei e impondo um novo código, mais de acordo com suas conveniências. Devemos nos perguntar que tipo de homem ou governo considera legítimo pretender calar um direito líquido, garantido pelas leis humanas e divinas?
Qualquer mossa feita á Constituição e aos nossos direitos produz uma série de efeitos em cascata e um deles é o medo. Diante dos arreganhos dos mais poderosos todos, de uma forma ou de outra, tremem. Não foi apenas a Rádio Litoral quem se curvou ao tridente sinistro de algum Mussolini tropical, é preciso que se diga. Todas as emissoras, no dia do acontecimento, sequer ousaram noticiar o fato. E, se basta o aparecimento de um covarde para que se contamine toda uma geração de homens de bem, basta também que a sociedade aceite calada um abuso, para que outros piores venham a seguir.
O silêncio da grande maioria da imprensa cabo-friense só faz aumentar a certeza de que pressões do governo municipal são uma realidade em nossa cidade. Senão, por quê calar diante de um ato que ameaça a própria razão de ser dos meios de comunicação?
Para cada ação, há uma reação de igual intensidade e em sentido contrário. É preciso, pois, que haja uma reação imediata e cabal de toda a sociedade, expressando total repúdio á uma iniciativa infeliz e arbitrária que nos adverte para os primeiros (e não tão tímidos) passos de uma concepção absolutista de poder e de imposição de idéias.
Repito: não se trata de hipotecar apoio à candidatura ou as idéias de seja lá quem for. Que fique bem claro que, como jornalista, todo meu apoio e todos os meus esforços são no sentido de que cada um de nós tenha assegurado o seu direito de expressar o que pensa, ainda que nos contrarie frontalmente. E que os meios de comunicação tenham, finalmente, o merecido direito de cumprir suas obrigações sem temer retaliações.
A Associação Brasileira de Imprensa, a FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais e mesmo a OAB, na pessoa de seu presidente da 20ª Sub-Seção de Cabo Frio, Eisenhower Dias Mariano, devem ser notificados e tem por obrigação se posicionarem quanto à violência cometida.
Indigno será todo e qualquer cidadão deste município que não expuser, de forma clara e inconteste, seu asco diante de tamanha violência. Indigno será o voto deste mesmo cidadão, direito este que custou vidas, se ele for usado para permitir que servidores pagos com nosso dinheiro se utilizem do poder, dado por cada um de nós, para nos violentarem. E indigna será a sociedade que acolher em seu seio as pretensões ditatoriais de quem quer que seja.
Walter Biancardine é jornalista e, ironia do destino, nasceu em 1964.
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