Domingo já é um dia complicado para mim e pior fica quando, por absoluta falta de numerário, quedo-me inerte em casa contemplando, basbaque, os absurdos do “Fantástico”, da TV Globo.
Nele, vejo um SUS que tripudia da saúde do brasileiro; uma justiça que gargalha diante da dor de vítimas de acidentes aéreos – fora todo o resto que já sabemos: não há saúde, não há educação, não há emprego, não há segurança, não há transporte, não há vergonha na cara nem dignidade, não há país. E ouso dizer: a falta de macheza e brios não é apenas dos nossos governantes. Ela é principalmente nossa. Nós é que somos os covardes, omissos, sem-vergonhas, bundões, frouxos e nossos governantes sabem perfeitamente disso. Assistimos encolhidos toda essa miséria, sem um pio, para nos manifestarmos – em altos brados e com palavras sonoras e impetuosas – apenas no noticiário esportivo, que se resume ao futebol, aparentemente o único esporte praticado no Brasil. O pão e circo está mais vivo do que nunca!
Uma criancinha morreu estuprada por um demente, que só vai cumprir um ano de jaula – isso se for pego – e sair, fresco e sorridente, pela progressão do regime? Não tem problema! Afinal, o Flamengo ganhou! Seu filho torrou suas economias estudando cinco anos em uma faculdade caríssima, e não consegue emprego? Não tem problema! Vá pular carnaval, o maior espetáculo da terra! Ele está chegando! Ficou doze horas na fila do SUS para marcar um exame, só conseguiu para fevereiro de 2009 e ainda teve de ouvir uns desaforos de um babaca que é pago com seu dinheiro e acha que está te fazendo um favor? Relaxe! Amanhã é o último capítulo da novela e finalmente saberemos quem matou Odete Roithmann!
Somos um país de hipócritas. Os anúncios de cerveja mostram apenas bundas: beba, e terá uma delas! Os anúncios de banco mais parecem novelas mexicanas e falam de tudo, menos de dinheiro. Sem exceção, a mensagem da casa bancária disfarça a agiotagem em cuidados com os entes queridos.”Abra uma conta no Banco X, e você será um bom pai!” E a mídia pratica, às escâncaras, a velha política do morde-e-assopra: para cada bofetada em nossa dignidade, uma notícia sobre carnaval, praia, futebol, mulheres ou novelas. E nós engolimos caladinhos, afinal, brigar pra quê?
Praia, sol, futebol, samba, cerveja. O país da alegria! Essa combinação só nos trouxe a certeza de que eu, você, todos nós, somos uma nação de bonecas, de covardes que, tivéssemos honra e pudor, já teríamos promovido uma baderna cívica, expulsando á pontapés essa quadrilha que nos governa. Poderíamos talvez nem resolver o problema, mas ao menos nos faríamos mais respeitados pelos próximos servidores públicos que viessem nos governar. Se não o respeito ensinado pelas mães, que essa gente parece não ter, ao menos o respeito gerado pelo medo.
Mas eu sei que nada do que escrevo fará a menor diferença. Nós já perdemos a vergonha, a dignidade, e não temos escrúpulos em sapatear sobre o sangue de uns poucos brasileiros que morreram pelo crime de não ficarem sentados, esperando tudo mudar.
Tenho vergonha de mim, de minha omissão, covardia – o brasileiro típico morre de vergonha de ser líder, tomar atitude, protestar – e o que é pior: morre de vergonha de ser honesto – o tal “Caxias”.
Tenho vergonha de minha tacanhice, de minha baixeza moral, que aceita tudo isso e o máximo que faz é escrever croniquinhas furibundas, ao invés de partir para a ação. Tenho vergonha de ser quem eu sou, de aceitar o que aceito.
E tenho vergonha de você também, leitor, que é igualzinho.
Walter Biancardine é jornalista e está de saco cheio de ser brasileiro. Que atirem a primeira pedra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário