Uma nova semana que se inicia, uma nova segunda-feira e tudo recomeça. Inclusive o trabalhar e padecer, tal como é desde que o mundo é mundo.
Existem trabalhos os quais pesam a brutalidade e o esforço físico, que fazem o homem respirar fundo antes de criar coragem para gastar o corpo em troca de seu sustento. Já outros massacram pela rotina, marasmo e a sensação de improdutividade; os funcionários públicos conhecem esse desaparecimento da vida interior muito bem.
E existem outros ainda, como o ofício de escriba, cuja obrigação primordial é levar aos seus leitores algo digno de nota e, em segundo plano mas não menos importante, escrito de uma forma agradável e criativa. E é aí que a porca torce o rabo.
O que fazer naqueles dias em que nada de excepcional aconteceu? Ou talvez tenha até acontecido, mas o escritor, já cético e descrente, nada mais consegue achar como algo notável? E se, por um feliz acaso, surgem idéias, mas a cabeça emperra; o verbo falha e o bom desenvolvimento do texto murcha, inexorável, em meio ao caminho?
É a pesada obrigação de criar, caros leitores, que já levou muita gente boa ao desatino.
Todos os que vivem da pena já escreveram algum dia algo de excelente; aquele texto o qual volta e meia o resgatamos da gaveta para, incrédulos com nossa própria felicidade, relê-lo orgulhosos, lambendo a cria. E a partir daí definimos esse grau de excelência como nosso padrão, obrigando-nos a produzir diariamente pérolas da literatura.
Essa responsabilidade já me fez rasgar e queimar muita bobagem escrita por mim, do mesmo modo que me impeliu a reescrever o mesmo texto umas vinte e cinco vezes até sair do jeito que eu acreditava ser o melhor.
E assim, aos poucos, sem que a gente se dê conta disso, desenvolvemos hábitos estranhos aos olhos dos outros; tiques e manias compulsivas-obsessivas que, como fossem superstições haveremos de cumpri-las, se almejamos o bom sucesso da empreitada.
Não fica bem eu falar das maluquices dos meus colegas, e nem seria – para usar uma palavra tão em moda que está me enojando – ético faze-lo sem o consentimento de cada um deles. Por isso restrinjo o rol das patologias apenas à minha pessoa, de reputação já tão combalida a esta altura da vida.
O principal motivo pelo qual escrevi toda essa argumentação aí de cima não foi apenas uma vil encheção de lingüiça, cumprindo minha obrigação de preencher o espaço generosamente cedido com algo potável aos leitores. O verdadeiro motivo foi que me dei conta, em definitivo, da pior de minhas manias.
Um fim de semana agradável, amigos ao redor, um belo show de blues no Etílico que vi em companhia de mais amigos, boa comida, boa bebida e até mesmo passeios – eis que ciceroneei um amigo em visita a região – com direito a alegria, despreocupação, pança farta e serpentina molhada. E foi aí que me atolei.
Não é de hoje que sei que a alegria e felicidade são inimigas de minha criação. E após um festival pantagruélico de despreocupação como o deste final de semana, chego à segunda-feira, de volta a minha obrigação de escrever, com a cabeça completamente oca; nenhuma idéia, nenhuma esperança, um deserto.
É impossível ser feliz em meio a tanta felicidade. Pelo amor de Deus, quero meus tormentos de volta! Como escreverei sem uma dor de corno, sem uma angústia abissal, sem um apocalipse na alma e o juízo final no coração?
Mas eu sei que tão certo quanto o dia após a noite, a mediocridade humana me fará presente, como fonte inspiradora, um variado e abundante material depressivo-criativo durante esta mesma semana, sem faltar nenhum detalhe sórdido ou mesquinho, tão usuais na natureza do homem.
Ambição excessiva, exibicionismo, cupidez, ganância, inveja, mesquinharia e vaidade.
É só esperar. A vaidade, pecado predileto do encardido, leva os deslumbrados – pelos seus próprios pés – para o inferno.
Vovó dizia que nem tudo o que brilha, é ouro. Estava certa: pode ser só um caco de vidro.
Walter Biancardine é jornalista e aguarda, ansioso, a irritação e saco cheio da sexta-feira para escrever suas pérolas.
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