Se eu tivesse talento,
Escreveria sobre a solidão.
Sobre a alegria obrigatória das noites,
A gargalhada desesperada,
A euforia da fuga de tudo,
Das misérias que nos fazem pequenos.
Se eu tivesse talento,
Faria rimas, escreveria versos,
Frases definitivas,
Caberiam nelas todas as nossas sangrias,
O enjôo de tanto beber
Todos os excessos, todas as faltas.
Se eu tivesse talento,
A solidão passaria vergonha,
E não eu, procurando colo,
Nos colos mais sem nada-a-ver,
Rasgando amizades, apagando sorrisos,
Eu seria lúcido, namorado da vida.
Se eu tivesse talento,
Teria dinheiro, teria amigos,
Mas nunca mais mulheres.
Porque se o mundo me aceitasse,
Uma só quereria que me quisesse –
Meu colo, meu porto, e ninguém mais.
Mas se tudo isso eu tivesse,
Finalmente seria feliz.
E se feliz eu fosse,
Nunca mais escreveria,
E se não escrevesse mais,
Certamente morreria.
Triste de quem, para criar precisa sofrer;
Precisa beber, descer aos infernos
Ou voar para a lua.
Cada linha, um corte;
Cada frase, uma dor.
Triste de quem, para ser feliz,
Precisa não ser.
Walter Biancardine é jornalista, e se recusa a comentar sobre seu estado de espírito e seus hábitos noturnos.
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