Com a ajuda de cinco negões amigos, consegui finalmente retirar meu Chevette 82 de dentro da salina, onde foi jogado por uma turba enfurecida de plebeus, conforme relatei em minha crônica da semana passada. Relatei também que a causa de tal desvairio foram comentários meus, considerados desairosos, em relação à pobreza espiritual imposta pela mídia, proferidos em crônica ainda anterior.
Pois bem. No momento em que escrevo estas mal-traçadas, vejo na tela de minha TV Colorado RQ a válvulas o “Fantástico” deste domingo, no qual a atriz e futura Madre Tereza de Calcutá, Regina Casé, empurra por minha goela abaixo todo o seu amor pela periferia, a qual recebeu um quadro só pra ela em tal programa.
Confesso que tal quadro me causa engulhos. E, antes que outros despossuídos comedores de “cocretes” venham a me catar pelas ruas, apresso-me a explicar o porquê: o problema não é ser pobre. O problema é começar a gostar de sê-lo, acreditar que a periferia é uma classe, um estilo de vida com cultura, hábitos, moral e valores próprios e – sentimento sutilmente instilado – provavelmente superiores, mais legais, sinceros e divertidos que os dessa burguesia insípida que os emprega. O nome disso, meus caros pobres, é CONFORMISMO SOCIAL. A partir do momento em que o pobre ri de si mesmo, de seus hábitos, desventuras e até de suas gafes; quando os pobres vêem na televisão favelas em todo o mundo e que possuem os mesmos hábitos e problemas (como se pobreza não fosse uma merda em qualquer lugar do mundo), sempre apresentados como uma coisa fantástica pela madrinha dos pobres, Regina Casé, ele se sente como uma casta – uma estirpe, um personagem – e que, como qualquer personagem, não pode ser mudado.
Deixar de ser pobre pra quê? Ser pobre é tão legal, tão divertido! “A gente ganha pouco, mas se diverte!” É a apologia à imobilidade social, à mansidão das massas; é o mais eficaz amansa-revolução-social já inventado, travestido de “valorização popular” pela emissora responsável pelo que o brasileiro acredita ser ele mesmo. Este antídoto, administrado em conjunto com o carnaval, praias, futebol (explorado ao paroxismo pelas TV’s) e pelas mais suculentas bundas e barrigas-tanquinho do meio artístico produzem o que todos nós estamos cansados de ver: um povo estuprado, mas feliz.
Perguntado qual o melhor conselho que poderia dar aos jovens, o genial Nélson Rodrigues lascou: “– envelheçam!”
Vivo fosse, provavelmente diria aos pobres: “– enriqueçam!”
Desde que o mundo é mundo, a pobreza existe. Não é vergonha nem defeito ser pobre.
Vergonha é gostar de sê-lo e nada fazer contra isso.
Walter Biancardine é jornalista, pobre de marré-marré e está aceitando qualquer trocado pra deixar de sê-lo.
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