sábado, 20 de outubro de 2007

Eu odeio os domingos

O dia amanhece – e permanece – em silêncio.
Um silêncio grave, comprido e sonolento. Aos poucos, o mundo começa a acordar; sempre mais tarde, mal refeitos da catarse dos sábados.
E farejam os ares pela janela, espiam o sol, bocejam e se espreguiçam.
Passarinhos cantam, cheiro quente do café com pão, vozes roucas, caras inchadas. Banho tomado, talquinho nos ombros, de chinelo e bermudas rumo à padaria.
E se compra o jornal, há tempo de se comentar as notícias, palpites pro jogo de hoje à noite. Caminho de volta sem pressa, sem relógio, senhor absoluto de seu tempo e de seu ócio.
É manhã de domingo.
As mães começam o almoço, eterna esperança de uma reunião feliz. Os filhos nunca ajudam, as filhas às vezes, ou todos na praia. Marido lava carro e discute futebol. Mais tarde, todos no quintal, acendendo o carvão.
Um posto de gasolina vazio. Um carro solitário, capô aberto, mostra as entranhas para seu dono sentado na cadeira pequena dos que procuram. Um silêncio absurdo, cachorro latindo. Cerveja e jornal enquanto a patroa cozinha. Cerveja e churrasqueira enquanto a patroa trabalha.
Limpar as gaiolas, lavar as calçadas, uma trouxa de roupa destamanhão pra dar conta!, vai comprar logo a cerveja, menino!
E chegam os amigos, parentes e aderentes. Um mar de bermudas e barrigas tostadas. Um pagode no rádio e tome carne, e tome cerveja, molho à campanha – prova só essa farofinha, que delícia!
Tudo atropela a azia de sábado. O sol vai caindo, a carne esfriando, o fogo apagando. Cunhado já meio torto, um friozinho lembra da noite que chega e de todos que vão.
É a tarde de domingo.
Deitar no sofá, ver TV. Não pensar em nada, barba por fazer. Boca amarga de cerveja e o sono que ela traz. Um beijo azedo de farto, sem romance, sem carinho, um hábito.
Nada de novo, tudo igual, tudo em paz.
E a voz do Cid Moreira, trazendo o juízo final:
- “Domingo: vai começar o Fantástico...!”
É o fim de toda a esperança.
É o fim do maldito domingo.

Walter Biancardine é jornalista e acredita piamente que vai morrer em um domingo nublado, no lusco-fusco da tarde.

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