sábado, 20 de outubro de 2007

Antes sóbrio do que mal-acompanhado

De um sujeito que viveu muito, diz-se: “– este tem histórias pra contar!”.
O que é um atormentado que se mete a escrever senão alguém que julga ter algo de realmente importante para contar, ou mesmo acrescentar, á vasta enciclopédia dos disparates humanos? Recebi, por conta de crônica cometida semana passada, inúmeras cartas de meus 12 leitores – e foram cartas porque, mãos trêmulas, eles já se encontram em uma idade na qual é preferível caneta-tinteiro ao teclado – parabenizando-me pela coragem indecente de expor minhas rugas ao sol do público. Encorajaram-me, disseram que a vida começa aos sei lá quantos anos, etc, etc. E foi assim que, estimulado pela multidão dos 12 (eram 13 mas, cabalísticamente, não era bom. Ponderava eu em como resolver isso, quando um enfarto liquidou o assunto e o meu leitor.), pus-me então á pensar sobre as histórias que vivi, tão ou mais alucinadas que os parágrafos acima, já que a grande maioria delas envolve numeroso cortejo de senhoras e uma litragem cavalar de birita, entre outros artigos. O que de mais interessante acontece nesses fatos vividos é que neles havia uma certa inocência que não consigo ver hoje. Sou de uma geração em que, por parte dos irmãos e amigos mais velhos, ainda herdou muito de Woodstock, Flower Power, todo o sonho de um novo mundo anunciado, morto pelos Youppies que se seguiram. Da parte dos amigos da mesma idade ainda pegamos o governo militar, meu jornalzinho do colégio foi censurado tantas vezes que me tornei amigo do dono da escola – pasmem, um almirante, que era pai do nosso Carlos Eduardo Novaes – tínhamos ideologias, sonhos, e discutíamos muito seriamente sobre isso. E as mulheres? Ah, as mulheres! Era preciso todo um “approach”, saber chegar, ter um papo legal e, principalmente no meu caso, tão legal que fizesse a dama esquecer minha cara, em nada parecida com a do Clint Eastwood conforme mentia caridosamente mamãe. E aí, bebíamos. Era a coragem vendida em litros. E se meu consumo desenfreado de Jack Daniel’s provocou alguns fiascos, sem falsa modéstia também produziu argumentações fantásticas, onde toda a lógica, filosofia, liberação feminina e o direito ao orgasmo desembocavam no banco de trás do Dodge Charger RT do meu pai, uma beleza de carro! Mesmo as amizades eram de uma outra espécie de cimento. Encontrei-me agora com um velho – minto – velhíssimo amigo, eis que o conheço desde meus sete ou oito anos; companheiro de porres memoráveis, dores-de-corno apocalípticas e aventuras sem pé nem cabeça. Pois bem, este mesmo cidadão, hoje um próspero funcionário da TV Globo, seqüestrou minha paquera. É isso mesmo, com todas as letras! O caso foi que estávamos ociosos e tocando violão numa esquina da Vila Nova. Evandro Marinho era magro e Oswaldo Guimarães tinha cabelo; éramos jovens, irresponsáveis, felizes e muito, muito companheiros. Isso até quando uma loirinha estonteante passou por nossa calçada. Desnecessário dizer que abatí-me sobre a incauta com a precisão de um F-16; falei, falei, argumentei, exibi todo o meu charme irresistível de pequeno burguês decadente e marquei um encontro para a noite, onde a pegaria para sair em meu reluzente Passat. Eu já tinha toda a maldade arquitetada, já que a pobrezinha estava sozinha na cidade, esperando a família. Pensei: “Sozinha? Ótimo, tenho um quartinho lá em casa que vai servir de jeito, meus pais são legais, não vão se incomodar, fica fria, baby...” Pois bem; deu 8, 9 horas e nada. Uma musiquinha irritante da época zombava: “já fumei um cigarro e meio e ela ainda não veio”. Como naqueles idos só havia uns 50 telefones em Cabo Frio e o celular pertencia á ficção científica, retirei-me acabrunhado com o bolo – hoje conhecido como “toco”. Os dias se passaram, as férias estavam se acabando e confesso que até esqueci da ingrata. Foi quando, perambulando pelas calçadas uma noite, avistei o carro desse meu amigo. Um belo Opalão, com a última moda da época: vidros fumê impenetráveis. Rodava devagarinho, como que paquerando, e corri para alcançá-lo. Tive de bater no vidro para que eles se abrissem, o que me causou estranheza. Mas a verdadeira estranheza revelou-se lá dentro do carro, espremida entre ele e seus irmãos: a minha loirinha! O safado ouviu tudo e aplicou o mesmo golpe que planejei. Brigamos, saímos no cacete, o pau comeu? Nada. Dia seguinte Oswaldo e Evandro começariam sua primeira noite como, digamos, o que pensávamos ser “profissionais”, cantando e tocando violão em um boteco no centro da cidade. O cachê foi generosamente doado em favor de nossa amizade – litros e litros de um querosene execrável, todos bebidos por ele e eu, novamente amigos inseparáveis – já que Oswaldo nunca foi chegado á aguinha que passarinho põe gelo. Mas, por via das dúvidas, desde então caço sozinho.

TESTE: VOCÊ É VELHO MESMO? Responda as perguntas abaixo e veja se você já pode fazer parte da seleta categoria dos “quarentões”: 

 1- Velosolex era: A) marca de preservativos B) uma marca de relógio C) uma motoneta 

 2- Continental, Preferência Nacional – vinha em quantas versões? A) 14 e 20 polegadas B) 2 ou 4 portas C) com filtro/ sem filtro 

 3- Você já usou “New Wave”? A) não B) que diabos é isso? C) sim, mas era porque minha namorada pedia 

 4- Pra você, morro da Urca é sinônimo de: A) uma favela do Rio B) um novo prato do Tia Maluca C) Noites Cariocas 

 5- No Rock in Rio 1 você estava: A) no berço B) em casa, mamãe não deixou ir C) chapado

  RESPOSTAS: Caso você tenha respondido “C” em todas as alternativas, parabéns! Você sobreviveu a luz negra das boates, embalos de sábado á noite e a lambada! Você é, antes de tudo, um forte! Um forte candidato á um exame de próstata. Lamento, amigo. É a vida. 

 Walter Biancardine é quarentão, acredita que a vida começa aos quarenta – a vida após a morte – e também quer rir da desgraça dos outros.

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