sábado, 20 de outubro de 2007

Esquizofrenia Sentimental

Esquizofrenia sentimental – lado A Mostrem-me um sujeito que nunca gemeu com um pé na bunda, e eu lhes mostrarei um mentiroso. Coisa engraçada, e trágica ao mesmo tempo – a tal da dor de cotovelo. Não direi “dor de corno” senão serei repreendido por escrever palavrões demais e do jeito que estou, furibundo e muito surto da vida, acabarei por alinhar um dicionário escatológico-pornográfico em intenção dessas desalmadas, mais conhecidas como “ex”. Sejam ex-ficantes, ex-namoradas, ex-noivas ou a pior delas, a ex-posa, todas se equivalem em sua maldade infinita e requintado sadismo. Uma das características mais irritantes dessas criaturas peçonhentas é a insistência de todas elas na possibilidade de “ainda sermos amigos”. Que mané amigos o escambau! Se você mulher deseja fulminar um homem, chame-o de amigo! Mas, se é a morte sexual do parceiro que a impiedosa pretende, ela dirá que o acha “tão bonzinho...!”. Um homem “tão bonzinho...!” está abaixo da linha de sobrevivência, é o atestado definitivo de pessoa inofensiva e fora de cogitação. Em suma, rejeitado na seleção natural para o acasalamento, onde só os fortes sobrevivem. Já vi muito marmanjo reputado como macho de boa lei chorar feito cabra no abate, após levar o pé. Outros surtam, têm espasmos, cometem sandices do tipo escolher a maior baranga das vizinhanças e desfilar com ela, só pra humilhar a ex. Pobres desatinados! Tudo isso deve ser um desejo inconsciente de autopunição, pois os que choram colocam-se na condição abjeta de “bonzinhos”, e os que caem na barangagem são vítimas infalíveis dos comentários do desdém feminino: “– até que ponto ele desceu, coitado...” E com isso, as mulheres insensíveis só se fortalecem, já que acreditam ser uma prova cabal de que, como diria Paula Toller do Kid Abelha, “longe do meu domínio, você vai de mal á pior”. Pois é, caro leitor macho: elas são todas assim, não merecem nossas lágrimas. Mas, perguntará com certeza o meu dolorido leitor: por que tamanha revolta se o autor desta – vitimado já por dois casamentos – está solteiro neste exato momento? Por que atira impropérios á esmo nas mulheres? Serei sincero: é que ando meio farto dessas criaturas infames, que consumiram boa parte de minha juventude. Amores desfeitos, não correspondidos, fora os impossíveis! Relacionamentos nos quais não havia compreensão, companheirismo, cumplicidade... Pois é amigo: tanta dedicação pra nada. O fato é que estou mesmo cansado das mulheres. Tudo o que eu queria agora era estar numa ilha deserta, longe da ingratidão, dos ciúmes, dos problemas, tranqüilo...só eu, na santa paz de Deus, com um mulheraço ao meu lado. * * * Esquizofrenia sentimental – lado B Creio que toda mulher seja um castelo, que traz em seu interior um mundo próprio, inteiro, a ser conquistado. Têm seus sonhos, suas cobiças, fragilidades, talvez até mesmo um vocabulário particular. Uma linguagem que, se tudo der certo, acabaremos aprendendo e os amigos mais chegados com certeza irão reparar nosso sotaque. Algumas vezes um vistoso castelo, conquistado às duras penas, esconde em seu interior apenas uma terra arrasada pela aridez de saber-se bela – e tudo o mais seria desimportante. Outras vezes aqueles muros, cuja figura faz parte de nosso trajeto cotidiano e difuso pela pressa e indiferença que a ambição nos impõe, só são notados quando o acaso nos leva a variar o caminho e passar próximo a ele. Se a sorte e a curiosidade nos favorecem, aproveitamos uma porta entreaberta e espiamos. E lá dentro, tão perto e tão longe ao mesmo tempo – já que somos apenas intrusos curiosos – descobrimos um mundo. O nosso mundo. O lugar que sempre pertencemos, mas nada conhecemos. Tudo para se ver, provar, sentir; sabendo de antemão que, se aceitos e convidados á entrar, a porta se fechará por detrás e lá ficaremos prisioneiros, ainda que expulsos um dia. Aconteceu comigo, recentemente. Variei o caminho e lá estava ela, a construção que sempre vi e só então notei. Talvez eu nunca a tenha percebido até mesmo por meu temperamento introspectivo, que seria o oposto daquela casa aparentemente sempre em festa. E eu, muito ajuizado e prudente, achava que a alegria esconderia apenas futilidade e o vazio de habitantes fugazes. Foi preciso que eu chegasse bem perto e visse seus olhos, que dizem ser as janelas da alma. Uma melancolia indefinida, mágoas e tristezas que ela não daria a nenhum sujeitinho o gosto de vê-las, arremessando no lugar do choro o sorriso inconfundível de quem tem uma intensa e bela vida interior. Naquela casa, ou melhor, castelo, a alegria não excluiu o juízo, o recato, o caráter, e me fez pensar no quanto outras pessoas podem ser fortes, nascidas mesmo para brilhar, sem que a gente sequer se dê conta disso. Não sei como você se comportaria diante disso, amigo leitor. Mas a minha reação foi ver-me em um espelho, que não refletiu nada de bom. Vi o quanto sempre sou fraco, feio, até mesmo um caráter duvidoso – não foi uma nem duas vezes que sorri para alguém que detestava – e não me achei digno sequer de pretender tentar passar porta adentro. Ela me intimidou. E tudo isso sem dizer uma só palavra. “Muitas pessoas ficam aliviadas ao perceberem que conseguiram esquecer um amor. Já eu, com a prática que tenho adquirido, fico cada vez mais preocupado”. Walter Biancardine filosofou a máxima acima, e às vezes se envergonha de ser tão bobo que pára de fugir de si mesmo e fala sério.

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