Bukovsky condensou a bebida como vício desta maneira bem simples: "se acontece algo ruim, bebemos para esquecer. Se acontece algo bom, bebemos para celebrar. Mas se nada acontece, bebemos para que algo aconteça" - é a síntese do vício, sempre explicado mas nunca justificado.
A bebida é um prazer o qual, se exagerado, pode prejudicar terceiros com nossos modos, imprudência e o surgimento à tona do verdadeiro monstro interior de cada um de nós - piormente se conduzindo um carro que matará quem nada tem com isso.
O jogo é outro prazer facilmente transformável em vício: a adrenalina, a sensação de vencer o adversário e tudo isso somado ao fato de, com tal vitória, embolsar vários milhares de Reais já levou inúmeros conhecidos à bancarrota, degradação moral própria e ruína familiar. Do mesmo modo que a bebida, o vício na jogatina afeta terceiros ao arrastar famílias inteiras ao lodo da miséria e desesperança.
Daquilo que é popularmente conhecido como "vício" e arduamente combatido por pastores e moralistas, o cigarro talvez seja o único que não traz prejuízo a terceiros, eis que é o ícone da introspecção reflexiva, solitária - e que não apareçam cretinos brandindo os infames "fumantes passivos", ou serei obrigado a postar estatísticas comparativas de câncer de pulmão norte-americanas, das décadas de 1950 e atuais, rigorosamente iguais em percentual.
Ultimamente tem se falado sobre a existência do vício em sexo, propondo tratamentos terapêuticos e toda a velha estrutura médica e midiática em torno do mesmo. Nada mais que um golpe sujo, que atende os desejos de diminuição da população global e, de quebra, engordam consultórios e editoras especializadas. Na verdade, intencionalmente confundiram "vício" com "falta de vergonha na cara", aliviando por demais a situação de tarados e galinhas pelo mundo.
Ao fim e ao cabo percebemos que tudo pode se tornar um "vício" e que, se tudo o que praticamos por prazer é viciável, nada assim poderá ser classificado, portanto.
Perdem-se tais moralistas, pastores, coach's e guias da vida saudável em apontar seus dedos imundos contra tamanho universo de adicções - sim, vícios reais existem - porém esquecem-se dos grandes, infames e jamais citados "vícios da alma": estes jamais são lembrados e, muito menos, combatidos. Afinal, os mesmos são geralmente entendidos como disposições internas, que corrompem o caráter, enfraquecem a virtude, desviam a pessoa do bem e já incidem sobre o histérico acusador.
Na tradição filosófica e teológica, especialmente na moral cristã e aristotélica, esses vícios são frequentemente agrupados em torno dos Sete Pecados Capitais ou das quatro paixões desordenadas mencionadas por São Tomás de Aquino:
Soberba (Orgulho excessivo) – O desejo desordenado de superioridade, levando à arrogância e desprezo pelos outros.
Avareza (Ganância) – O apego desmedido às riquezas e bens materiais.
Luxúria – O desejo desregrado pelos prazeres sensuais, especialmente os carnais, mas que atualmente não se trata com Deus e, sim, com um terapeuta.
Ira (Cólera descontrolada) – A raiva que se transforma em ódio, ressentimento e desejo de vingança.
Gula – O consumo excessivo, seja de comida, bebida ou qualquer outra forma de prazer corporal.
Inveja – A tristeza pelo bem alheio, acompanhada do desejo de vê-lo diminuído.
Preguiça (Acídia) – A negligência espiritual, a falta de vontade para buscar o bem e a verdade.
Platão e Aristóteles falavam também de vícios ligados às faculdades da alma, pois a desordem dos apetites (intemperança) leva à bestialidade. A fraqueza da vontade (incontinência) impede a prática da virtude e a deformação da razão (ignorância culpável) leva ao erro e à injustiça.
No fundo, todos esses vícios são formas de desordem da alma, onde paixões inferiores governam a razão, em vez de serem governadas por ela. Preocupam-se e escandalizam-se, entretanto, se o pobre coitado bebe uma cerveja e acende um cigarro.
E, inevitávelmente caem em, ao menos, um dos "grandes vícios", que é a inveja - a irritação pelo bem alheio.
A moderação me permite meu whisky. A necessidade de reflexão concede meu cigarro ou meu cachimbo. E toda e qualquer tendência que poderia ter ao jogo, gastei-a na aviação e na competitividade inerente aos voos de teste - eu era bom e pronto, engulam.
Certamente, após tal análise, qualquer um se dará conta de que o pior e mais grave dos vícios é não ter uma vida própria, com algum conteúdo e, por isso, acabar por gastar seus dias cuidando das vidas alheias.
Um whisky ou um cigarro os repugnam?
Ótimo: afastem-se. Não farão falta.
Walter Biancardine
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