Penso ser um bom momento para realizar um exame crítico das premissas existenciais e epistemológicas presentes na argumentação do incensado filósofo existencialista, Jean Paul Sartre.
Comecemos citando Olavo de Carvalho, um ferrenho opositor do existencialismo ateu e do relativismo moderno, que teria identificado no pensamento sartreano uma série de pressupostos problemáticos, especialmente no que concerne à ideia de identidade, liberdade e conhecimento do eu.
O problema da alteridade e da identidade -
Gostaria de colocar como ponto central desta análise a tese sartreana de que "o inferno são os outros", uma afirmação que provavelmente seria um sintoma da crise da modernidade, na qual o sujeito perde sua referência metafísica e se vê prisioneiro de um jogo de reflexos sociais. Ao afirmar que a identidade é moldada pelo olhar do outro e que a subjetividade é fragmentária, Sartre ecoa a concepção de um eu vulnerável e fluido, o que entra em choque com minha visão – e também de Olavo – de que o ser humano possui uma identidade ontologicamente estruturada, vinculada à ordem transcendental.
Ainda segundo Olavo, a crise da identidade moderna não se deve à "radical contingência do ser", mas sim ao colapso da metafísica tradicional e à negação da alma como um princípio substancial. O pensamento cartesiano, deformado por Sartre, não se sustenta porque reduz a identidade a um mero processo dialético com a alteridade, ignorando a dimensão espiritual e teleológica do ser humano.
A negação da transcendência -
O existencialismo sartreano, ao negar qualquer fundamento transcendente, condena o sujeito a uma liberdade angustiante e sem direcionamento. Quando sugere que a liberdade do outro deve ser aceita com igual gravidade, há um eco do relativismo moral que Olavo criticava incessantemente. Para ele, a liberdade não pode ser pensada sem referência a uma ordem objetiva, pois, sem essa referência, o conceito de liberdade se dissolve em um vácuo niilista – e somente tal conceito já merece um ensaio aprofundado, o que farei posteriormente.
Ao aceitar a hipótese de que nunca poderemos possuir integralmente a narrativa sobre quem somos, alguns comentadores e admiradores dos pensamentos de Sartre reforçam essa visão de um eu fragmentário, rejeitando qualquer noção de essência fixa. Esse ponto seria rebatido por Olavo com sua crítica à "mentalidade revolucionária", que vê a identidade como um campo de pura construção arbitrária, desconectado de raízes transcendentes e de uma verdade objetiva.
O individualismo e a ilusão da auto-criação -
Alguns outros analistas sugerem que a existência é um jogo de reflexos e que devemos aprender a "dançar" com a alteridade, sem buscar um eu absoluto. Podemos considerar a ideia de auto-criação, sem uma referência ontológica fixa, como um dos maiores enganos da filosofia moderna. A negação da substância do ser humano leva à alienação e à manipulação ideológica, pois um indivíduo sem uma identidade sólida é facilmente moldado por forças externas, sejam elas políticas, culturais ou psicológicas - e temos, hoje, vastos exemplos de tal consequência.
Para Olavo de Carvalho – meu referencial nesta análise – a verdadeira liberdade não consiste em "dançar com a alteridade", mas em conhecer a realidade tal como ela é, através de uma consciência que transcende a mera dialética do olhar social. A busca pela verdade, e não pela mera adaptação aos reflexos dos outros, é o que diferencia um homem enraizado em princípios sólidos de um homem perdido na fluidez existencialista.
Conclusão -
A destruição do conceito de identidade é um dos maiores problemas do pensamento moderno. Sartre, ao rejeitar a ordem metafísica, condena o sujeito a um inferno de fragmentação e relativismo, sem oferecer uma saída real para o dilema existencial. O que podemos propor em contraposição é o resgate da metafísica clássica e da centralidade da alma humana como um princípio essencial, algo que daria ao homem um eixo firme para compreender a si mesmo e ao mundo.
Em suma, o inferno somos nós mesmos…
Walter Biancardine
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