domingo, 9 de fevereiro de 2025

NASCER BOM OU ESCOLHER A BONDADE?

 


A bondade é sempre algo desejável por todos, um predicado unanimemente elogiado mas que, muitas vezes, é usado como o paroxismo da falsa modéstia: “tal coisa aconteceu comigo porque sou muito bom, muito inocente e não vi maldade…

Colocando-se à parte todo o cinismo e hipocrisia contidos em tais lamentos, o ponto central resume-se ao mérito. Haverá algum mérito em nascer bom – ser uma pessoa de boa índole, que jamais conseguiria fazer algo mal – ou optar por ser bom, mesmo tendo escolhas outras, aparentemente mais vantajosas?

Com base nestes pensamentos, ofereço pequeno ensaio filosófico sobre o tema:

Sou bom ou estou bom?

A bondade, enquanto predicado humano, não pode ser reduzida e avaliada somente como mera disposição natural ou a uma qualidade inata. Tal redução causará a dissolução do mérito moral, transformando a bondade em um fenômeno automático, sem qualquer esforço volitivo. 

Já dialogando com outras tradições filosóficas, suponho que a bondade só adquire algum e verdadeiro valor moral quando é fruto da escolha consciente, realizada sob circunstâncias onde há alternativas reais e, muitas vezes, mais vantajosas no plano imediato (“Yo soy yo, y mis circunstáncias” – Ortega y Gasset).

A Bondade Inata e o Determinismo Moral -

Platão, em "A República", diferencia aqueles que praticam a justiça por hábito e aqueles que o fazem por decisão racional e consciente. Se a bondade é uma qualidade fixa do caráter, como a cor dos olhos, não há mérito em ser bom, pois não haveria escolha. A bondade inata não é um ato moral, mas uma característica. 

Kant, ao definir o conceito de imperativo categórico, reforça a necessidade da escolha moral consciente: uma ação só tem valor ético quando é realizada por dever e não por mera inclinação natural – e eu acrescentaria “por dever e escolha”. Dessa forma, ser "naturalmente bom" equivale a ser moralmente neutro, pois o verdadeiro valor moral advém do livre-arbítrio.

O Mérito da Escolha Moral -

Aristóteles, em "Ética a Nicômaco", enfatiza que a virtude está no hábito, mas sobretudo na escolha deliberada, tal como afirmei acima. Ele distingue entre atos praticados por mera conformidade e aqueles que nascem de alguma decisão consciente do indivíduo. 

Meu professor Olavo de Carvalho, ao refletir sobre a moralidade na tradição ocidental, argumenta que a virtude só tem real valor quando há “resistência ao erro e superação de tendências negativas”. A bondade que decorre da necessidade, ou da ausência de alternativas, não pode ser considerada virtuosa, pois não exige esforço, consciência ou renúncia.

A escolha moral verdadeira implica discernimento e sacrifício -

O furioso Nietzsche, ao criticar a moral cristã em "Genealogia da Moral", aponta que muitos adotam uma bondade passiva, fruto da fraqueza, e não de uma escolha genuína. Já Santo Tomás de Aquino, ao integrar o pensamento aristotélico à teologia cristã em sua Suma Teológica, sustenta que o mérito da virtude está na livre adesão ao bem, não na simples incapacidade de fazer o mal.

O Livre-Arbítrio como Fundamento da Virtude -

A verdadeira bondade não pode ser confundida com a passividade ou com a ausência de malícia natural. O mérito está na capacidade de escolha, pois apenas diante da possibilidade real do erro é que a decisão pelo bem se torna virtuosa. A consciência, conforme apontado por Santo Agostinho, é o elemento central do ato moral: aquele que, podendo pecar, escolhe o bem, age por mérito próprio e salva sua alma.

Impossível evitar de citar novamente meu professor, Olavo de Carvalho, destacando que a modernidade corrompeu a noção de virtude ao substituí-la por sentimentalismo ou automatismo psicológico. O verdadeiro exercício da bondade exige consciência crítica, esforço e, muitas vezes, um alto preço a pagar. A bondade, quando escolhida deliberadamente contra as facilidades do mundo, torna-se um ato heroico, digno de reconhecimento e mérito.

Conclusão -

A bondade inata pode ser admirável, mas não é meritória. A verdadeira virtude reside na decisão consciente pelo bem, especialmente quando há alternativas mais cômodas ou vantajosas. Esse conceito, sustentado por Aristóteles, Tomás de Aquino e aprofundado pelo professor Olavo de Carvalho, reforça a necessidade do livre-arbítrio na constituição da moralidade.

A bondade não é um destino, mas uma conquista.



Walter Biancardine



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