A bondade é sempre algo desejável por todos, um predicado unanimemente elogiado mas que, muitas vezes, é usado como o paroxismo da falsa modéstia: “tal coisa aconteceu comigo porque sou muito bom, muito inocente e não vi maldade…”
Colocando-se à parte todo o cinismo e hipocrisia contidos em tais lamentos, o ponto central resume-se ao mérito. Haverá algum mérito em nascer bom – ser uma pessoa de boa índole, que jamais conseguiria fazer algo mal – ou optar por ser bom, mesmo tendo escolhas outras, aparentemente mais vantajosas?
Com base nestes pensamentos, ofereço pequeno ensaio filosófico sobre o tema:
Sou bom ou estou bom?
A bondade, enquanto predicado humano, não pode ser reduzida e avaliada somente como mera disposição natural ou a uma qualidade inata. Tal redução causará a dissolução do mérito moral, transformando a bondade em um fenômeno automático, sem qualquer esforço volitivo.
Já dialogando com outras tradições
filosóficas, suponho que a bondade só adquire algum e verdadeiro
valor moral quando é fruto da escolha consciente, realizada sob
circunstâncias onde há alternativas reais e, muitas vezes, mais
vantajosas no plano imediato (“Yo soy yo, y mis circunstáncias”
– Ortega y Gasset).
A Bondade Inata e o Determinismo
Moral -
Platão, em "A República",
diferencia aqueles que praticam a justiça por hábito e aqueles que
o fazem por decisão racional e consciente. Se a bondade é uma
qualidade fixa do caráter, como a cor dos olhos, não há mérito em
ser bom, pois não haveria escolha. A bondade inata não é um ato
moral, mas uma característica.
Kant, ao definir o conceito de
imperativo categórico, reforça a necessidade da escolha
moral consciente: uma ação só tem valor ético quando é realizada
por dever e não por mera inclinação natural – e eu acrescentaria
“por dever e escolha”. Dessa forma, ser "naturalmente bom"
equivale a ser moralmente neutro, pois o verdadeiro valor moral advém
do livre-arbítrio.
O Mérito da Escolha Moral
-
Aristóteles, em "Ética a Nicômaco",
enfatiza que a virtude está no hábito, mas sobretudo na escolha
deliberada, tal como afirmei acima. Ele distingue entre atos
praticados por mera conformidade e aqueles que nascem de alguma
decisão consciente do indivíduo.
Meu professor Olavo de Carvalho,
ao refletir sobre a moralidade na tradição ocidental, argumenta que
a virtude só tem real valor quando há “resistência ao erro e
superação de tendências negativas”. A bondade que decorre da
necessidade, ou da ausência de alternativas, não pode ser
considerada virtuosa, pois não exige esforço, consciência ou
renúncia.
A escolha moral verdadeira implica
discernimento e sacrifício -
O furioso Nietzsche, ao criticar a moral
cristã em "Genealogia da Moral", aponta que muitos adotam
uma bondade passiva, fruto da fraqueza, e não de uma escolha
genuína. Já Santo Tomás de Aquino, ao integrar o pensamento
aristotélico à teologia cristã em sua Suma Teológica, sustenta
que o mérito da virtude está na livre adesão ao bem, não na
simples incapacidade de fazer o mal.
O Livre-Arbítrio
como Fundamento da Virtude -
A verdadeira bondade não
pode ser confundida com a passividade ou com a ausência de malícia
natural. O mérito está na capacidade de escolha, pois apenas diante
da possibilidade real do erro é que a decisão pelo bem se torna
virtuosa. A consciência, conforme apontado por Santo Agostinho, é o
elemento central do ato moral: aquele que, podendo pecar, escolhe o
bem, age por mérito próprio e salva sua alma.
Impossível
evitar de citar novamente meu professor, Olavo de Carvalho,
destacando que a modernidade corrompeu a noção de virtude ao
substituí-la por sentimentalismo ou automatismo psicológico. O
verdadeiro exercício da bondade exige consciência crítica, esforço
e, muitas vezes, um alto preço a pagar. A bondade, quando escolhida
deliberadamente contra as facilidades do mundo, torna-se um ato
heroico, digno de reconhecimento e mérito.
Conclusão
-
A bondade inata pode ser admirável, mas não é
meritória. A verdadeira virtude reside na decisão consciente pelo
bem, especialmente quando há alternativas mais cômodas ou
vantajosas. Esse conceito, sustentado por Aristóteles, Tomás de
Aquino e aprofundado pelo professor Olavo de Carvalho, reforça a
necessidade do livre-arbítrio na constituição da moralidade.
A bondade não é um destino, mas uma conquista.
Walter Biancardine
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