Em um romance de Luigi Pirandello, 'O Falecido Matias Pascal', o personagem-título cansa-se de sua vida, abandona tudo e desaparece. Tempos depois, porém, a saudade o vence e Matias retorna à sua cidade para descobrir, chocado, que era considerado morto – inclusive com o reconhecimento de sua antiga mulher. E não havia retorno, ele era agora considerado oficialmente 'falecido' e não teria como reverter a situação.
Assim, o personagem descobre que os documentos que o declaravam morto continham uma realidade superior à de sua própria presença e existência. Ele era um 'nada', pois o mundo enxergava apenas papéis e carimbos.
(...) Esta é a nossa triste realidade cotidiana, a 'jurisfação' percebida por Miguel Reale. Se a identidade oficial prevalece sobre os dados da experiência direta (eu, aqui), somos apenas quem a sociedade – o Estado – diz que somos, através de um documento. Assim, hoje não se concebe que um ser humano seja algo de 'per se', por si mesmo, sem o devido reconhecimento estatal".
Todo o acima exposto é parte de um artigo que publiquei na revista europeia ContraCultura¹, no qual discorria sobre assunto diverso mas que, bem o entendi, cabe aqui por completo e embasa, de maneira justa, o oportunismo comercial de instituições que miram direto no ponto: pouco importa o que você sabe ou o teor e qualidade de sua formação, pois tudo o que nos interessa nos dias atuais é o diploma - e assim, descaradamente, expóem tal perversão das convenções humanas em seus anúncios.
Um mero papel pintado, expedido por uma entidade composta de mestres semi-analfabetos e sem nenhum preparo, é o passaporte necessário ao sonhado "nível superior", que garantirá salários gordos em eventual aprovação nos concursos públicos - outra perversão social tipicamente brasileira.
Assim, pouco se dá ao candidato que ele tenha aprendido algo, bem como aos seus mestres não lhes dói a consciência pela fraude - afinal, é um enganador enganando outro trapaceiro, e ambos pensam atenuar sua moral pela diluição da culpa, pois a farsa é recíproca, implícita e tacitamente aceita.
E tal estelionato a olho nú ainda faz com que seu protagonista orgulhe-se de seus méritos intelectuais.
Este é o Brasil de hoje, esta é a academia brasileira, o intelecto tupiniquim dos dias atuais: eu finjo que te engano e você finge que acredita.
O Brasil é uma farsa.
Walter Biancardine
1- Link para a matéria original no ContraCultura:
https://contra-cultura.com/2024/12/17/intervencionismo-de-estado-aborto-e-psique/
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