A LAJE PRÉ MOLDADA DO EGO -
“O brasileiro é sueco com a mulher do próximo e mineiro com a própria” diz um antigo ditado, que hoje não é mais citado pelo temor que sejamos processados por xenofobia, mineirofobia ou até mesmo suecofobia.
Disparidades assim – perfeitamente normais em um percentual bastante grande da população de qualquer país do mundo – são muito bem conhecidas entre nós, nascidos e criados em território verde e amarelo. Entretanto, nem todos os patrícios se deram conta do agravamento, notório e limítrofe do padrão esquizofrênico desta conduta nos últimos 35 ou 40 anos.
Algo de profundo e forte se modificou na psique de brasileiros e mais alguns numerosos povos mas, espantosamente, não é objeto de análise ou estudo por parte de sociólogos, antropólogos ou mesmo cientistas políticos – honrosa exceção feita ao nosso filósofo e professor Olavo de Carvalho, que Deus o tenha, único a discorrer com regularidade sobre o problema e cuja atividade – ainda que focada quase unicamente em brasileiros – me conforta, por excluir de meu senso de ridículo a impressão de que somente eu estaria vendo coisas em um país imaginário.
Ora, todos temos amigos que batem no peito estufado dizendo-se “direitistas” mas, ao mesmo tempo e sem ver nisso nenhuma contradição, apoiam a vacinação obrigatória contra a COVID 19, resmungando que “deveria ter uma lei que obrigasse essa gente a se vacinar”.
Esse mesmo povo, que gasta suas noites e finais de semana assistindo canais conservadores no YouTube, sacode o derrière às primeiras batidas de um “pancadão” e se diverte com as letras obscenas da, digamos assim, canção. É natural, eles acham, votar em Jair Bolsonaro mas nada enxergar de errado na contradição entre esta auto definição e a existência, por exemplo, de Conselhos Tutelares ou a reivindicação de grupos gay pela legalização de seu casamento, se não no religioso, ao menos no civil. Alegam, tais direitistas, questões de divisão de bens, heranças e outras justificativas que promovam seu caráter bom e imparcial.
Pergunto se já ocorreu a essa gente ser o casamento uma instituição destinada a constituir famílias, oriundas da procriação entre homens e mulheres? Não conseguiriam jamais separar a discussão material de bens, heranças ou pensões, do propósito fundamental de um dos pilares de nossa sociedade judaico-cristã? Ou, para eles, isso é apenas um moralismo retrógrado?
E quanto ao outro exemplo citado, os Conselhos Tutelares? A osmose de conceitos esquerdizantes terá sido tão profunda que encaram como natural o Estado impor seu braço forte sobre o pátrio poder? Com que naturalidade enxergam um poder estatal arrogar saber mais que nós, pais e mães, o que é melhor para nossos filhos? Ou simplesmente afastam esses pensamentos, lembrando-se das monstruosidades ou crimes praticados por uma minoria contra seus próprios rebentos? Tomam as exceções como regra?
Um outro ponto digno de nota: a posse e uso de armas de fogo. Dentro desta mesma mentalidade – crítica feroz da violência nas cidades grandes e até mesmo arguta observadora do Estado paralelo do crime nas periferias – cabe a indignação contra a perda do direito ás ruas, sofrida pelo cidadão comum, e a aprovação do desarmamento total da população. Creem piamente que somos todos uns celerados, desprovidos de equilíbrio emocional, e que fuzilaremos o primeiro barbeiro que raspar o para-lamas de nosso carro. Alegam ainda que o revólver .38, que o tiozão tem guardado na gaveta da mesinha de cabeceira, será invariavelmente roubado e se transformará em acervo do arsenal bélico da bandidagem urbana, ao lado de fuzis de guerra AR-15.
Em suma, para tal mentalidade o casamento não é um sacramento com o propósito de perpetuação da espécie e da sociedade através do amor entre um casal mas, sim, um direito contratual oferecido pelo Estado, o mesmo Estado que sabe o que é melhor para nossos filhos e nos conhece tão bem a ponto de proibir a posse de armas de fogo – afinal somos todos uns imaturos mentais.
Em que momento os citados direitistas aceitaram calados a perda da condição de adultos e abraçaram, gostosamente, a eterna adolescência imposta pelas instituições? Que espécie de cegueira os impede de ver a evidente contradição entre seu alegado conservadorismo e o culto socialista do Estado grande, poderoso e forte?
Seria fácil apontar inúmeros aspectos desse nonsense ambulante que é o brasileiro do século XXI, não esquecendo que semelhantes idiossincrasias são visivelmente manifestadas por povos de diversos países, notadamente os que sofreram maior influência da cultura de massas norte-americana durante os últimos 80 ou 90 anos.
Para compreendermos este fenômeno – por que pensamos como esquerdistas se somos de direita – é preciso retroceder na linha do tempo e traçar um cronograma de acontecimentos capitais na moldagem deste tipo de personalidade, sempre levando em conta a conjuntura do momento social, econômico, político e cultural nas quais tais fatos se deram. Tal é o enredo desta obra e é sobre isso que trataremos a partir de agora.