quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Queria ser Peter Fonda e filho do John Wayne com Grace Kelly. Mas sou só o primo pobre do Austin Powers

Em minha infância e adolescência, sempre tive toda a liberdade do mundo: a liberdade dos que são, simplesmente, ignorados.
Uma criança é como um avião decolando - não se deve abortar o procedimento, sob pena de um desastre catastrófico. E o que acontece quando sua própria casa, seu porto seguro, se encarrega de conscientizá-lo, diuturnamente, de que você já perdeu, está fora do páreo por besta que é? O que acontece após 16, 17 anos dessa lavagem cerebral ininterrupta?
Culpar os pais, amaldiçoar o passado, dizer-se sobrevivente é a saída de uns. Nem mais fácil, nem mais difícil - apenas menos amorosa com os progenitores. Já a saída de outros é florear os raros bons momentos, pela falta absoluta de bases afetivas. É o momento em que o filho salva a pele dos pais.
É, sob esta ótica, preferível insinuar uma felicidade passada - evidentemente ilusória - do que cair na real que somos frutos de um nada absoluto.
Cinco almas, cinco fantasmas. Três vieram esperados, ou ao menos encarados com naturalidade.
Um, acidente. O outro, vingança.
Mas nenhum se salvou.
Amaldiçoar o passado, libertar-se dele? E o que restará em mim?
Se viemos do caos, é natural que construamos um personagem com histórias, tradições, manias. Se deixamos isso pra trás - por inconveniência óbvia e gritante - não correremos o risco de, aí sim, nos transformarmos em zumbís? Sem recheio, sem referências, sem histórias contadas sob óticas doentes mas ainda assim, histórias?
Não sei as respostas, mas meu senso prático e minha noção do ridículo me manda falar sobre minha história apenas como um passado saudoso, já que ressuscitar todas as mágoas beirando meio século de vida é um contra-senso.
Adolescente revoltado já é um saco. Imaginem um velho transviado!
Igualmente, esquecer minhas ilusões, minhas histórias da carochinha, libertar-me e deixar que as traças me purifiquem. Ok, faz sentido, mas e agora?
E agora nada, pois poucas páginas do triste catálogo das teratologias familiares foram escritas com tintas tão negras quanto esta.
E só quem viveu - ou sobreviveu - sabe.

Minhas dores não são piores ou mais fortes que as de ninguém. São apenas minhas - e únicas.

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