Certos dias a vida, a convivência com outros seres humanos e minha própria existência principalmente, assemelha-se à grande estelionato: muito me cobra, nada me oferece em troca.
Pessoas cobram. Tudo cobram: posturas, opiniões, ser alegre, atitudes, pontos de vista, ser otimista, afetos, desafetos, ser "pra cima!" - tudo é uma festa! A festa da alegria obrigatória.
Negada nos é a paz de estar à sós consigo mesmo, de curar a alma em recato, a não ser pelo sumiço e reclusão - sempre classificada pelos cobradores e comentaristas do alheio como "fuga".
Quase meio século de vida, e ainda não descobri uma razão para minha existência - uma missão, que fosse.
Nada, tudo aleatório, menos a boa sorte, que nunca vem.
Existir é uma sentença, e acordar é a punição que se renova a cada manhã.
E quem tenta nos animar só nos ofende e oprime, com a superioridade de seu otimismo hiperativo.
Melhor é destino de aborto: sem deixar grãos de amores eternos.
E sem deixar montanhas de reclamações cujo único perdão é oferecer-se escravo.
Não me critiquem, não me julguem, não tentem me animar.
Ninguém obriga uma coruja a apreciar o belo sol.
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