A esquerda tem uma tradição histórica na exploração
sensacionalista de seus cadáveres, ainda que produzidos por ela
própria. Costumeiramente empregando táticas intimidatórias na
tentativa de impor suas ideias – guerrilha, atentados, sequestros –
o embate entre as partes inevitavelmente produzirá vítimas, e as
mesmas sempre serão expostas na vitrine vitimista do marketing
vermelho.
Ouvimos por décadas, aqui no Brasil, as lamentações pelo
estudante Edson Luís, vitimado no conflito do restaurante “Calabouço
(“podia ser seu filho”) e, revanchismo oportunizado pela abertura
política, a infame “Comissão da Verdade”.
Livros foram escritos sobre suas “lutas inglórias”, nos quais
o esquerdismo sempre era mostrado como um punhado de garotos
inocentes, estudantes abnegados e armados apenas com pífio revólver
.32 “roubado do avô”, querendo somente um mundo melhor e lutando
contra as poderosas Forças Armadas brasileiras. E havia a tortura,
que denunciavam – sim, o êxtase coitadista que não diferenciou o
verdadeiro suplício de um “pau de arara” de um mero e duro
tratamento policial: todos foram “torturados” e, portanto, deviam
ser indenizados.
O fato é que a esquerda pretendeu tomar o poder via força bruta,
com atentados, sequestros, bombas, assaltos a banco e guerrilhas,
portanto as consequências se fizeram sentir.
E a direita?
Em primeiro lugar, a direita jamais tentou “tomar o poder”.
Jamais constituiu-se de “células”, “comandos” – alguém
lembra do “Grupo dos 11", de Leonel Brizola? - e confundir meras
manifestações, sempre pacíficas se não infiltradas de
esquerdistas, com “tentativas violentas de abolição do estado de
direito” é esticar demais a corda. Igualmente, mesmo antes da
assunção de Jair Bolsonaro à Presidência da República, a
poderosa trincheira defensiva da esquerda já estava montada em todo
o estamento burocrático – resultado de décadas de aparelhamento
estatal – e o STF constituía sua linha de frente pois, como disse
Rui Barbosa, “quando a ditadura é do Poder Judiciário, não há
como lutar contra”.
E já nos idos de 2016 ou 2017 iniciava-se a intimidação, com
pesada censura imposta às redes sociais, divulgação de calúnias
objetivando a destruição de reputações e os infames “inquéritos”
do STF – sempre iniciados mas nunca encerrados, pois que o medo é
arma poderosa.
A índole sanguinária esquerdista não havia ainda, entretanto,
sido satisfeita pois não haviam excusas para prender quem fosse, mas
o golpe vermelho do 8 de janeiro – copiado à imagem e semelhança
da farsa montada contra Donald Trump, no Capitólio – forneceu as
razões, ainda que evidentemente inexistentes, para saciar tal fome
da desgraça alheia.
Em nenhuma verdadeira democracia no mundo duas mil pessoas (número
arredondado) foram presas de uma só vez, em manifestações. À
parte a abominável perfídia empregada pelo Alto Comando do Exército
nestas prisões (os detidos não foram informados de sua prisão mas,
sim, que estavam sendo levados para local seguro), o fato é que as
mesmas se deram em caráter indiscriminado, pouco importando se o
detido era uma senhora portando apenas uma Bíblia ou pais e mães
acompanhados de seus pequenos filhos. E, com o eterno apoio e
cumplicidade da grande mídia, estava liberada a temporada de prisões
injustificadas e orientadas apenas pela vontade soberana de Alexandre
de Moraes, o Czar togado do soviete brasileiro.
A obsessão alexandrina em prender Jair Bolsonaro certamente faz
de sua vida um inferno: seja sentado no vaso sanitário pela manhã
ou viajando para uma de suas infindáveis “palestras” no
exterior, a figura bolsonariana o persegue e domina seus pensamentos,
tal qual paixão irrealizável por beldade distante. O derivativo é
inevitável e, desesperado, encarcera todos aqueles que – segundo
sua lógica abstrusa – podem fornecer alguma “evidência” de
algum (qualquer um) ato supostamente “criminoso” do
ex-Presidente. E como pode tal Ministro “encarcerar qualquer um”
sem nenhum fundamento legal?
A lei? Ora, a lei… Dane-se a lei, a lei sou eu! - brada
Alexandre, secundado e endossado por dez pares de mãos togadas, em
aplauso regozijante pelo maravilhoso poder, auto-concedido a si
próprios.
E tal redemoinho absolutista sugou Filipe G. Martins, acusado do
tenebroso crime de ter sido assessor de Bolsonaro em seu governo.
A jovem mãe de duas crianças, presa perfidamente nas
manifestações, bem como Filipe Martins, compartilham o inglório
fardo de estarem presos segundo o único e invencível critério de
assim ser o desejo de um Ministro do STF. A primeira é mantida no
cárcere com o único propósito de intimidar o povo, amedrontando-o
e fazendo com que desistam de novas demonstrações públicas de
repulsa à tal ditadura. Já o desafortunado Filipe sofre o funesto
cotidiano de resistir à solidão, à falta de lógica em tais ações,
à desesperança, ao silêncio, a ter como única companhia as
paredes e grades, dia após dia, um longo e angustiante dia após
outro. E isso é – como o próprio sr. Gilmar, o Mendes, já
outrora definira – tortura.
Pouco importa que tais arbítrios já tenham produzido mortos –
Clezão é um deles, mas “esquecemo-nos” deste pobre homem –
pois a sanha continuará até que Filipe, ensandecido pela solidão e
desamparo, “confesse” qualquer coisa, pouco importando o que
seja, desde que possa justificar a prisão de Bolsonaro.
Sim, a solidão compulsória é uma tortura e posso falar com
conhecimento de causa, ainda que em posição infinitamente mais
confortável que a do jovem Filipe.
Amarguras pessoais à parte, meu filho encontra-se bem e desfruta
do amor e companhia de sua mãe – nada material falta ao mesmo, bem
como não possui um pai que seja objeto de manchetes caluniosas e
sensacionalistas nos principais jornais do país. Não sei se o jovem
Filipe tem filhos mas, se os tem, em que condições estarão?
Meu degredo neste deserto foi fruto, entre outras coisas, de ser
um personagem ativo em todo o processo que me exilou da vida em
sociedade. E Filipe Martins, o que fez? Nada, apenas serviu em um
governo que hoje é objeto de perseguição inquisitorial e
descabida, este foi todo seu delito.
A mulher que eu amava segue bem, é uma profissional respeitada e
bem sucedida em sua área de atuação; não sofre privações e,
muito menos, embaraços por conta de seu (ex) marido. Mas e a jovem
esposa de Filipe? Como se sustenta? Como enfrenta colegas de trabalho
ou mesmo os pais de seus filhos, se já os tem?
Para minha família, sou apenas uma vaga e incômoda lembrança, à
exceção de um irmão. E a família de Filipe? Por sua juventude,
provavelmente ainda conta com seus amados pais vivos – e
angustiados por sua situação. Como olham para o mundo, como
enfrentam o cotidiano de trabalho, estudos, atividades sociais e toda
essa mixórdia a qual chamamos “vida”? Com qual embaraço um pai
ou mãe podem dizer “meu filho está preso”?
Por outro lado, se Filipe Martins tem sua alimentação fornecida
pelo Estado em seu cárcere, minha maior preocupação é saber o quê
comerei amanhã, dada minha situação. Mas ele sofre uma vergonha
que não sofro, definha pelos amados que agonizam por ele enquanto
eu, pela falta dos mesmos, despreocupo-me.
Tento enganar minha solidão e meu desejo de conversar vagando
pelos pastos desertos de onde vivo, falando sozinho, rindo ou
chorando de mim mesmo – e descarrego tudo isso escrevendo,
estudando meus livros e buscando, como último lenitivo, distrações
no YouTube ou demais redes sociais. Filipe Martins, não.
Nada dispõe o rapaz além de parcos metros quadrados de uma cela,
sem caminhadas para espairecer, sem o gado distante para sorrir, sem
a bela paisagem para admirar e – muito menos – sem poder
escrever, estudar, saber das últimas nas redes sociais ou
distrair-se com vídeos ou artigos. Nada além de paredes, escuridão
e desesperança.
Para piorar, a solidão é amiga das horas e prima-irmã do tempo,
fazendo nossos relógios caminharem lentos – já dizia Alceu
Valença. E é sob esta ótica que atrevo-me a proclamar meu
conhecimento sobre o sofrimento do pobre Filipe, pois a sensação de
ser a única alma vivente em um universo de nada, cercado por coisa
nenhuma e sem a menor esperança ou perspectiva que algo aconteça, é
um processo enlouquecedor e que se fortalece com o – lento –
passar dos dias, meses, quiçá anos.
Com toda a experiência de vida que tenho, somente eu sei o quanto
me custa manter um perfeito (vá lá) equilíbrio emocional, a razão
sã e uma psique intacta, diante de tanto nada, solidão e
desesperança. Mesmo assim, tenho consciência que, se um dia voltar
a desfrutar de uma vida normal as cicatrizes estarão presentes, pois
não há ser humano que atravesse tal provação sem que profundas e
dolorosas marcas tatuem seu corpo, sua alma e seus sentimentos. E
Filipe Martins?
Não tenho respostas para esta última questão, bem como não as
possuo relativas à inércia de um Congresso que nada faz para impor
um ponto final em tanta barbárie, mortes, tortura e prisões
arbitrárias, lançadas contra o povo por esta ditadura de toga.
Todos sabem que Lula voltou à Presidência para se vingar – e
está se vingando. Todos sabem que a juristocracia vigente objetiva
eliminar – entendam o eufemismo – metade do povo brasileiro, todo
e qualquer um que destoe da nota lacradora e caótica, dominante em
nosso atual processo de substituição de uma nação soberana por
mera colônia chinesa e russa.
Todos nós sabemos disso, o Congresso sabe, o povo sabe, os
políticos sabem mas Filipe Martins – bem como inúmeros cidadãos
inocentes – continuam presos, na fila de espera para se tornarem
cadáveres como o pobre Clezão, ou loucos disfuncionais que em nada
ameacem o sistema.
Todos nós sabemos de tudo, mas o que fazemos é nada.
Que o bom Deus, Todo Poderoso, ampare Filipe Martins e sua
família.
Walter Biancardine