domingo, 30 de junho de 2024

FALE SOZINHO EM VOZ ALTA -


O conhecido Siegmund Freud dedicava-se a analisar uma paciente que havia adquirido fobia ao ato de beber água.

Em uma das sessões, sua paciente resolveu narrar tudo o que acontecera e citou que, estando a cozinhar, viu casualmente seu cachorro bebendo água em uma vasilha e, como todo cão, babando e pingando ao redor. Aquilo, segundo ela, havia causado profundo nojo nela. Ato contínuo, pegou um copo de água em cima da mesa e bebeu. Estava curada.

Freud morreu alegando que havia descoberto as virtudes terapêuticas da fala, da discussão consigo mesmo, de dizer em voz alta aquilo que jamais diríamos a ninguém.

O fato é que Siegmund nada descobriu: por diversas vezes relatei o surpreendente poder da solidão, chegando ao ponto de entender o deserto - tão citado na Bíblia - como um verdadeiro personagem das Escrituras. E esta solidão, a possibilidade de confessar - em voz alta - tudo aquilo que jamais diríamos, é um fato espantosamente desconhecido, até mesmo por muitos clérigos e outros que se dizem "espiritualistas".

Meditar não é falar. O que pensamos, normalmente não dizemos, e o silêncio em nada nos eleva.

A peregrinação solitária e compulsória, a vivência desta solidão acompanhada de suas vicissitudes, carências e sofrimentos podem e devem ser canalizadas como impulsionadores desta nossa tão necessária confissão em voz alta.

Só através dela perdi o nojo da vida, o nojo de mim mesmo, o nojo da água.

Freud apenas apropriou-se da sabedoria bíblica.


Walter Biancardine



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