Já acusava o professor Olavo de Carvalho haver se tornado corrente,
em nossa comunicação cotidiana, a desvalorização completa – ou,
ao menos, a ressignificação mais conveniente – das palavras de
nosso idioma.
Assim podemos contemplar, com espanto, as mesmas
pessoas que saíam às ruas de peito estufado por súbito patriotismo
e cantavam a referida estrofe a plenos pulmões encolherem-se, agora,
em suas respectivas casas, sob alegações diversas: desapontamento,
decepção, frustração e até mesmo “desgaste emocional”.
Alguns, mais sinceros, não escondem: ficarão em casa neste dia da
pátria por medo mesmo.
Reconheço, cabisbaixo, a vitória da esquerda sobre nós: após
incansáveis postagens nas redes sociais, discursos em botequins,
papos no trabalho e até aquela conversa fiada com o barbeiro ou o
motorista do táxi, referindo-nos ao brasileiro médio como “um
povo omisso, que só quer saber de novela e futebol” e, em momentos
de exaltação cívica, pespegando-nos à testa a pecha de
“covardes”, bastou o sistema rosnar e mostrar os dentes no dia 8
de janeiro para que uma súbita epidemia de “prudência”,
“frustração” ou “exaustão emocional” se abatesse sobre a
maioria esmagadora do povo brasileiro – sim, pois nós,
conservadores, a somos.
Todos os piores adjetivos são, podem e devem ser aplicados à
esquerda, com exceção de frouxos, omissos e sem disposição de
lutar pelos seus (vá lá) ideais. Na luta pela implantação de sua
tão sonhada “ditadura do proletariado” os canhotos dos anos 60
não se furtaram a marcar – à custa de sangue, borrachadas e
prisões – sua presença incessante nas ruas do Brasil, e assim
persistiram até que, vemos e sofremos hoje com isso, a conseguiram.
Alegam alguns que as ruas não são o melhor caminho para nós,
que devemos prioritariamente ocupar espaços – leia-se agir tal
qual a esquerda, infiltrando-nos na máquina pública, no sistema de
ensino, na cultura e grande mídia – e que as ruas só dariam aos
ditadores, ora em plantão, mais motivos para endurecerem ainda mais.
Respondo apontando que há duas certezas em tal afirmativa: a
primeira é que sim, precisamos infiltrar-nos, agir gramscianamente
tal qual a esquerda, mas não posso omitir dois erros presentes na
citada proposta, os quais já comentarei.
Com ou sem ruas, a ditadura endurecerá - é a segunda
certeza. Tal como dizia Olavo de Carvalho, “prenda os comunistas
antes que eles o prendam por crimes que eles cometeram” – assim vimos no 8 de janeiro, onde os infiltrados vândalos estão
livres e os inocentes pagam culpas alheias – e este é o primeiro erro apontado.
E, em segundo lugar e replicando mais fielmente ainda a esquerda, não
só devemos infiltrar-nos na burocracia estatal, nas artes, cultura e
mídia como, também, devemos exercer nossa presença incessante nas
ruas - nos omitirmos será o segundo erro que acuso. Explicarei o
porquê com fatos históricos.
É do conhecimento de muitos que havia um aparente “racha” na
esquerda dos anos 60: uns defendiam a luta por meios gramscistas e
outros, pela força das armas – em moeda mais corrente, abrangia
desde guerrilhas, assaltos á bancos, sequestros até as
indefectíveis e utilíssimas passeatas.
Lembre-se de Jung: um homem não vive sem símbolos e a garotada
que apanhava de cassetetes nas ruas durante os anos 60 causava a
comoção e simpatia necessária ao movimento que era “tão justo,
tão bom”, a ponto de fazer com que jovens sacrificassem suas vidas
em prol da “única solução viável para um Brasil e uma sociedade
melhor”. Sim, estes jovens eram palpáveis; eram nossos colegas de
escolas, o filho da vizinha, um professor que chegava na sala de aula
com olhos roxos – e isto comovia e, compreensivelmente, revoltava a
todos, eram símbolos perfeitos!
Estes rapazes de costas lanhadas e olhos roxos tinham duas funções,
na complicada equação político-gramscista-junguiana esquerdista:
faziam com que pais e mães de família não achassem tão “radicais”
aqueles meninos que optavam pela guerrilha – afinal, o filho de
dona Creuza tá aí, todo quebrado, tadinho! - mostrando que seria
impossível a um jovem jogar tudo fora por algo que não fosse digno
de dar sua vida, e também criavam não só os personagens
mas – principalmente – o clima emocional para o trabalho
gramsciano.
E todos nós nos embalamos nas músicas de Chico Buarque, nos
filmes “proibidos” do Glauber Rocha, rimos com as piadas
conspiratórias e cheias de parábolas – afinal, eram perseguidos!
- de um Jô Soares até que, quando nos demos conta, éramos todos
simpáticos e apoiadores da esquerda. E mais apoiadores ficamos
quando os canhotos, cientes e seguros de seu aparelhamento estatal,
cultural e midiático, trocaram a carranca conspiratória por um
simpático sorriso de “diretas já”, permitidas por um regime
moribundo e em franca rendição ao mais poderoso dos feitiços, ao
qual não dera a devida atenção: grande mídia e cultura.
A verdade é que o gramscismo não teria prosperado sem o jovem de
costas lanhadas e olhos roxos das ruas. E nossa atual ditadura
comunista não estaria atualmente no poder no Brasil – e em muitos
países do mundo – se tais pobres jovens não houvessem conquistado nossos corações. Racha? Uma ova!
É bem verdade que a grande maioria de tais meninos foram,
verdadeiramente, idiotas úteis: morreram, aleijaram-se nas drogas,
jogaram vidas, casamentos, famílias fora por conta do que
acreditavam e que hoje, quero crer, todos sabem ter sido o mais
pérfido e cruel dos contos-do-vigário já aplicados sobre a
humanidade.
Uma grande mentira custou vidas, custou sangue e o destino de
muitos. Ora nós, que sabemos a verdade, que a temos – junto com
Deus – em nossos corações, não estaremos dispostos a nenhum
sacrifício por isso? Nem por nossos filhos e netos? E não se trata
de incitar que pessoas vão às ruas em atitude depredatória,
vandalista. Pelo contrário, trata-se de demonstração pacífica,
ordeira – silenciosa, inclusive – e dentro da lei: permanecermos
de costas para as autoridades e tropas em desfile – e nossa
bofetada será ouvida em todo o planeta.
Todos temos livre arbítrio, direito de escolha e, por enquanto,
alguma liberdade e você tem a sua: ir ou ficar em casa.
Mas lembre-se de sua decisão ao cantar “Ou ficar a pátria
livre ou morrer pelo Brasil” na próxima vez.
O peso das palavras não pode ser relativizado.
Walter Biancardine