Perceberá o leitor a facilidade com que alterno, nesta página, entre análises políticas e temas pessoais que em nada dizem respeito á situação atual do país.
Veteranos que porventura ainda me acompanhem saberão que um dos fatores pelos quais jamais temi expor opiniões políticas, acusar pesadamente algo ou alguém ou mesmo elogiar o que fosse é o fato de nunca haver ocultado nada de minha porca vida pessoal. Não haverá segredos, falcatruas ou coisas mal explicadas com as quais eventuais desafetos possam me chantagear, e assim, há décadas, movo-me com tranquilidade pelos meus escritos.
Já publiquei as maiores e mais particulares misérias bem como tive o indecente despudor de expor uma felicidade absurda por ter conquistado, finalmente, a inacreditavelmente linda mulher que sempre amei desde tenra infância. Todos viram como penso, de quem gosto, quem não gosto, minhas gafes, dúvidas, realizações, certezas, bebedeiras, fracassos, minha fortuna e miséria – esta última, ao que parece, destinada como epílogo no livro de minha vida.
E é nestas últimas páginas da existência que dei conta das inúmeras referências a “casa”, um tema ultimamente recorrente e que pode levar a dúvidas quanto a sinceridade de meus ganidos: se são pela falta da mulher amada – viúvo de uma fada viva, cujo coração palpita, mas não mais por mim – ou a perda do lar e segurança da infância.
Tenho limitado conhecimento sobre a psique feminina – conhecedor fosse e não estaria abandonado á estas horas – mas sobre minha porca e atormentada alma, desta posso falar. E percebo que existe uma mistura que os anos se encarregam de produzir, quando tais aspectos são analisados.
Homens adultos ainda guardam, dentro de si, conceitos infantis e que jamais são superados: sem a mulher amada, não há um lar. É a satisfação gloriosa de voltar para casa ao fim do dia e ser recebido por aquela que te ama e devota a vida a seu favor – cuidando de você, tratando as feridas de seu dia de caça no trabalho, te alimentando e perguntando como foi seu dia. Este é o lado infantil, o momento em que ela, por mais sedutora que esteja, o acalenta e embala suas dores, angústias e dúvidas.
Refeito, alimentado e de banho tomado, o homem adulto retorna: está em eterna guarda de seu ninho, vigilante, e dará mesmo sua vida – sem piscar os olhos – para proteger a mulher que ama, o lar que ela deu á ele e os amados em volta. Neste momento, os papéis trocam e é a vez do homem a abrigar em seus braços, proteger sua feminilidade, fragilidade de um cristal raro, dar segurança em suas dúvidas e aflições, fazê-la sentir-se amada, protegida, cuidada, admirada, amparada, sem dúvidas sobre sua disposição de morrer por ela e sempre, sempre lembrá-la de como é desejada, inocente sedutora e, de todas as formas, linda.
E esta mulher amada e protegida, que o protege e ama também, junto ao lar que ela encarna, histórias, valores e referências em comum, que só aumentam conforme os anos passam e são verdadeiro espelho daquela alma gentil, a isto um homem – ou ao menos eu – chama de “lar”.
Esta é a evolução natural da psique do homem. Farrapos como eu, certos de que tudo perderam, cientes da condenação á solidão perpétua, sequer esperanças a inteligência permite-lhes sentir: acabam por regredir e refugiar-se nas lembranças mais tenras – uma espécie de “colo de mãe” com as velhas e surradas tatuagens frustradas que afirmam: “Amor, só de mãe”.
Assim nascem histórias, livros que, não fossem escritos, terminariam por implodir o escriba e levá-lo aos sanatórios.
Ao menos naquelas páginas a terei para sempre.
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