Você leu "Chateau, o Rei do Brasil"? Admirou a meteórica escalada de Assis Chateaubriand e como ele se tornou a própria opinião pública do Brasil? Ou condenou o uso político de suas mídias e seu narcisismo e egocentrismo absurdos, em vida pessoal?
Se você encontrou motivos para justificar e aplaudir os comportamentos, meios e objetivos de ambos, não os condenando sob nenhuns aspectos, parabéns: isso revela apenas uma profunda inveja de uma realidade, um sistema que poderia fornecer todos os bens materiais que ambiciona e assim, tal postura denota apenas desespero e um secreto implorar por fazer parte "do clube".
Já se a total condenação sobre atos e tudo o mais de ambos os citados é seu veredito final, o bater inapelável de seu martelo demonstra o enorme despeito, ranço, raiva e frustração pelo sistema vigente - para melhor ou para pior - haver "deletado" você e que, de quebra, revelou sua total falta de discernimento e pensamento racional. Por consequência, agora você passa a condenar o que não soube conquistar - "as uvas estavam verdes, mesmo...".
É pouco provável que em nenhum momento desta leitura o amigo leitor tenha se lembrado de um princípio basilar, fundamental para aqueles que tentam se lançar no mundo corporativo das grandes empresas e do mercado - o mercado de verdade, o pesado: tal princípio é que "a moral dos negócios não é a mesma da moral pessoal, social".
Deste modo, haveremos de considerar como execráveis todas as atitudes de ambos os personagens citados enquanto focarmos nas suas vidas pessoais, seus relacionamentos, famílias, amigos e etc. Mas na moral dos negócios, creia, a coisa toma limites bem mais flexíveis - e se você os rejeitar, cairá.
Ao oferecer ações a investidores incautos, provocar forte alta no mercado e depois causar baixas catastróficas, o sr. Belfort age tal qual um simplório vigarista vendendo o "bilhete premiado": não houvesse o secreto desejo da "vítima" em lucrar, se aproveitando de ilusória necessidade do vendedor-golpista, a mesma não teria caído no golpe.
O mesmo se dá com Chateau, conseguindo tiragens expressivas em seus jornais e revistas e superando seus concorrentes às custas de reportagens sensacionalistas, "furos" de reportagem que se repetiam ao longo dos anos, matérias sobre crimes sangrentos ou escândalos sobre celebridades, donos de indústrias ou as próprias indústrias. Se todos não tivéssemos a ânsia em ver sangue nas páginas do jornal, sabermos que um artista levava uma vida mais devassa que a nossa - e que amenizava nossos descaminhos - ou que empresas nada mais eram que assaltantes com alvará, tal imperio sequer teria sido criado e sustentado.
Em ambos os casos, os limites da legalidade foram abertamente ultrapassados mas, se não o fossem, não poderiamos condenar a mentalidade empresarial de nenhum deles. Sim, é isso que o amigo leu.
Mas, tudo isso só por causa de dinheiro, perguntará o leitor. Não, não apenas por isso, pois dinheiro é algo que todos nós queremos e o conseguimos na justa medida de nossas limitações - morais, intelectuais, acadêmicas, bem como outras imprescindíveis como ousadia, coragem e capacidade de assumir riscos calculados.
Na verdade, ambos miraram na mais deliciosa das co-morbidades da fortuna: o poder.
Quem lida com stock market, investimentos, corporações empresariais, ambiciona acima de tudo o poder, a capacidade de controlar o mercado, a empresa, o próprio ramo de negócios, tudo. E quem lida com jornais, revistas, rádio, TV, qualquer mídia seja ela qual for, também ambiciona o devastador poder que pode ser obtido através deste caminho - o dinheiro é fator secundário e inevitável.
De tudo o que escrevi, espero que fique o seguinte recado: cuidado com as frases feitas que ouvimos desde criança, tais como "isso não é pra mim" e outras de igual jaez. É preciso ambição e desejo de poder, todos nós precisamos disso, por menor que seja a dose necessária - ou seu poder sobre sua casa e seus filhos desaparecerá, bem como seu cargo no escritório ficará em risco por sua apatia e falta de proatividade (maldita palavra).
É certo que existe o poder do respeito, da consideração devotada pelos que te cercam mas, infelizmente, isso não é tudo. Tente exercer poder, estabelecer seus limites ou algumas poucas e convenientes regras em sua casa, sem ter um emprego que pague as contas: será um tiro na água.
Assim, não faça tábula rasa e se deixe levar por dualismos maniqueístas do tipo "eu sou bom e ele é mau". Nossa vida diária se equilibra em um tênue e fino fio moral, não permitindo rótulos simplistas ou atitudes-padrão, pois esta sociedade que se nos apresenta depravada e dissoluta é a mesma que nos ensinou a sempre, sempre se conformar com tudo.
E, ao chegar no trabalho, lembre-se: ali, a regra é outra, os princípios são bem mais elásticos e a moral de casa nenhuma serventia possui.
Depois de se escandalizar com o que leu, já mais calmo, tente lembrar do que aqui está escrito e reflita. A vida é sempre um aprendizado e condenações à priori são, no mínimo, burras.
Fica a dica.
Walter Biancardine
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