segunda-feira, 28 de agosto de 2023

SEM QUERER

Acordei hoje pela manhã e me dei conta que não queria escrever.

Aliás, não queria ligar o computador, não queria saber das notícias e muito menos parasitar a felicidade alheia, escandalosamente estampada nas redes sociais.

Lá fora um clima londrino – garoa, vento e um frio anormal – justificavam que eu igualmente não quisesse caminhar pelos pastos, como faço rotineiramente em minhas desesperadas tentativas diárias de manter a lucidez, através de uma auto análise medíocre e a sempre presente, feroz e porca auto crítica – a qual ainda preciso decidir se não é um complexo de inferioridade, caridosamente travestido.

A verdade é que hoje acordei sem querer – em todos os sentidos possíveis.

Não queria acordar, não queria trabalhar, não queria ter de buscar comida, não queria nada.

Sem querer, forcei-me a caminhar pelo pasto e concluí que, sequer, queria existir. Não uma tendência suicida mas apenas a percepção que seria melhor nem haver nascido – um aborto que não teria trazido falsas perspectivas de felicidade á ninguém, que igualmente não teria decepcionado, frustrado, magoado, irritado, indignado ou atrasado a vida e a felicidade de ninguém – a inocência indiscutível da não existência. Sim, pois da vida só legarei meus erros, e só por eles se lembrarão de mim.

Morbidamente, imaginei o quê aconteceria se eu morresse repentinamente e a conclusão não foi memorável: nada. Certamente algum povo local daria por minha falta, mas pelo respeito e cerimônia com que me tratam e desejosos de não parecerem incômodos, inevitavelmente uma ou duas semanas passariam até que – a natureza é sábia – o cheiro de podre de minha carcaça noticiasse a todos o meu paradeiro. E então? Ora, se um estorvo fui em minha existência, na morte não seria diferente pois algum parente teria o sórdido trabalho de remover meus restos e enterrá-los alhures – inclusive financiando tais despesas, que nunca são baratas.

Minhas tralhas – pequenas lembranças, obsessivamente colecionadas e guardadas, de um passado em que ousei ser feliz – por sua insignificância em número e valores, acabariam no lixo com exceção deste computador, que ainda bem pode ser usado mais alguns anos. E só, the end, fim.

Mas persisto em minhas auto análises, na sôfrega busca de não ceder á tentação da loucura, e finquei meus pés na lama gelada, no chão, na realidade. Sim, tudo isso é devaneio, a maldita solidão que convida fantasmas para nos assombrarem.

É preciso espanar tais pensamentos, é preciso viver, é preciso querer!

Mas o único “querer” que me veio á cabeça depois disso foi:

- Quero ir pra casa.

E eu a joguei fora.




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