Os dias recentes tem sido corridos com a mudança de casa e toda uma rotina de vida para retomar, sempre sendo obrigado a lembrar de hábitos que perdi ou pequenos luxos há muito sepultados por longos anos de vida de náufrago – uma ilha de solidão, desesperança e miséria, cercado de pastos vazios por todos os lados.
Voltava eu de viagem ao Rio de Janeiro, onde fui cumprir obrigações profissionais e, ao atravessar a ponte Rio-Niterói, foi inevitável a lembrança que aquele Rio não mais era meu: excetuando meu filho Victor, nada mais tenho por lá. Os antigos amigos sumiram no mundo, muitos mesmo morreram e a velha turma de Copacabana se evanesceu, com os anos.
Igualmente desapareceu meu viço, o brilho e entusiasmo da juventude onde nada me parecia impossível e havia toda uma vida pela frente, para pôr em prática os mais loucos projetos ou sonhos, inclusive amorosos.
Não, esse tempo se foi. Ainda que tenha conseguido sobrepujar os desertos em torno, o agreste sempre habita a alma dos velhos, e doeu-me a falta de um amor.
Lembrei do conselho daquele que foi minha salvação, única mão estendida no momento mais miserável de minha existência, Alair Corrêa: “Esqueça tudo o que passou, rapaz. Esqueça as mágoas, esqueça as privações, a fome, o desamparo e agradeça tudo o que Deus tem te presenteado. Agora, vá e viva sua nova vida”, disse ele, na sabedoria de seus oitenta e vários anos de vida.
Dirigindo meu carro, vento fresco no rosto e a caminho de minha própria casa, orei em silêncio, agradecendo. E, confesso, algumas lágrimas indisfarçáveis vieram-me aos olhos em plena praça de pedágio da ponte, com todos olhando para mim.
Mas é da natureza vil do ser humano jamais dar-se por satisfeito ou contente com as bênçãos recebidas e em nada sou diferente do resto desta corja, a quem costumamos chamar de “humanidade”: eu também não estou satisfeito, sempre falta algo e a mim, agora, falta-me alguém.
Pela estrada vim pensando: onde um velho de minha idade poderá arranjar companhia? Uma mulher que dele goste e com ele se preocupe, que tenha não só atrativos físicos mas – em meu caso específico – possua e use igualmente cérebro e cultura para que, nestes anos cada vez mais platônicos da existência, possa eu sublimar a carne pelos debates filosóficos, teológicos ou mesmo quaisquer faits divers, desde que abordados com inteligência?
Não bastasse a inexistência de “locais de paquera” para velhos, ainda existe o agravante de que realmente ninguém conheço – jamais tive “amigas” (verdadeira abominação hipócrita, pois homens não tem amizade com mulheres) e, pior, trabalho em casa e sozinho, sequer existindo a possibilidade de surgir uma colega de trabalho interessante e em minha faixa etária.
Para ser justo e não afirmar a total ausência de “colegas de trabalho” (vá lá), existem as palestras que tenho comparecido no Rio de Janeiro, a convite da graciosa e pós-doutoranda Miss Jay. Creio, entretanto, que tal senhorita não apenas deva ter outros interesses que não sejam a escavação de fósseis paleolíticos como eu, bem como, certamente, desfrutará de verdadeira renca de solicitantes ao redor – notoriamente mais jovens que o brontossauro autor destas linhas.
A estrada acabou, cheguei em casa, guardei o carro na garagem e abri a porta – uma casa vazia.
Se lembranças de um passado decrépito ainda me perseguem, tal tormento é só um e chama-se “solidão”. Não tenho vergonha em reclamar nem de elocubrar meios de sair da mesma, afinal dizem que “sempre há um sapato velho para o pé cansado”.
Apenas espero que meu sapato velho – que Deus há de provir, perdoado o abuso – venha com um formoso intelecto e rechonchudo estofo cultural.
Cansei de arriscar dialéticas com bois e vacas.
Eles sempre vencem.
Walter Biancardine
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