A história nos ensina que, por vezes, entre dois grupos em conflito insolúvel e persistente o advento de uma desgraça, desproporcionalmente maior, no campo de batalha acaba por tudo solucionar – se não a vitória de um dos lados, mas a destruição pacificadora de ambos adversários.
Não foi o caso sucedido em Hiroshima, onde tal assimetria resultou na ruína japonesa somente, mas serve como analogia à solução da situação sentimental que se arrastou por anos em mim, culminando com as últimas e desgraçadas quatro estações, onde julguei-me prisioneiro em uma situação de conflito aparentemente irresolvível.
Por muito tempo remoía eu acontecimentos do passado, os quais levantaram-me dúvidas jamais esclarecidas e sempre abafadas pela saudade e toda a carga de afeto envolvida. Assim, adotando táticas básicas – primárias mesmo – neste xadrez sentimental, levei a coisa ao ponto em que ou seriam confirmadas as piores suspeitas, ou se descortinariam chances de um retorno ao relacionamento – um “tudo ou nada” cujas consequências, temia eu, poderiam ser devastadoras.
Quando escrevo “piores suspeitas” não se trata de figura de linguagem. Eram questões gravíssimas que jogariam por terra todo um edifício de caráter, a suposição moral construída durante tantos anos de convivência – mas, cedendo ao meu xeque-mate amador, tais e terríveis temores foram confirmados por sua (dela) derradeira e recente atitude, resultante de minha estratégia.
Jamais houve “idem velle, idem nolle” (1), jamais crenças, valores e conceitos em comum, nada além de táticas feminis de manipulação e domínio – e o gigantesco arranha-céu, erguido sob a cegueira do amor, veio ao chão por completo em surpreendente e rápida implosão.
Para minha surpresa, nada senti – ou sinto – além de enorme alívio. Toda a carga emocional, lembranças e acontecimentos se dissolveram de imediato e apenas posso dizer restar-me um “incômodo de vazio”; algo como se sofrêssemos meses com uma perna engessada e, um dia, tal acessório é removido: o alívio é grande mas, estranhamente, parece que nos acostumamos à excrescência e sua falta é notada. Como em Hiroshima após a bomba, restou apenas um vazio e, no meu caso, de forma alguma melancólico – ao contrário, confiante e esperançoso.
Deus não nos abandona, nunca estamos sós: se Ele permitiu tanto tempo de dores e sofrimentos foi apenas para que eu tivesse parâmetros de comparação com a verdadeira felicidade – sensação de alforria – que sinto agora.
Neste momento sou absoluta e inacreditavelmente feliz, e todas as demais contingências materiais de minha precária subsistência tornam-se infinitamente mais leves, sem a pesada, sinistra e obscura carga sentimental, varrida do mapa por pacificadora Hiroshima.
E mais linhas não fez por merecer, a pessoa, em seu obituário.
Walter Biancardine
(1) - "Amar as mesmas coisas, odiar (repudiar) as mesmas coisas".
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