quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Subversão

“Muito doido”, é o mínimo que se pensava – quando pensava – em recente encontro de motociclistas aqui na terrinha.

Como velhice é estado de espírito, jovens saudáveis de uns 60 anos passeavam empoleirados em cascudas Harley-Davidsons, ostentando bela e loura garupa. Ele, semi-balofo, semi-careca, mas plenamente feliz com seu colete de couro, jeans e um vasto rabiscar de tatuagens pelo corpo. Ela, já ligeiramente passada mas ainda bastante potável em sua calça de couro – e os dois felizes e jovens em si mesmos.

Quem foi que disse que ruga é doença?

Nos dias deste encontro, quem dele participou viveu algo semelhante ao que deve ter sido experimentado em um distante Woodstock. Não se assustem com a comparação, mas a sensação de “o sonho acabou” ao final do evento provavelmente foi a mesma.

Dias e dias vivendo em um mundo de cabeça para baixo, onde as melhores idéias das melhores cabeças podiam encontrar eco, onde o proibido valia, o sério era engraçado e – miraculosamente – tudo dava certo, sem conflitos, brigas ou desentendimentos.

Isso, meus amigos, se chama subversão saudável. Um mundo virado de pernas pro ar, mas só de sacanagem.

Mas então tudo acabou e voltamos ao nosso trabalhar e padecer, eis que tal é o destino dos homens.

Novamente amarrados em regras, gravatas, cadarços, apitos de guardas, compromissos, obrigações, enfartos, hospitais e – inevitável – cova. E assim uma vida se passou, sempre dentro das regras, sempre certinho, sempre sem-graça.

O problema é que tem gente que não entende o espírito da coisa e resolve subverter o que não deve, fazer piada onde não pode e virar de pernas pro ar não apenas um evento, pensado e criado para isso: essa gente vira uma cidade inteira de pernas pro ar e não vê o menor problema nisso.

É a subversão estatal, onde o poder esculhamba a si mesmo em suas ações bizarras.

Vimos muito disso nos governos militares e há quem diga que existe uma recaída local nos dias de hoje. Eu não sei de nada, e mesmo que soubesse não diria, que não sou besta.

Só o que sei é que tem gente que perdeu toda a sua graça quando trocou seu jeans surrado por calças de linho e seu t-shirt pelo blusão vermelho, que já está até me dando nojo de tanto que vejo.

Que Deus permita que eu continue envelhecendo com dignidade, ou seja: eu, minha moto, meu jeans podre e meus cabelos – cada vez mais compridos e mais brancos, e sem que ninguém possa me apontar o dedo e dizer que virei a casaca.

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