O tempo passou, mas o cigarro ficou. De coisa sensual, artigo de galã, o cigarro tornou-se a estrela amarela bordada na manga dos viciados, segregados em guetos sociais promovidos pelo nazismo anti-tabagista.
Tal ponto chegou o paroxismo da discriminação e preconceito contra os fumantes que hoje, se você acender um cigarro na calçada, em pleno ar livre, verá dezenas de narizes entortarem em sinal de reprovação pelo seu ato hediondo, poluindo o oxigênio idílico, paradisíaco e puro que essas pessoas respiram enquanto esperam um dos milhares de ônibus que circulam na cidade, tossindo grossos rolos de fumaça preta que – pasme! – ninguém reclama.
Me sentindo um dinossauro anacrônico, um verdadeiro Mercedão diesel enfumaçando o habitat de meus semelhantes, decidi um dia parar com o vício. Tentei de tudo: rezas, simpatias, adesivos de nicotina – que me deram uma vontade desgraçada de acender um cigarro, acendi e quase morri de dor de cabeça – e tudo o que se oferecia como solução para a chupeta do adulto.
Tantas foram as promessas milagrosas, as mezinhas receitadas por reputados macumbeiros, acupunturistas que vazam o pobre feito um boneco de vodú e produtos diversos vendidos nos canais de "compre-compre" da TV que resolvi listar abaixo algumas das mais amenas que tentei. Pode ser que porventura a alma que agora me lê resolva experimentar e - quem sabe - funcione.
Simpatia do Cabôco Chupa-Vela:
Vá a uma loja de artigos de Umbanda, Quimbanda ou Qualquer banda - desde que tenha uma preta véia lá dentro - e compre uma vela daquelas fininhas, uma outra daquele tipo que se usa em casa quando falta luz, mais uma de calibre mediano e por último uma vela de 7 dias.
No primeiro dia, acenda a velinha e fume.
Sim, é isso mesmo, você não leu errado: acenda a velinha, e não a preta velhinha senão a encrenca vai ser braba. Fume com gosto, com vontade, até a cera começar a escorrer pelos cantos da boca e o pavio aceso tostar a ponta de seu nariz. Repita a operação nos dias subseqüentes, sempre aumentando o calibre da vela.
Se tudo der certo, em 4 dias você terá parado de fumar graças ao selo de cera que vai vedar sua boca e impedir você de fumar, beber ou comer porcarias. É uma simpatia fantástica, pois você para de fumar sem engordar.
Por alguma razão, é uma das preferidas na comunidade gay, mas isso não vem ao caso agora.
Simpatia da piteira de antena:
Ache na rua um carro cuja antena esteja levantada, quebre-a e leve pra casa o produto de seu vandalismo.
Na parte mais grossa da antena, ou seja, no primeiro elemento, corte-o com uma serra de metais em um canudinho aproximadamente do tamanho do cigarro que você fuma e enfie alí dentro o seu Derby - ou, para os mais abastados, seu Roliúde. Acenda e, com a quentura transmitida pela brasa do cigarro em contato com o metal, fume até fritar a beiça.
Simpatia da Assistência do Estado:
Vá até uma boca-de-fumo e compre uma morra de uns 750 gramas da marofa.
Enrole seu baseado, vá na madruga até a esquina da rua Barreiros com Estrada do Engenho da Pedra, em Olaria, e acenda a beata quando o camburão estiver passando.
Com sorte os PMs vão providenciar o tratamento oferecido pelo Estado aos dependentes de droga, que consiste na aplicação de uma série de murros na boca, até você falar fôfo.
Após a terapia inicial, o Estado também oferece uma temporada de desintoxicação na Rehab da 22ª DP de Bonsucesso, junto com 3 crioulos que vão fazer você ficar ocupado demais para pensar em fumar o que quer que seja, além do que eles te derem.
Pois é caros leitores, tanta simpatia e nada adiantou. A verdade é que eu gosto de fumar e, a bem da verdade, em poucos momentos o prazer é verdadeiro: ao acordar, após as refeições, após um café feitinho na hora, após aquilo que os casais fazem...como era mesmo o nome?, e após ou durante uma bela, gelada e sorridente cerveja. Todos os outros cigarros torrados durante o dia são vício puro, e são exatamente destes que eu gostaria de me livrar, mas não adianta: tal qual o alcoólatra, o tabacólatra não pode sequer ter o primeiro gole – digo, o primeiro pito. Se der, degringola e não é próprio do viciado saber moderar suas doses: ou pára de vez ou nem tenta segurar a onda. Acreditar que vai apenas reduzir é rematada besteira e nunca funciona.
Assim, hoje prossigo em minha jornada solitária, enfumaçado e anacrônico, rodeado apenas por nuvens de nicotina e olhares de repúdio.
Mas não faz mal. Estou mesmo chegando em uma idade em que os prazeres da vida vão se tornando cada vez mais contemplativos.
E o cigarro é o ícone da inércia introspectiva.
Credo.
Em tempo: a nova baboseira agora é o Detran querer proibir o motorista de fumar enquanto dirige. Vamos e venhamos: porque então não fazer uma lei em que obrigue os fabricantes de veículos a separarem o condutor em uma redoma anti-dispersiva, isolarem o pobre de tudo o que não diga respeito á atenção obsessiva ao trânsito, pretendida por eles?
Segundo o Detran, não passamos de indivíduos oligofrênicos, incapazes de fazermos nada mais enquanto dirigimos. Nos obrigam a dirigir com as duas mãos, não podemos usar celular, agora será proibido fumar e em breve tenho certeza de que será proibido conversar com o carona, ouvir rádio e até mesmo xingar aquele chifrudo que acabou de te fechar porque estava prestando atenção nos gestos do guardinha de trânsito.
Caros iluminados do Detran: o caso é que tem gente que devia ser mesmo proibida de chegar perto de um automóvel, sob pena de morte. O Detran deveria fazer uma prova de habilidade específica para motoristas; só quem tem o dom de dirigir, poderá conduzir um carro ou o que valha. Mas com essa demagogia de querer nos fazer acreditar que qualquer parvo pode conduzir um carro a
A pergunta que não quer calar: se prestar atenção no trânsito é uma preocupação tão grande do Detran, porque a fiscalização do órgão não passa a fuzilar os imbecis que passam à 40Km/h em um pardal que indica máxima de 50? Ou o Detran também não confia nos velocímetros?
Quem sabe, dirige. Quem não sabe, pega táxi. Essa que é a verdade.
Walter Biancardine é jornalista mas dirige carro, caminhão, ônibus, moto, barco e até avião, se seu brevet não tivesse expirado.
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