quarta-feira, 22 de maio de 2024

NULLA CRIMEN, NULLA POENA SINE PRAEVIO DICTATORIBUS CONSENSU -

 


(Não há crime nem pena sem prévio acordo dos ditadores)

Está se tornando lugar-comum a anulação das sentenças, bem como todas as esperanças de moralização do Brasil produzidas pela Operação Lava Jato, por parte de Ministros do Supremo Tribunal Federal que, em explícito conluio, apontam descaradamente para mais outro lugar-comum em nosso tão vulgar cotidiano: a história é escrita pelos vencedores.

Há muito mais por detrás de tais atos jurídicos que a simples impunidade. Em curto espaço de tempo vimos a curiosa coincidência do sr. Sérgio Moro – maior protagonista da Operação Lava Jato – ser inocentado pelo TSE e permanecer, portanto, elegível e em seu cargo no Legislativo, bem como – quase simultaneamente – o sr. Toffoli liquidar com as poucas e restantes preocupações dos ex-réus de um dos maiores escândalos de corrupção e tomada de poder já vistos no planeta.

Desnecessário comentar sobre o escambo entre o sr. Moro e o sr. Toffoli, os jornais já noticiaram que, “estando justo e contratado por ambas as partes, firmam a presente” – a inocência de um pela inocência, ainda que via anulação, de tantos outros, incluindo o sr. José Dirceu.

O que, por óbvio, a grande mídia jamais comentará – e causa pasmo a cegueira histórica e social dos furibundos comentadores “didireita” – é o imenso dano causado na psique do brasileiro médio de hoje e na inevitável versão histórica que, doravante, passará a ser impressa e distribuída entre os estudantes das futuras gerações.

Mamíferos roedores como os titulares da Odebrecht, JBS, Camargo Corrêa, bem como expoentes avulsos da roubalheira – tais como Dirceu, Palocci e tantos outros – passarão aos livros futuros como “injustiçados” e “perseguidos” por “uma das maiores ameaças” que a democracia brasileira sofrera, a terrível “onda fascista” promovida por Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho e mais alguns outros. Do mesmo modo, luminares do Supremo Tribunal Federal serão aclamados – quem sabe tenhamos até um “Dia do Supremo”, feriado nacional? - como verdadeiros heróis, salvadores do povo brasileiro, livrando-nos das garras inclementes das velhinhas de Bíblia nas mãos, que atentaram despudoradamente contra o “estado democrático de direito”. E tal será a versão dos vencedores que, como disse acima, são os que escrevem a história.

Já para nós, povo contemporâneo de toda essa desgraceira, restará o silêncio imposto pela mordaça de ferro do STF bem como, rondando-nos diuturnamente, o mais feroz e eficiente dos carcereiros: o medo. Não mais haverão bocas abertas em protestos, povo nas ruas será amarga lembrança e sobre tudo isso pesará, inclemente, a sensação opressiva de que nada mais é possível de ser feito – sim, porque o povo comum nada pode contra acordos entre ditadores; míseros pagadores de impostos em nada podem opinar ou repudiar quanto a clamorosa covardia de um Congresso (fechado por medo e dinheiro) inerme, e somente restará a dura lição de sermos pequenos e fracos demais contra meia dúzia de tiranos.

Não se trata de profetizar o apocalipse e, sim, pura e simples análise da linha cinética dos acontecimentos e, principalmente, de nossas reações diante dos mesmos: sempre terceirizamos as responsabilidades, o heroísmo é repudiado e, na prática, “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

O vergonhoso acordo entre o sr. Sérgio Moro e o TSE (leia-se STF) significa que o ex-juiz, na prática, não representa mais nenhuma ameaça contra o sistema – e este mesmo sistema, igualmente “garantido” (digamos assim) por nossas cambaleantes Forças Armadas, permanecerá no poder por décadas, talvez mais de século, até que um povo animalizado e faminto, com a coragem do desespero, promova verdadeira carnificina salvadora.

Mas já não haverá civilização para ser salva.



Walter Biancardine








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