quinta-feira, 16 de maio de 2024

CHUTANDO CACHORRO MORTO -


Eu sou o cachorro morto.

Digno de estudos psiquiátricos e sociológicos é o impulso que algumas pessoas sentem em terminar de moer quem já está, publicamente, estraçalhado.

Uns desferem seus pontapés como tardia vingança pelo atrevimento que tive em expor, sem nenhumas reservas, a vida feliz que um dia desfrutei. Outros - não sei se mais ou menos doentes - acertam seus chutes somente pelo prazer sádico de soterrar quem não pode reagir. Em menor número, existem aqueles que agridem pelo simples fato de - mesmo sob tamanha decadência - termos o atrevimento de aparentar um mínimo de dignidade - o que, aos olhos dessa raça, soa como insuportável arrogância.

Nada posso fazer, não tenho meios de reagir sem que minha situação piore ainda mais. Aguento calado, pois, todos os inúmeros e quase cotidianos desaforos e ameaças, respirando fundo e fingindo que não doeu.

Entretanto, sempre bom é lembrar que dor de barriga não dá só nos outros. Os dias passam e tudo pode mudar.

Se e quando isso acontecer, o sangue calabrês falará mais alto. E haverá choro, ranger de dentes; muita gente aos prantos, dizendo-se injustiçada.

Mas somente se e quando o vento mudar.

Até lá, sofro em silêncio.


Walter Biancardine



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