Nem tiro o carro da vaga, porque o happy hour foi combinado no barzinho da Rua Farani, ao lado do meu trabalho - vou a pé mesmo e, lá chegando, já encontro uns dois ou três exauridos como eu (colarinho aberto, gravatas arregaçadas, paletó perdido algures), que já pedem aquela cerveja "canela de pedreiro".
Muita conversa fiada, gente maldizendo os gastos da mulher no cartão de crédito e outros - eu inclusive - plenos de más intenções, pois o Cajú (sim, aquele Cazuza do Barão) me arrumou meia dúzia de entradas pro show deles, no Noites Cariocas, Morro da Urca.
Findo o chope, rápida passada em casa para um banho - "mas que pressa é essa, meu filho? Não vai comer nada?", cobrava minha mãe, sempre mãe - experimento alguma roupa que me ponha semelhante a um ser humano e já me despeço, saudoso, da vaga que tanto custei arrumar para meu carro. O rumo? Antes das Noites, Baixo Leblon, claro!
Só o bom Deus saberá como cheguei às Noites Cariocas, sequer do bondinho me lembro. E tome show: muito rock pauleira, gritaria, garrafas rolando fígado a dentro e algumas substâncias condizentes com nossa idade inconsequente e irresponsável.
Arranja-se alguma incauta - provavelmente uma estudiosa de biologia, interessada em espécimes exóticos como eu - completa-se o nível alcoólico ao limite insuportável e, já dizia Lobão, "o riso corre fácil quando a grana corre solta": o rumo é o Mirante do Alto da Boa vista, motel gratuito entre então pouquíssimos frequentados trechos daquela estrada serrana, encravada entre a Tijuca e São Conrado.
O dia já está clareando quando aponto a frente do carro já na descida da Niemeyer, entrando na Delfim Moreira e planejando comer um "Levanta Lázaro" de fim de noite, no indefectível Cervantes, lá nas alturas da indecente Prado Júnior. Barriga cheia e energia já na reserva, deixo a gentil e caridosa senhorita na portaria de seu prédio, rumo para casa e, por sorte, encontro uma bela e acolhedora vaga bem em frente aonde moro.
E desabo na cama, de roupa e tudo.
No dia seguinte, acordo e vejo que estou aqui - 40 anos se passaram em uma só noite de esbórnia, e de minha protegida juventude em Copacabana, repentinamente me desperto um velho, tossindo e rangendo juntas, em uma casinha no Segundo Distrito de Cabo Frio.
A vida é assim: por vezes passa tão veloz que não temos reflexos rápidos o suficiente para desviar da pancada.
Lembranças, tal como sonhos, ainda são gratuitas.
Walter Biancardine
Nenhum comentário:
Postar um comentário