quarta-feira, 23 de julho de 2025

O EXTRATIVISMO GENÉTICO DO BRASILEIRO -


Deformada pela falta de cultura e por uma religiosidade enviesada, imposta por interesseiros de todos os matizes, a noção do brasileiro médio sobre o que é, na realidade, o ato de trabalhar soa como uma miséria que mais se assemelha às penas do inferno que a um meio de se sustentar.

Para o tupiniquim raiz, trabalhar é sofrer. Aliás, mais que sofrer: é se humilhar, rastejar (sim, pois obedecer ordens é a suprema degradação) e, para piorar, se sua ocupação não render uma hérnia de disco, problema de coluna ou o famosíssimo "pobrema de nêuvo, ele é neuvoso", tudo será considerado vagabundagem - tal qual os "vagabundos" que "passam o dia sentados, com ar-condicionado, cafezinho e água, e ainda ganham salário"!

É tradição brasileira: trabalhar é sofrer, é condenação, é castigo físico. Toda e qualquer ocupação que não produza sequelas no corpo ou humilhações públicas próximas a chibatadas nas costas é vista como "vagabundagem de quem não sabe da dureza da vida".

Toda essa longa introdução serve como desagravo aos que trabalham dez ou doze horas por dia em escritórios - sim, com café, água, ar-condicionado - mas com o peso de três elefantes nas costas, como parte de suas responsabilidades. Acredite, botocudo: isto também é trabalho.

Também vale como explicação para o sertão intelectual que se abate sobre o pitecantropo médio brasileiro o qual, se vê o trabalho em escritórios como pura vagabundagem, imagine o que pensará sobre aqueles que se dedicam ao ofício do intelecto, da cultura e do saber - estes, certamente, serão taxados como algo abaixo de "parasitas", que sequer merecem um bom dia, quanto mais, dinheiro.

"Pagar para ler um livro que desempoeirou e esclareceu suas ideias? Contribuir com um pix para o autor do vídeo que acabou de ver e aplaudir? Ser membro de um canal que acessa diariamente e de lá tira as informações mais importantes para sua vida?

Jamais! Em hipótese alguma!


Essa gente é um bando de vagabundos, passam o dia em casa, coçando o saco e, eventualmente (evitando dizer "diariamente") escrevem alguma coisa ou gravam um videozinho, falando besteira!

Pagar para ver um zé mané falar? Ler um artigo em uma página e retribuir com um pix? Gastar o sacrossanto dinheirinho da cerveja de domingo, só pra comprar um livro? Tá maluco? O que as periguetes vão pensar de mim, se eu aparecer no bar com um livro? Vão me chamar de 'otário'!"

Pois é, este é o "extrativismo intelectual" típico do brasileiro médio, onde cultura e conhecimento são uma obrigação daqueles que gastaram uma vida aprendendo e agora devem dar tudo isso, gratuitamente, para quem fizer o grande favor de prestar atenção neles - cultura não serve pra nada e é obrigação do Estado.

E, para completar: "tá achando ruim? Vá descarregar um caminhão de cimento, pra você ver o que é trabalhar de verdade!"

Por isso meu canal no YouTube, após ser desmonetizado, não valeu mais à pena. Por isso os livros que escrevo, não mais os publico - os guardo para mim, apenas como válvula de escape para a compulsão intelectual.

E é por isso que talvez, em breve, sequer continue publicando artigos como esse.

Ninguém acredita ser trabalho, não merecem remuneração - são só devaneios de um ocioso diletante, nada mais. E arremata-se, com a velha frase:

"Esse tá com a vida ganha..."


Walter Biancardine



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