sábado, 25 de janeiro de 2025

ENSAIO FILOSÓFICO: A INCONVENIENTE DEMOCRACIA DO VOTO UNIVERSAL


A democracia, enquanto enxergada apenas como um sistema de governo fundamentado no voto popular e não como resultado das atitudes e posturas de um país, é frequentemente exaltada como o modelo mais justo e equitativo de organização política.

Ela deve ser enxergada somente como um reflexo das práticas políticas, da cultura cívica e das decisões coletivas, emergindo da interação entre governo e sociedade e sendo moldada por elementos como o respeito às leis, a educação política da população, a transparência das instituições e a capacidade do povo de se organizar e demandar seus direitos. Deste modo, a democracia não é algo que se impõe de cima para baixo – um objetivo a ser perseguido e tão presente nos discursos de políticos – mas que se constrói e se mantém por meio de ações concretas e cotidianas de governos e do povo.

No entanto, uma análise mais profunda revela que o modelo usual, baseado na simples prevalência numérica como indicador da vontade do povo, possui fragilidades intrínsecas especialmente quando se considera o impacto do voto universal em uma sociedade onde grande parte da população carece de conhecimento adequado sobre as complexidades políticas, econômicas e sociais que determinam os destinos de uma nação.

Este ensaio busca explorar as limitações de um sistema que concede igual peso a todas as opiniões, independentemente do nível de informação ou engajamento dos eleitores.

O Problema da Ignorância Política

O primeiro ponto a ser considerado é a realidade da completa e universal ignorância política – ou alienação deliberada e comodista – que permeia grande parte das sociedades modernas. Não é exagero afirmar que muitos eleitores desconhecem as funções básicas das instituições governamentais ou as implicações de suas escolhas eleitorais, cabendo reconhecer que tal desconhecimento não é apenas fruto de uma falta de educação formal, mas também de uma indiferença generalizada em relação aos assuntos públicos.

Em um sistema baseado no voto universal, a voz de um indivíduo profundamente engajado e informado tem o mesmo peso e valor que a de alguém que decide seu voto com base em slogans, promessas superficiais, vagas de emprego ou as mais mesquinhas vantagens pessoais.

Essa situação leva à ascensão de lideranças demagógicas, que exploram a falta de informação da maioria para promover agendas que frequentemente desconsideram o bem-estar a curto e longo prazo do país – o que importa é a vitória eleitoral. A retórica simplista e as soluções imediatistas encontram terreno fértil em uma população que não está preparada para avaliar criticamente as propostas apresentadas.

O Império dos Interesses Imediatos

Outro aspecto problemático do voto popular é a tendência da maioria em priorizar seus interesses imediatos em detrimento das necessidades coletivas ou das consequências futuras de suas escolhas, comumente chamado de egoísmo individualista.

A democracia, em sua forma atual, incentiva os candidatos a prometerem benefícios de curto prazo para garantir o apoio eleitoral, mesmo que tais medidas sejam insustentáveis ou prejudiciais a longo prazo. Esse ciclo de promessas e concessões demagógico-apelativas resulta em uma governança que privilegia soluções enganosas, verdadeiras fraudes eleitorais, em vez de reformas estruturais necessárias ou – pior – cria verdadeiros monstros sociais, como a cultura “woke” identitarista.

Além disso, a dinâmica eleitoral frequentemente transforma o processo político em um concurso de popularidade, onde a capacidade de persuadir emocionalmente supera a competência ou a integridade. Como resultado, a liderança política é frequentemente ocupada por indivíduos que são mais habilidosos em manipular a opinião pública do que em governar eficazmente, tais como influencers do YouTube, pastores de igrejas ou mesmo apresentadores de programas de TV.

A Inclusão e a Justiça: Um Paradoxo

A democracia é frequentemente celebrada como o sistema mais inclusivo e justo, mas essa afirmação merece uma análise mais crítica. A inclusão de todas as vozes no processo decisório, embora louvável em teoria, também traz consigo sua completa contradição. Ao incluir indivíduos despreparados ou desinformados, o sistema democrático gera injustiças, uma vez que as decisões tomadas refletem mais as percepções equivocadas, idiossincrasias, taras, falhas de caráter ou os interesses mais imediatos da maioria, do que uma avaliação racional das necessidades coletivas. Mas quem pensa na coletividade? Se não há esta preocupação, toda a essência da democracia cai por terra a partir do próprio povo.

A tão propalada inclusão, desprovida de mecanismos que garantam a qualificação do debate, dos debatedores e do processo decisório, transforma a democracia em um sistema onde a quantidade prevalece sobre a qualidade. Assim, embora o propósito de inclusão seja digno de louvor, ele deveria ser equilibrado com a necessidade de assegurar que as decisões tomadas sejam informadas e justas – mas tal não ocorre.

A verdadeira justiça – bom lembrar aos demagogos – não reside apenas na participação universal, mas também na capacidade efetiva e real de promover o bem comum, de maneira palpável e equitativa.

A Ilusão da Igualdade Política

A ideia de que todos os votos possuem igual valor é frequentemente celebrada como um dos grandes triunfos da democracia. No entanto, essa igualdade formal mascara desigualdades substanciais em termos de conhecimento, capacidade de julgamento e impacto das decisões. Em uma sociedade onde a informação é distribuída de forma desigual, o voto universal pode perpetuar um sistema onde as decisões são tomadas com base em percepções equivocadas ou interesses restritos, em vez de considerações racionais e informadas.

Pré-requisitos para o Voto: Uma Questão de Justiça?

Diante das limitações do voto universal, surge a questão: seria justo exigir pré-requisitos para o direito ao voto? Essa ideia, embora controversa, merece uma análise aprofundada pois toca em princípios fundamentais de igualdade e justiça.

A imposição de critérios, como um nível mínimo de educação ou o cumprimento de testes de conhecimento básico sobre política e governança, poderia potencialmente elevar a qualidade das decisões coletivas. Eleitores mais informados estariam mais aptos a avaliar criticamente as propostas e a escolher representantes que realmente atendam aos interesses coletivos. Além disso, tais critérios poderiam incentivar a educação cívica, promovendo maior engajamento e responsabilidade por parte dos cidadãos.

No entanto, a implementação de pré-requisitos para o voto também levanta preocupações éticas e práticas. A primeira e mais óbvia é sobre quem determinaria os critérios? Como garantir que eles não sejam usados para excluir deliberadamente certos grupos sociais? A história mostra que medidas como testes de alfabetização foram, em alguns contextos, empregadas como ferramentas de discriminação, perpetuando desigualdades e privando comunidades marginalizadas de seus direitos políticos.

Além disso, exigir pré-requisitos para o voto pode criar um sistema que privilegia a elite educada em detrimento da maioria, reforçando divisões sociais e minando um suposto princípio de igualdade política.

É uma inverdade afirmar, portanto, que a justiça na democracia não residiria apenas na qualidade das decisões, mas também na inclusão de todas as vozes, independentemente de sua origem ou nível de instrução. O desafio, deste modo, seria encontrar um equilíbrio entre inclusão e competência – um verdadeiro “ovo de Colombo” e que jamais será solucionado a contento.

Pré-requisitos como Estímulo ao Aperfeiçoamento Individual

Uma nota ao final deste ensaio: apesar das preocupações éticas e práticas, é importante considerar que a exigência de pré-requisitos para o voto poderia servir como um poderoso estímulo para o aperfeiçoamento individual.

A perspectiva de adquirir o direito ao voto mediante o cumprimento de certos critérios poderia motivar os cidadãos a buscar maior conhecimento sobre política, economia e sociedade. Esse processo não apenas os qualificaria para participar de maneira mais consciente no processo eleitoral, mas também contribuiria para o fortalecimento da cidadania, do senso de responsabilidade coletiva e da capacidade individual em detectar, de imediato, discursos e promessas demagógicas dos eventuais candidatos ou ocupantes de cargos públicos.

A estagnação comodista, que caracteriza a relação de parte da população com os assuntos públicos, poderia ser desafiada por um sistema que recompense o esforço e o engajamento. Ao invés de excluir, tal abordagem poderia ser concebida como uma forma de inclusão meritocrática, onde o direito ao voto se tornaria um reflexo do compromisso do indivíduo com o bem comum. Essa dinâmica poderia criar uma sociedade mais informada e engajada, reduzindo a influência de lideranças demagógicas e promovendo um debate público mais qualificado.

Entretanto, para que essa ideia seja implementada de maneira justa, seria necessário garantir que todos os cidadãos tivessem acesso equitativo aos recursos educacionais e às oportunidades de se qualificarem. Sem essa base, o risco de perpetuar desigualdades sociais seria elevado, transformando uma proposta potencialmente benéfica em um instrumento de exclusão.

Conclusão

Embora a democracia baseada no voto popular seja frequentemente defendida como o modelo mais inclusivo e justo, é essencial reconhecer suas limitações. O peso igual conferido a todas as opiniões, independentemente do nível de conhecimento ou engajamento, pode comprometer a qualidade das decisões políticas e favorecer lideranças que exploram as fraquezas do sistema.

A discussão sobre a imposição de pré-requisitos para o voto revela a tensão entre os ideais de inclusão e a busca por decisões mais informadas e justas. Além disso, a ideia de que tais pré-requisitos poderiam estimular o aperfeiçoamento individual traz uma dimensão adicional ao debate, apontando para a possibilidade de uma sociedade mais engajada e consciente. Contudo, a implementação de qualquer mudança nesse sentido deve ser cuidadosamente planejada para evitar injustiças e promover um equilíbrio entre inclusão e competência. Uma reflexão crítica sobre essas questões é necessária para que possamos compreender os desafios inerentes à democracia e buscar formas de mitigar seus efeitos mais prejudiciais, sem, contudo, sugerir uma solução definitiva para o problema.

Em uma maioria de eleitores ignorantes decidindo os destinos de uma nação, podemos supor que este país é governado pelas escolhas dos imbecis.


Walter Biancardine



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