domingo, 31 de agosto de 2025

A EJACULAÇÃO PRECOCE DO CONSERVADORISMO -



Olavo de Carvalho dizia que a política não é o ponto de partida, mas o ponto de chegada. Antes dela, vem a cultura, o pensamento, o enraizamento de ideias numa sociedade que se reconheça nelas como em algo natural. A pressa de tomar atalhos sempre lhe pareceu ridícula. “Querem chegar por mágica, querem dominar o país sem terem dominado a sociedade civil. Isso nunca vai dar certo”, advertia. A lição é simples, mas continua sendo ignorada: sem uma base intelectual sólida, qualquer movimento que se apresente como conservador não passa de fumaça, destinada a desaparecer ao primeiro vento contrário.

Essa inversão de etapas foi, segundo ele, um dos erros mais graves cometidos pela direita brasileira nos últimos anos. O fenômeno Jair Bolsonaro despertou a vontade de aparecer nas urnas, precedendo o esforço de estudo, formação e reconquista dos espaços culturais. Daí nasceu uma geração de políticos improvisados, que se lançaram candidatos munidos apenas de slogans e ressentimentos, sem compreender minimamente as ideias que alegavam defender. A pressa produziu figuras de grande barulho e pouco conteúdo, incapazes de sustentar um debate de altura e, por isso mesmo, condenadas a sobreviver apenas pelo choque, pelo escândalo ou pela fidelidade cega de uma base já convertida.

Tão abissal foi este cenário que os mesmos “conservadores” entenderam que apenas buscando “a força do Estado”, a “força da lei”, teriam condições de mudar os rumos de um país sufocado por pensamentos esquerdistas de um “Estado forte”, que usa a força da lei para suas engenharias sociais. Sim, um vergonhoso contrassenso.

O resultado está à vista: em vez de uma direita robusta, capaz de disputar o imaginário cultural e político do país, o que se vê – na maior parte das vezes – são surtos de popularidade instantânea, carreiras meteóricas baseadas em frases feitas, guerra por curtidas e um festival de contradições.

A vitória fácil nas redes sociais substituiu o trabalho difícil de elaborar pensamento, de mergulhar em tradição, de enraizar valores duradouros e fazer com que o povo os assimile, apossando-se deles e julgando como seus – um trabalho de anos, que sistematicamente “pularam” em busca do imediato. A consequência é previsível: ao chegar ao Congresso, esse tipo de liderança improvisada revela-se rasa, contraditória e, muitas vezes, autodestrutiva.

O problema não está apenas nos candidatos apressados. Ele se repete hoje, principalmente, nos “influencers” que vendem conservadorismo como se fosse produto de prateleira. Transformam a indignação popular em moeda corrente, mas não oferecem substância. É a mesma lógica do espetáculo: audiência, dinheiro, prestígio. O risco, real em um pensamento hoje órfão de Olavo, é que a direita continue a ser conduzida por gente que repete frases sem saber o que significam, incapaz de sustentar uma reflexão, de propor algo além do barulho reativo. Ouvir esse tipo de voz é confiar o destino de uma tradição a vendedores de fumaça. E não há conservadorismo possível quando quem fala não sabe sequer o que conserva.

Mas há algo ainda pior, que se dissemina em todas as áreas formadoras do indivíduo – educacional, cultural, artística, midiática e até social: a completa ignorância que o cidadão comum tem, sobre a origem de seus pontos de vista, opiniões, conceitos, valores e princípios.

Olavo de Carvalho repetia, com a objetividade de carne crua que lhe era típica, que 99% dos brasileiros – políticos incluídos – não têm a menor noção da origem de suas próprias ideias. O que chamam de “pensamento independente” não passa, na realidade, de frases herdadas, transmitidas como slogans, já esvaziadas de contexto e referente concreto. Gente que se proclama “prática, de ação” nada mais faz do que reciclar conceitos já formulados, séculos antes, por filósofos que estavam muitos degraus acima, em inteligência e rigor.

Ele lembrava que todo o pensamento contemporâneo, de esquerda ou de direita, brota de matrizes claras, quase sempre esquecidas. Marx, Nietzsche, Hegel, Santo Tomás, Aristóteles: nomes que moldaram visões inteiras do mundo, mas que hoje são ignorados por quem, ironicamente, se gaba de originalidade. Essa ignorância produz a caricatura de uma vida intelectual: as pessoas se julgam livres, quando na verdade são escravas de ideias alheias que nem reconhecem.

Daí a miséria do debate público no Brasil: uma massa que repete, com ares de novidade, velhas fórmulas já digeridas, incapaz de perceber que nada do que diz lhe pertence de fato. É a orfandade cultural travestida de autenticidade – e nela se afoga tanto a política quanto o povo, que acredita estar “pensando por conta própria”.

E no meio deste povo incluímos, é claro, a atual classe política.

De qualquer viés.


Walter Biancardine



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