quinta-feira, 7 de agosto de 2025

MISSÃO OU SENTENÇA CUMPRIDA?

Tardiamente aprendemos que não há aquele que possa se gabar de já ter visto, experimentado ou vivido de tudo, conhecendo e prevendo o desenrolar dos acontecimentos e ostentando um ar blasé e superior diante das intempéries cotidianas.

Na verdade, nada sabemos. A vida – ou destino, para os deterministas – possui um infindável arsenal de surpresas, disfarces ou reviravoltas, dentre eles o poder de nos fazer entusiasmados diante de possibilidades oferecidas, justamente após concluirmos que mais nenhuma esperança possuímos – e caímos tal qual crianças ingênuas. E assim se deu comigo.

Os doze ou treze indivíduos que me seguem – grupo heterogêneo composto por estudiosos da psicanálise, familiares maldosos e um ou outro masoquista beberrão – bem sabem do oblívio por mim sofrido já há uns nove anos, cujo ponto mais profundo foram os anos exilados em uma cabana, cedida por piedade, na zona rural da cidade em que vivo e tendo por únicas companhias bois, vacas, meu saudoso cavalo Baião, meu cão Sr. Wilson e uma variedade de seres inconvenientes – sapos, ratos, porcos fugidos e até uma onça que por lá apareceu.

Foram anos em que eu, por pior que avaliasse minha situação, ainda assim desfrutava de uma curiosa “tranquilidade”, pois sabia que alcançara o degrau mais baixo da vida: sim, não havia mais para onde descer exceto marquises e acostamentos das estradas, todos já devidamente computados e previstos em meu plano de voo, sem escalas, rumo ao desaparecimento. Mas foi justamente neste momento, após anos de agonia e da certeza de não haverem mais esperanças, que a vida preparou mais uma troça para este arrogante que vos escreve – “eu já vi de tudo”, arrotava impávido.

Uma surpreendente sucessão, contínua e rápida, de boas novas começou a acontecer, e em questão de três ou quatro meses fui chamado para escrever para publicações prestigiadas bem como meus artigos foram descobertos por uma generosa pós-PhD em análise do discurso, que não apenas convidou-me para participar de palestras entre acadêmicos, no Rio de Janeiro, como igualmente contratou-me para ministrar aulas on line de filosofia – área em que confessava-se ainda deficiente. Para completar, circunstâncias da política brasileira aproximaram-me do CEO de uma emissora de TV, com toda uma conjuntura indicando que lá estaria meu futuro profissional e seria um verdadeiro ponto final em quase uma década de limbo profissional.

Sim, amigo leitor; eu caí como um patinho: aluguei uma pequena casinha, comprei um carro e acreditei – pecado capital para os ingênuos – que os dias de agonia haviam acabado; dali em diante seria uma nova vida, verdadeiro renascer e com a delícia de sentir-me “pertencente”, “incluído” novamente na sociedade como um ser útil e prestante, podendo almoçar, jantar, comprar cigarros e ainda – supremo luxo – botar gasolina no carro e tomar um chope com algum amigo.

Pois a vida, com sádica lentidão, aos poucos foi produzindo fatos e ocasiões onde fui, vagarosamente, “deixado de lado” – “encostado”, é o termo – nos planos e projetos os quais um dia, precipitada e ingenuamente, acreditei ser meu futuro. Mocinhas casadoiras, que outrora se deram conta de estarem, paulatinamente, cada vez mais distantes de seus eleitos, saberão perfeitamente a sensação que senti e a certeza a qual a vida me obrigou a ter. Sim, eu os coloquei em meu futuro – apenas eles não me colocaram nos seus respectivos. Ingratidão? Jogo sujo? Não, não dramatizemos: apenas assim é a vida corporativa, que aposta nos mais preparados e que possam oferecer retorno ao investimento feito.

Aliado ao progressivo e irreversível “esquecimento” corporativo, meus dias como professor on line de filosofia igualmente estão chegando ao fim, e a fonte secará por completo.

As providências práticas já estão sendo tomadas: o carro está à venda, não renovarei o aluguel da casinha e, neste exato momento, apenas coço a cabeça imaginando quem poderá desejar a pequena biblioteca que possuo – livros de Olavo de Carvalho, a Suma Teológica (todos os volumes, um presente que sou muito grato) e mais alguma coisa de Nietzsche, Jacques Maritain, Rui Barbosa, Goethe e outros – bem como ainda especulo o que farei com as ferramentas herdadas de meu pai e umas poucas e pequenas lembranças pessoais, de uma vida tão desastrada. O resto? Não há resto, apenas umas roupas cujo destino será o lixo ou doação para interessados.

Tardiamente aprendi que eu não sei de tudo, que “não vivi tudo” e que a vida é muito – muito – mais sabida e ardilosa que eu, não há como enganá-la. A única receita que posso imaginar é dar minha vida como “missão cumprida” – ou melhor, “sentença paga” – e me recolher, jamais acreditando novamente em boas notícias inesperadas ou reviravoltas surpreendentes.

Longe de ser um lamento, este artigo é apenas uma satisfação adiantada que dou aos doze ou treze leitores fiéis que possuo, sobre meu futuro silêncio. Sim, não há como reclamar ou maldizer uma vida a qual gastei, cuidadosa e deliberadamente, fazendo o contrário do que qualquer pessoa normal faria – não há culpados (no máximo, alguns parvos aproveitadores) nem circunstâncias desfavoráveis: o único responsável pelo sucesso ou fracasso de um indivíduo é ele próprio, e nisto se resume toda a sabedoria que podemos desejar.

O que farei no futuro?

Não tenho a menor ideia, nem vontade de pensar.

Cansaço, apenas cansaço. Sentença cumprida.



"O tempo, sádico, se vangloria de curar as feridas que ele mesmo não pára de causar"



Walter Biancardine



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