sexta-feira, 4 de abril de 2025

O PAÍS DO STATUS -


Não gastarei linhas discorrendo sobre as vaidades primárias de ostentar automóveis, jóias, roupas ou até mulheres cobiçadas coletivamente, pois tais futilidades apenas irritam mas em nada prejudicam minha vida. O que desejo comentar é algo muito pior, verdadeira mentalidade farsesca a imperar no universo acadêmico brasileiro, que apressa-se a nos tornar o país das fraudes - fraudes intelectuais, pura busca de status quo, compulsão pela arrogância e ostentação de títulos.

Lanço a pergunta: quantos de vocês já se deixaram impressionar, intimidar, convencer ou calar por alguém que - em agonia retórica - lançou mão da pútrida "carteirada" de dizer-se um "Doutor", um "Mestre" ou mesmo "Pós-Graduado" em qualquer coisa?

Creio que muitos sabem das minhas desventuras junto à esta comunidade intelectual, impermeável qual granito à ideias divergentes de suas "catilinárias do consenso doutrinário" e que rendeu-me incontáveis e ferozes discussões com os referidos e empolados "Ph.D's" - e, nas quais, todos perderam e não encontraram respostas (ou, muito menos, antíteses) aos meus argumentos.

Pois bem, tais linhas devem-se à minha educação de berço - e o que é do berço só a tumba tira - em não respondê-los com uma única pergunta, após a infalível "carteirada": " - O senhor é pós? Quem fez seu TCC?". Ou, prosseguindo, caso fosse um Mestre: " - Quem redigiu sua dissertação?" Ou pior, sendo um Ph.D: "Quem escreveu sua tese?" E o fim da linha, no pós-Doc: " - Pode me apresentar o autor de seu relatório?"

E onde quero chegar com isso? Para ser direto, à fraude, que impera no meio acadêmico brasileiro. Nenhum deles escreveu nada, redigiu nada, estudou nada. Completas nulidades, anafabetos funcionais a carregar, entretanto, pomposos diplomas e certificados que os autorizam a proferir platitudes como grandes novidades ou - para os mais ousados - absurdos cuja única função é chocar valores e princípios vigentes.

Tal tipo de estelionatário vale-se, normalmente, dos serviços de professores - em desespero financeiro - que prestam-se a desenvolver, em parte ou, pior, no todo, seus trabalhos que garantirão o novo e dourado "status" ambicionado.

Como um "Doutor" em filosofia pode não saber filosofar? Ou este elemento acredita que ter lido (porcamente) Foucault, Sartre e outros infelizes - pois Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Tomás de Aquino é demais para seu espectro doutrinário e espaço cerebral - faz deles "Professores Doutores"? Ler é uma coisa, saber nomes, datas e lugares pouco vale. O que eles jamais aprenderam é o "ato filosófico", a filosofia como método de pensamento, como - desculpem a redundância - "filosofia de vida"; isto não sabem e jamais aprenderam. E eu sei, Olavo de Carvalho me ensinou.

Passada a borrasca de meu tempestuoso contrato com a graciosa Doutora - esta sim, verdadeira "Ph.D", pois sabe e tem propriedade sobre o que fala, embora fraca filosoficamente e carecida de meu auxílio - creio poder falar com conhecimento de causa sobre meu assombro, ao ver-me em um país onde a "elite intelectual" resume-se a um punhado de fraudadores, cujos títulos foram obtidos às custas de abnegados anônimos, que precisavam pagar suas contas ao final do mês.

Esta é a "elite" do pensamento brasileiro? Que desconhece a própria cadeira que ocupa e, eventualmente, leciona? Que jamais mergulhou em noites insones de pesquisa e aprofundamento para escrever seus trabalhos?

Não à toa o Brasil não dispõe de trabalhos citados por nenhuma revista ou publicação científica de valor internacional. Não à toa os candidatos à pós-grado, por exemplo, precisam adequar seus temas às preferências de seus orientadores, pois os mesmos não querem se dar ao trabalho que algo "novo" poderia provocar - e a academia brasileira é avessa ao novo, à divergência, ao embate de ideias.

Que este desabafo seja meu manifesto público de desprezo por tal "elite" acadêmica, reles fraudadores, mentirosos primários e inaptos, mas com muita pose e, alguns, até mesmo com canais no YouTube.

E muita bajulação em torno, cargos vantajosos e dinheiro no bolso também.

Pois este sempre foi o objetivo primeiro de todos eles.


Walter Biancardine 



quarta-feira, 2 de abril de 2025

IMITAÇÃO, ATRASO E HORROR À VERDADE: UMA PAUSA PARA PENSAR -

 


Afirmar um deus único é confessar intolerância e aderir, quer se queira quer não, ao ideal teocrático. No plano mais geral, as doutrinas da Unidade pertencem ao mesmo espírito: mesmo quando utilizam ideias anti-religiosas, seguem o esquema formal da teocracia, se reduzem mesmo a uma teocracia secularizada. O proselitismo tirou grande partido dos sistemas "retrógrados", dos quais só rejeitou o conteúdo e as crenças, para melhor adotar o arcabouço lógico, a forma abstrata.”
(Emil Cioran)
O texto acima, uma proposição do filósofo romeno Emil Cioran, afirma que a crença em um deus único, longe de ser apenas uma questão teológica, carrega consigo uma estrutura de pensamento que conduz à intolerância e à teocracia. A ideia central é que qualquer doutrina que afirme uma única verdade absoluta (seja religiosa ou não) acaba seguindo um modelo autoritário semelhante ao da teocracia, ainda que de maneira secularizada.

Além disso, ele argumenta que os movimentos religiosos ou ideológicos frequentemente rejeitam somente os conteúdos tradicionais das crenças antigas, mas mantêm intacta sua estrutura lógica e sua tendência ao dogmatismo. Isso implica que mesmo os sistemas, supostamente laicos e “modernos” – ideologias – podem reproduzir idênticos mecanismos de dominação e intolerância das religiões monoteístas, que dizem superar.

Em resumo, o texto faz uma crítica às doutrinas de "Unidade" – tanto religiosas quanto seculares – por, segundo ele, perpetuarem uma lógica teocrática e autoritária, ainda que sob disfarces diferentes.


Trazendo razão ao atormentado Cioran -

O argumento apresentado contra o monoteísmo se baseia em uma confusão conceitual entre a unidade da verdade e a imposição autoritária. Defender um Deus único não significa aderir automaticamente à intolerância ou à teocracia, mas sim reconhecer uma ordem objetiva da realidade. Se há um Criador, há uma verdade última, e negar isso em nome de uma suposta pluralidade absoluta leva não à liberdade, mas descamba no relativismo total e, ironicamente, no caos intelectual e moral.

A acusação de que toda afirmação de unidade culmina em tirania ignora a distinção fundamental entre “verdade” e “poder”.


Verdade -

O cristianismo, e em especial a tradição católica, não impõe a fé pela força, mas a propõe pela razão (vide Santo Tomás de Aquino e tantos outros Doutores da Igreja) e pela revelação. A Igreja sempre distinguiu entre a ordem espiritual e a ordem temporal, reconhecendo a autonomia do poder civil. A própria história do Ocidente testemunha que as sociedades que mais floresceram em liberdade, ciência e cultura foram aquelas enraizadas no cristianismo, justamente porque compreenderam que a unidade da verdade não anula a essência da consciência individual.


Poder -

Afirmar que sistemas seculares herdaram a "forma lógica" da teocracia erra apenas no fato de atribuir ao cristianismo uma culpa que pertence, na verdade, ao espírito revolucionário moderno – o “plágio” descarado de Karl Marx por sua vez, pode e deve ser citado, justificando parte do título deste artigo, “Imitação e Atraso”.

Foram os sistemas ideológicos modernos – comunismo, fascismo e outros totalitarismos – que secularizaram um messianismo político, eliminando Deus para colocar no lugar o Estado ou o partido, sempre encarnados na figura de um único e todo-poderoso Líder. A fé católica sempre afirmou que a salvação não vem de um poder terreno, mas de Deus e, neste momento, cabe pequena digressão sobre a prova evidente desta imitação: o “culto à personalidade” dos sistemas comunistas e socialistas.


O culto à personalidade -

Nada mais é do que o velho espetáculo autoritário, em que um líder político é elevado à condição de figura messiânica, infalível, quase divina. Ele não apenas governa, mas se torna um símbolo absoluto da pátria, do partido e do futuro glorioso da revolução. A propaganda estatal o transforma em uma entidade acima do bem e do mal, incensada pela mídia oficial, pela educação doutrinária e pela cultura estatalizada. O resultado? Uma população doutrinada a venerar um indivíduo, como se ele fosse a encarnação do próprio destino nacional.

Essa prática foi emblemática em regimes como o de Stalin na União Soviética, Mao Tsé-Tung na China, Kim Il-Sung na Coreia do Norte, Fidel Castro em Cuba, entre outros. Fotos do líder em cada esquina, discursos eternos em rede nacional, crianças recitando suas máximas como orações, intelectuais bajulando suas "grandes obras" e qualquer crítica sendo tratada como traição. Não é à toa que a figura do "grande líder" é cercada por mitos absurdos: Stalin como gênio supremo da estratégia, Mao como sábio celestial e Kim Jong-il como “o cara que acertava hole-in-one” no golfe, toda vez que jogava. Sim, acreditem.

Na prática, esse culto serve a dois propósitos principais:

  1. Justificar a ditadura – Se o líder é um ser excepcional, quem poderia contestá-lo? A oposição é automaticamente inimiga do povo.

  2. Eliminar qualquer senso crítico – Se a verdade vem do líder, questioná-lo é questionar a própria realidade.

Os sistemas comunistas e socialistas se apoiam nesse mecanismo porque, sem ele, suas promessas utópicas desmoronam rapidamente. Quando a economia falha, a liberdade desaparece e o povo começa a perceber que a igualdade prometida nunca chega, a única saída do regime é criar um ídolo infalível para mascarar o desastre. Afinal, se o chefe é perfeito, qualquer problema só pode ser culpa de sabotadores, imperialistas ou traidores internos.

O culto à personalidade é um sintoma clássico do autoritarismo, não importa o rótulo ideológico. O comunismo, no entanto, o transformou em arte, usando-o como principal anestesia para manter o povo hipnotizado e submisso.


O “horror à verdade” -

Rejeitar a unidade em nome de um suposto pluralismo absoluto é abrir caminho para um mundo onde nenhuma verdade pode ser sustentada, e onde qualquer imposição – mesmo a do relativismo – se torna tirânica. Impossível ao homem de juízo temer a unidade da verdade mas deve, antes, celebrá-la, pois nela se encontra a harmonia da razão, da ordem e da liberdade autêntica.

A obsessão em rejeitar a verdade ou o absoluto origina-se de várias raízes, mas todas convergem para um problema essencial: a tentativa de libertar o pensamento de qualquer amarra, ainda que ao custo da própria razão.

Primeiro, há a rebeldia contra a tradição: desde Descartes, passando pelos empiristas e culminando nos pós-modernos, há um esforço constante para demolir qualquer estrutura conceitual herdada. O absoluto, sendo o sustentáculo das grandes civilizações e religiões, torna-se o alvo preferencial. E por quê? Porque admitir verdades universais significa reconhecer que há, sim, limites para a subjetividade humana; que existem princípios que não dependem da moda intelectual do momento e, para muitos, isso é intolerável.

Depois, há a influência do relativismo e do historicismo. Nietzsche, Heidegger e Foucault são as vedetes, verdadeiras “celebrities” dessa vertente, que encara a verdade como um produto histórico, um discurso de poder, uma construção social. É a velha máxima: “quem controla a verdade, controla o mundo”. Se a verdade não passa de um jogo de linguagem, então nada é fixo, tudo pode ser moldado conforme interesses de época. É uma maneira astuta de justificar ideologias sem precisar lidar com critérios objetivos – e certamente o amigo leitor já fez suas devidas analogias.

E, claro, não podemos ignorar a simples covardia intelectual. A verdade absoluta exige compromisso, esforço e até sacrifício. É muito mais fácil se refugiar no relativismo confortável, onde tudo é interpretável, tudo é fluido, nada precisa ser levado às últimas consequências. Assim, a academia moderna virou um grande baile de máscaras, onde cada um dança conforme a música da subjetividade, evitando o peso das grandes questões e, obviamente, seu compromisso com as mesmas.

Mas eis o problema: a verdade pode ser negada, contestada, relativizada, mas nunca extinta. O real se impõe. Pode-se passar séculos desconstruindo conceitos, mas, no fim das contas, a gravidade continua puxando para baixo, o tempo continua passando e os imbecis, coletivos ou não, continuam tropeçando na própria inconsistência. E desta sina o velho Emil não escapou.


Quem é, afinal, Emil Cioran?

O atormentado romeno é um daqueles pensadores que fascinam e, ao mesmo tempo, incomodam qualquer um que tenha uma visão de mundo sólida e bem enraizada, especialmente sob a ótica cristã e conservadora. Sua filosofia é marcada por um niilismo quase fanático (!), um desencanto absoluto com a existência e uma recusa categórica em aceitar qualquer sentido para a vida. Ele não apenas duvida, mas debocha de qualquer esperança, de qualquer fé, de qualquer estrutura que forneça ao homem um chão firme para pisar.

Ora, para um cristão, o que pode haver de mais contrário à verdade do que essa exaltação da desesperança? Cioran é um adversário direto da esperança cristã, da crença na redenção e da noção de Providência divina. Se para o cristianismo o sofrimento tem um propósito e pode ser santificado, para Cioran o sofrimento é um fardo inútil, um peso absurdo que nos foi lançado sem motivo. Ele despreza a cruz e vê na existência um erro, um acaso infeliz. Seu pessimismo radical o aproxima de Schopenhauer, meu parceiro alemão, mas sem a nobreza estética do germânico — Cioran é ácido, cínico e deliberadamente corrosivo.

Do ponto de vista conservador, há um problema ainda maior: Cioran não apenas rejeita a fé, mas também despreza qualquer tradição, qualquer laço com o passado que ofereça identidade e continuidade ao homem. Considero que seu pensamento seja um verdadeiro veneno para qualquer sociedade que deseje se manter de pé, porque, no fundo, ele prega um ceticismo absoluto, um desmoronamento de tudo o que mantém uma civilização unida. Se todo sentido é uma ilusão e toda convicção é um delírio, como pode uma cultura sobreviver? O conservadorismo se sustenta sobre a transmissão de valores e a fidelidade a princípios perenes, mas Cioran derrama ácido sulfúrico sobre qualquer pilar que se pretenda duradouro.

Ainda assim, há nele algo que não pode ser ignorado: a força de seu maldito estilo. Cioran não é um pensador sistemático, mas um infeliz mestre da aforística, um escritor de talento avassalador, para o mal ou para o bem – no caso, para o mal. Sua lucidez sombria fascina justamente porque toca em algo que todo homem experimenta em algum momento: a dúvida, o desencanto, o esgotamento espiritual. A leitura de Cioran pode servir como uma droga, alienando o pobre discípulo da realidade e conduzindo-o ao prazeiroso nada, justificador do fracasso pessoal de cada um, ou como exercício de imunização – uma espécie de vacina filosófica: ao contemplar o desespero em sua forma mais pura, o cristão pode reafirmar sua fé, e enxergar ainda mais claramente a necessidade de Deus e da graça.

Em suma, Cioran é um demolidor. Sua obra não constrói, apenas esfacela certezas. Para o cristão e o conservador, sua leitura deve ser feita com (muita) cautela, nunca como um guia, mas como um alerta. Ele nos mostra até onde pode chegar a alma que rejeita Deus e abandona qualquer laço com a transcendência.

No fim, Cioran não tem respostas — apenas um riso amargo diante do abismo.

Tal como muitos paisanos, nos dias atuais.



NOTA DO AUTOR: À título de correta mensuração de seus danos, cito alguns filósofos que foram, por ele, influenciados: Milan Kundera, Luiz Felipe Pondé, Fernando Savater – este último, objeto de recente artigo meu.



Walter Biancardine







terça-feira, 1 de abril de 2025

DOIS PONTOS -


1 – Se a Justiça está acima de todos os homens e instituições, quem a comanda certamente será algo como um vice-Deus – sim, porque alguém tem a palavra final na Justiça, e não é um grupo. A Justiça jamais poderá ser absoluta, e nossos destinos sempre estarão sujeitos às índoles alheias, tal como hoje. 

2 – Todo poder sempre é exercido por um só. Disfarçá-lo, diluí-lo como na democracia ou através de um "consenso" é apenas abrigar o verdadeiro poderoso das consequências de seus atos. Se está nas mãos de um só, que saibamos quem é, para que seja punido ou premiado, conforme seus feitos.

Com base em tais premissas, as quais creio serem por demais sonegadas, escondidas e abafadas para todos, analisemos:

O véu da Justiça, o fardo do Poder, destino e autoridade -

A estrutura da sociedade humana repousa sobre alicerces cimentados não só pela razão mas, também, pela tradição, instinto humano e necessidade de ordem. A partir da breve introdução que apresentei acima, duas verdades fundamentais emergem: a impossibilidade de uma Justiça absoluta e a inevitável centralização do poder. Essas constatações, ainda que incômodas para alguns idealistas ou para os eternos oportunistas, são a essência do realismo político e de uma prudência elementar.

A Justiça: mito ou instrumento?

A primeira proposição desafia um dos dogmas modernos: a crença em uma Justiça inatingível, impessoal e transcendente – os “Deuses do Olimpo”, como hoje vemos. A ilusão de que há uma entidade jurídica pura, acima dos homens, de suas misérias e paixões, é um delírio igualitário, um sonho utópico que não resiste à mínima análise histórica. O direito sempre foi, é e sempre será, uma manifestação da vontade de quem o exerce. E essa vontade, por sua vez, não é divina nem infalível, mas humana – demasiadamente humana, diria Nietzsche – sujeita a paixões, preconceitos e conveniências.

Aqueles que depositam sua fé em uma Justiça absoluta fazem-no por ignorância, desespero ou ingenuidade, esquecendo-se de que toda decisão judicial reflete, em última instância, a índole de quem julga – tal como nos “paredões” de um reality show, sabemos mais sobre quem assiste do que sobre quem participa do programa, tendo suas escolhas em vista. 

O código pode ser escrito com todas as tintas da imparcialidade, mas quem o aplica são homens, e os homens não são deuses – longe disso. A Justiça, portanto, não está acima da sociedade; está dentro dela, moldada por sua cultura, seus valores e – principalmente, como nos dias atuais – seus interesses.

Isso nos leva a um dilema central: se a Justiça não pode ser absoluta, tampouco pode ser neutra. Então, a quem serve? A resposta me parece clara: deveria servir à preservação da ordem e dos valores que sustentam a civilização, embora não seja o que hoje vemos. Se não há um critério transcendental para a Justiça (e o Estado é laico), resta-nos um critério histórico e moral: aquilo que garantiu a estabilidade ao longo do tempo deveria ser protegido, e aquilo que ameaça dissolver essa estabilidade deveria ser contido e, preferencialmente, banido.

O Poder: ilusão democrática e o regresso ao realismo -

A segunda proposição que apresentei desmonta outra ficção política moderna: a de que o poder pode ser verdadeiramente disperso. A democracia, o consenso e as supostas decisões coletivas não são mais do que disfarces para ocultar aquele que realmente governa. O poder, por sua própria natureza, é indivisível; pode ser ocultado, pode ser negociado, mas jamais desaparece ou se fraciona.

Ao longo da história, todas as civilizações compreenderam essa verdade: o rei, o imperador, o cônsul, o presidente — sempre há um, e um só. Mesmo sob sistemas que se apresentam como descentralizados, há um núcleo de comando, que obviamente tem um líder e conduz uma vontade decisiva, a impor rumos à sociedade. O perigo da ilusão democrática é que ela camufla essa liderança sob a névoa numérica – um “colegiado”, por exemplo – ou da burocracia e das instituições, tornando o governante invisível e, portanto, impune.

Melhor, então, que o poder seja reconhecido e personificado. Quando se sabe quem manda, pode-se responsabilizá-lo por suas ações, julgá-lo conforme seus méritos e, se necessário, removê-lo. O anonimato do comando — seja através de conselhos, comitês ou parlamentos — apenas permite que decisões desastrosas sejam tomadas sem que ninguém responda por elas.

Não devemos temer a autoridade. Pelo contrário, entendamos que ela é necessária e saudável, se e quando bem exercida. O verdadeiro problema não está no poder concentrado, mas no poder mascarado, livre para erros e abusos, sem maiores consequências.

Entre o realismo e a ilusão -

O que minha pequena introdução acima nos apresenta é uma visão realista da natureza humana e da organização social. A Justiça não é uma força etérea, pairando sobre os homens; ela é uma ferramenta do poder. E o poder é verbo, não é uma entidade difusa; ele sempre pertence a alguém. Reconhecer essas verdades é o primeiro passo para escapar das armadilhas ideológicas do mundo moderno, que prometem igualdade onde há hierarquia e liberdade onde há domínio.

Não nos iludamos com promessas de utopias jurídicas ou democracias perfeitas. Sabemos que a sociedade é feita de homens, e homens erram, manipulam, buscam vantagens. Portanto, melhor do que confiar em sistemas abstratos é reconhecer o jogo do poder como ele é e agir com prudência, sem ilusões.

Se há um soberano, que tenha rosto. Se há Justiça, que seja aplicada com consciência da sua limitação. 

E se há um destino, que este não seja entregue ao acaso, mas sim àqueles que têm a coragem de carregá-lo nos ombros.


Walter Biancardine