quarta-feira, 21 de agosto de 2024

CONFISSÕES INDECENTES -

 


Haveremos de concordar que a palavra “acostumar” é um verbo perigoso, e mais traiçoeiro torna-se a depender da ocasião em que é dito e, pior, por quem é utilizado.

O brasileiro médio se “acostumou” à criminalidade onipresente nas ruas; fulano pode comer baiacu pois já está “acostumado”, beltrana “acostumou” às surras que leva do marido ou mesmo sicrano está “acostumado” a subir no telhado. Tudo isso, mais que um jeito coloquial de falar, reflete a aceitação passiva de fatos inusitados ou, até mesmo, ilegais – e, de fato, nos “acostumamos” a ter o STF montado em nossos cangotes, controlando, regulando e impondo o que bem entender, de acordo com as onze Constituições vigentes naquela casa, em Brasília.

Quando o Ministro Luís Roberto Barroso afirma que “houve uma mudança no papel do STF nos últimos tempos”, ele não está mentindo: de fato – e bem o sabemos, em nossa própria pele – houve, só que, tal como as sentenças acima, nos “acostumamos” a isso e sequer pouco ligamos.

Fossemos menos bovinos e perguntaríamos quem mudou esse papel? Quem autorizou? Qual lei assim prevê e o permite?

Ninguém, essa é a verdade. Assim, tal declaração significa verdadeira confissão de culpa e admissão do reconhecimento daquela casa como um “Soviete Supremo”, um desvio inconstitucional de suas atribuições, a impor o arbítrio togado por sobre todo o país.

Barroso diz que “o judiciário deixou de ser um departamento técnico especializado e passou a ser um poder político” e isso nos leva a outra pergunta: quantos votos ele teve? Quem os elegeu para tal finalidade? Em último caso, indaguemos quando ocorreram tais eleições porque, eu ao menos, sequer tomei conhecimento ou ouvi propagandas eleitorais.

E então percebemos que o feio defeito de “acostumar” não contamina somente a nós, raia miúda: o mesmo infecta, igualmente, figuras de alto escalão como este senhor togado que, “acostumado” que está com o poder nas mãos, sequer enrubesce ao dar declarações como essa. Foram absurdas? Sim, foram, mas Barroso está “acostumado”… Reagiremos? Não, pois também estamos “acostumados” ao arbítrio, às ilegalidades e desvios de função, nesta gloriosa República.

O brasileiro se acostumou a acostumar-se.

Triste fim.


Walter Biancardine






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