sábado, 27 de dezembro de 2025

MÜNZENBERG: ENRIQUECEU COM A ESQUERDA E INSPIROU GRAMSCI –



Raros são os militantes, ideólogos ou mesmo intelectuais das redes sociais que conhecem – ou mesmo já ouviram falar – de Wilhelm Münzenberg (14 de agosto de 1889 – junho de 1940), ativista e editor comunista alemão que, antecedendo Antônio Gramsci, inventou a propaganda e métodos de controle mental comunista que perduram, eficazmente, até os dias de hoje.

Neste artigo, vamos fazer o que os acadêmicos raramente conseguem – pegar dois sujeitos aparentemente distintos e mostrar por que, no fundo, são frutos da mesma árvore política e psicológica.

Antonio Gramsci e Willi Münzenberg, à primeira vista, parecem viver em planos distintos: um, um teórico preso pelo fascismo, escrevendo sobre hegemonia e superestrutura; o outro, um apóstolo da propaganda comunista internacional, que construiu impérios midiáticos e organizacionais para a III Internacional. Mas se mergulharmos no âmago de suas carreiras – na luta pelo poder cultural e pela transformação revolucionária da sociedade – as semelhanças brilham como aço polido, sob a luz da razão.

1) Revolução não só como ato político, mas como guerra pela mente e pelo senso comum

Gramsci entendeu que o poder não se conquista apenas com exércitos, barricadas e insurreições – hegemonia cultural é a chave: a classe dominante não manda porque simplesmente manda; ela domina porque molda o senso comum, as instituições, a educação, a moral popular. Gramsci transformou o marxismo tradicional, que via o Estado apenas como máquina coercitiva, numa teoria de domínio pela cultura e pela ideia, um bloco hegemônico que une força e consentimento.

Münzenberg, por sua vez, não fez teoria abstrata; ele praticou o que Gramsci só formulou no cárcere. Tal qual um misto de Assis Chateaubriand germânico com a atual esquerda mundial, ele construiu verdadeiros impérios de mídia e organizações de fachada (frentes) – jornais, revistas, fundos, solidariedade internacional, filmes, campanhas de conscientização – com um objetivo claro: influenciar mentalidades, estruturar alianças e converter o mundo ao projeto comunista. Ele era, com todas as letras, um estrategista da luta pelo controle simbólico e cultural, antes mesmo dos intelectuais compreenderem isso como conceito.

Do ponto de vista gramsciano, o que Münzenberg fez é exatamente hegemonia em ato – não no nível abstrato dos Cadernos, mas no chão duro da prática política. Ele não escreveu tratados sobre hegemonia; ele criou redes que moldaram mentalidades, idolatraram causas, e forjaram consensos em massa.

2) Intelectual e militante: a fusão insuportável para os adversários

Gramsci foi perseguido pelo fascismo não apenas por ser comunista, mas porque sua obra revela a intimidade entre teoria e política – um intelectual que não se contenta em interpretar o mundo, mas quer transformá-lo. Este cidadão pensou Marx com Machado de Assis e Maquiavel, viu o trabalho ideológico por trás de cada movimento social e traduziu isso em estratégia revolucionária.

Já Münzenberg, ao contrário, abominava a pura teorização. Ele vivia no tablóide, no jornal, no panfleto, no filme – nas ruas da Europa e da América. Mas isso não o livra de uma função íntima à teoria gramsciana: ele era um intelectual prático, um produtor de sentido, o tipo de sujeito que Gramsci diria ser parte essencial da construção de uma nova ordem cultural.

Os dois – cada um no seu hemisfério – são testemunhas de que a guerra pelo poder é, antes de tudo, uma guerra pelo sentido e pelo controle da narrativa.

3) Organização, massa e o novo “Partido” (ou rede)

Gramsci inovou ao chamar o Partido de “moderno Príncipe”: uma instância que não age apenas como coesão burocrática, mas como centro de produção de cultura, moral e vontade coletiva.
Münzenberg operacionalizou essa ideia antes que fosse formalizada: ele fez do seu vasto aparato de jornais, filmes e frentes um núcleo ativo de direção política capaz de mobilizar milhões, muito além de células partidárias clássicas – e nesta observação não vai nenhuma referência desairosa ao controle total da mídia brasileira pela esquerda do Foro de São Paulo. Ele agiu no terreno que Gramsci definiu como essencial: sociedade civil e cultura popular – não limitando a política à mera relação com o Estado, mas por meio de redes que moldam opinião, sentimento e linguagem social.

Essa noção de “partido ampliado” – um organismo que se infiltra na cultura, não apenas na máquina estatal – é um ponto onde as trajetórias de Gramsci e Münzenberg se fundem como dois rios que correm para o mesmo mar.

4) Internacionalismo versus nacionalismo: dois caminhos para o mesmo objetivo

Gramsci escreveu de dentro da prisão italiana, pensando a revolução como um processo social complexo que precisava ganhar o mundo das ideias; ele não vivia o cosmopolitismo prático, mas compreendia estrategicamente que o marxismo só triunfa se dominar a cultura em cada contexto nacional.

Münzenberg via isso com os olhos abertos no campo global – ele era um agente direto da Internacional Comunista e acreditava que o socialismo precisava de solidariedade transnacional, mobilização planetária e imprensa internacional. Ele operou com frentes que iam de alívio a soviéticos famintos até campanhas contra o fascismo e o colonialismo. Se Gramsci formulou a estratégia, Münzenberg a implementou no mundo concreto.

5) O terreno comum: cultura como campo de batalha

O que une Gramsci e Münzenberg é muito simples e brutal: eles sabiam que a luta não era só pelo Estado ou pela fábrica, mas pela cultura, pelo sentido, pela narrativa – pelo que as pessoas acreditam ser natural, justo e verdadeiro, quase uma ideologização do bom senso, tal qual o positivismo fez aqui no Brasil.

Gramsci disse que o poder é integrado por coerção e consentimento; Münzenberg viveu isso, construindo consentimento em larga escala, combinando jornalismo, propaganda, solidariedade, arte, e narrativa política. E, quanto mais eles fizeram isso, mais deixaram claro que nenhuma revolução – ou contra-revolução – vence sem ganhar o campo simbólico da sociedade.
Conclusão

Gramsci é teoria pura de hegemonia; Münzenberg é prática pura de construção de hegemonia.
Gramsci pensa a revolução como guerrilha cultural; Münzenberg atua como general dessa guerrilha nas trincheiras da mídia e movimento.

O que os dois têm em comum não é simplesmente o marxismo, mas a crença radical de que o mundo político se conquista pela mente, antes de qualquer outra coisa.

Este artigo não é resenha, não é fichamento, não é aquele mingau “neutro” que tenta agradar a banca. É um cru diagnóstico de guerra cultural, que é exatamente onde Gramsci e Münzenberg se encontram – e onde muita gente finge não ver nada.

Assim, seguimos adiante.

O próximo passo segue em três direções: linha do tempo comparativa, mostrando como Münzenberg já fazia, na prática, aquilo que Gramsci só pôde formular teoricamente no cárcere – o que desmonta muita leitura ingênua.

As fraturas internas: onde Gramsci é mais sofisticado e onde Münzenberg escorrega no cinismo instrumental; e onde Münzenberg é eficaz e Gramsci, perigosamente idealista.

Atualização contemporânea: como esse modelo Gramsci-Münzenberg foi herdado pela esquerda pós-1968, pelas ONGs, pela mídia “humanitária”, pelo ativismo identitário e pelo jornalismo militante – inclusive no Brasil.

Comecemos pelo primeiro eixo: a linha do tempo comparativa – quando a prática precede a teoria.

Aqui está o ponto que desmonta noventa por cento das leituras acadêmicas: Münzenberg antecede Gramsci no terreno real da guerra cultural. Enquanto Gramsci ainda militava no Partido Comunista Italiano e só mais tarde, já preso, amadurecia sua reflexão sobre hegemonia, sociedade civil e consenso, Münzenberg já havia entendido – intuitiva e operacionalmente – que a revolução moderna não se vence com fuzis, mas com imagens, narrativas, causas morais e comoção emocional organizada.

Münzenberg começa sua atuação decisiva logo após a Revolução Russa, nos anos 1920. Ele cria jornais ilustrados, campanhas humanitárias, frentes culturais “apartidárias”, redes de intelectuais, artistas e jornalistas simpáticos ao comunismo – muitos deles sem jamais se declararem comunistas. Eis o ponto-chave: ele percebe que o militante explícito assusta; o humanista indignado convence. Isso é uma verdadeira benção para a hegemonia.

Gramsci, por sua vez, só formulará com precisão, nos Cadernos do Cárcere, a ideia de que a dominação moderna se exerce menos pela força direta e mais pela ocupação do senso comum, pela lenta pedagogia cultural que transforma ideias históricas em “evidências naturais”. Em termos cronológicos, portanto, Münzenberg faz primeiro, Gramsci entende depois.

Isso não diminui Gramsci; ao contrário, o engrandece. Ele é o cirurgião que explica o funcionamento do órgão que Münzenberg já vinha usando como arma. Mas o dado histórico é incômodo: a esquerda venceu culturalmente antes mesmo de saber explicar direito como o fez. Münzenberg é o laboratório vivo do gramscismo antes do nome.

Passemos ao segundo eixo: as fraturas internas – onde cada um falha, e por quê.

Gramsci é sofisticado, profundo, quase genial. Mas paga um preço: subestima o cinismo do poder real. Seu modelo de hegemonia ainda guarda uma esperança pedagógica – a ideia de que uma nova cultura produziria um novo homem, mais consciente, mais elevado, mais racional. Aqui ele ainda é herdeiro do iluminismo marxista, mesmo quando o critica. Há nele uma confiança excessiva de que a hegemonia pode ser moralmente superior, não apenas eficaz.

Münzenberg não sofre dessa ingenuidade. Ele entende cedo que a verdade é secundária, que o decisivo é a eficácia simbólica. Não importa se a causa é justa em si; importa se ela mobiliza afetos, gera culpa, cria adesão emocional, constrange o adversário. Aqui está sua força – e sua podridão.

E é exatamente aí que Münzenberg se perde. Seu modelo exige mentira sistemática, manipulação contínua e instrumentalização absoluta de pessoas e tragédias. Ele cria o protótipo do intelectual “útil”, mas descartável. Não por acaso, termina isolado, perseguido e eliminado pelo próprio sistema que ajudou a erguer. O método funciona, mas devora seus operadores – como todo demônio eficiente.

Em resumo:
– Gramsci pensa melhor do que o mundo real permite.
– Münzenberg opera melhor do que sua própria alma suporta, mesmo tendo se tornado um burguês milionário, objetivo último de todo esquerdista.

Os dois revelam, cada um à sua maneira, que a hegemonia cultural é eficaz, mas moralmente corrosiva – sobretudo quando desligada de qualquer noção de verdade objetiva.

Chegamos ao terceiro eixo: a atualização contemporânea – onde o cadáver ainda anda, e fede.
Aqui a coisa fica desconfortável, porque deixa de ser história e vira espelho.

O modelo Gramsci-Münzenberg não morreu; ele se institucionalizou. Pós-1968, a esquerda abandona de vez a tomada violenta do poder e investe tudo na cultura, na linguagem, na mídia, na educação, no entretenimento e nas causas morais difusas. Direitos humanos, ambientalismo, identitarismo, jornalismo “engajado”, ONGs, coletivos artísticos, universidades – tudo isso funciona como frentes ampliadas, exatamente no espírito münzenberguiano (perdoem), com verniz gramsciano.

O militante de hoje não carrega foice nem martelo; carrega indignação seletiva, vocabulário moralizante e uma aura de superioridade ética. Ele não diz “sou comunista”; diz “sou do bem”. Münzenberg sorriria no túmulo. Gramsci faria anotações.

No Brasil, então, o caso é quase didático. A hegemonia cultural foi construída não pelo debate aberto, mas pela ocupação lenta e persistente de redações, departamentos universitários, editoras, escolas, produtoras culturais e tribunais simbólicos da opinião pública. Quem controla a narrativa não precisa ganhar eleição – ganha o imaginário, e o resto vem por inércia ou constrangimento.

E aqui vai a conclusão última e óbvia, sem anestesia: quem não entendeu Gramsci e Münzenberg, não entendeu por que a direita perde mesmo quando vence.

Gramsci fornece o mapa.
Münzenberg testa o terreno.
A esquerda aprende.
A direita, até hoje, finge que é coincidência.



Walter Biancardine
Suzana Souza (Su Su)



quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

NANA NATAL -

 


Pai do céu, 

Pai Noel,

Protege em seus braços 

Quem tanta dor já sofreu;

Livrai do mal que viveu,

Soltai esses laços, 

Derramai o seu mel.


Traga um presente,

Nos dê sorridente,

Em seu amor que não cobra;

Acolhe no colo,

Raízes no solo,

E a vida desdobra

Nessa noite tão quente.


E se Noel não existe

O sonho insiste,

Pois o céu nos abriga;

Ressona em meu peito,

O mal é desfeito,

O amor já nos liga

E Deus nos assiste.


Walter Biancardine 




terça-feira, 23 de dezembro de 2025

NATAL COM UM AMIGO -


Nunca fui referência para ninguém; toda a minha vida sempre foi estranha e contraditória e mesmo tantos anos frequentando redes sociais - os quais acabaram por situar-me como um "conservador" aos olhos alheios - jamais conseguiram aprisionar meu monstro interior em rótulos, embalagens e definições, as quais apenas tornam todo o universo que habita a alma humana em um porco e simplório estereótipo.

Onde um conservador - dos atuais, daqueles que postam no Instagram e estão a apenas um degrau abaixo da santidade do padre Pio de Pietrelcina - se embebedaria até cair desmaiado, em casa? Onde um legítimo guardião da moral e dos bons costumes espiaria, sedento, a bunda de sua linda amada em qualquer descuido que ela desse, mesmo não sendo ainda casado com ela? Em que hipótese apocalíptica este conservador - bastião da correção de atitudes - jamais teria oferecido uma "merreca" pro guarda liberar seu carro com IPVA atrasado?

Sim, esta coisa imunda, abominável, falha e quase inviável - também chamada de "ser humano médio" - sou eu, e por isso o cotidiano hipócrita da "direita conservadora" (essa, a do Instagram) tem me enojado e forçado a conclusão de que a mesma é apenas uma esquerda com sinal trocado.

Se a esquerda tem papagaios que apenas repetem slogans e palavras de ordem, os "conservadores de Instagram" são capazes de repetir artigos, textos ou até videos inteiros, como fossem de sua autoria. Repetem ad nauseam temas que já passaram, se detém em factóides que são, claramente, "false flags" - a sandália Hawaiana é um deles, pois enquanto todos repetiam opiniões alheias, ninguém comentou a sobretaxa de 30% de imposto em bebidas alcoólicas (o "Imposto do Pecado", aprovado pelos deputados Federais) ou a nova lei que invalida a CNH de devedores.

E então chega o Natal, data que a vida já se encarregou - com soberba competência - de retirar todo o significado para mim e transformou a Noite Feliz em um enorme e empoeirado galpão de lembranças inúteis. Olho para o que fiz, no inevitável balanço de fim de ano, e descubro que passei uma vida lutando contra o inimigo errado: soubesse eu o que sei hoje e jamais teria desperdiçado tanto tempo lutando contra ideologias, quando o maior problema é a falta de caráter dominante.
E me sento no sofá.

Quis o bom Deus que eu tivesse ao menos um amigo fiel, o bom e velho Jack, e com ele me consolasse de tais desvios do destino.

Sim, Jack - o Daniel's - é um bom sujeito: me dá a liberdade de falar o que sequer sabia que poderia, me deixa à vontade para me perder em galanteios chorosos pela amada que não me quer, me faz esquecer uma lenda chamada dinheiro - sim, em minha vida é lenda - e me dá a coragem necessária para dizer um amplo, sonoro e corajoso "dane-se" para todas as minhas dívidas, minhas lutas inglórias, minhas asneiras olímpicas e toda a ampla coleção de equívocos que me tornaram isso que sou: alguém que chamam de "conservador" mas não passa de imundo pecador.

Sim, pois não tenho estofo d'alma para preencher os requisitos morais do conservadorismo do Instagram.

Resta-me eu, o amigo Jack e uma boa ressaca no dia 25.

Feliz Natal a todos!


Walter Biancardine


quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

ME ENTERRE SEM PERMISSÃO -



Não deixe flores em minha tumba,

Não traga coral nem carpideira imunda, 

Sem discurso de amigo ou mesmo oração, 

Só me deixe na terra que me fez.


Não sou a soma de suas rezas,

Não sou nem o tipo que tu prezas, 

Segui na estrada fechando a mão, 

Sem perguntar ao fazer outra vez.


Não peça licença para me enterrar,

Não encomende minha alma de novo,

Fiz as pazes com a ferrugem e o pecado,

Sem roupas melhores para o homem que fui.


Sem verdades na lápide, nem última olhada,

Só deixe o silêncio me puxar,

Não deixei uma última edição, 

Me enterre sem permissão. 


A cova não pergunta quem trai, 

Nem se importa com dívidas, 

Sete palmos abaixo, nenhum favor me deve,

Ela só guarda o que o tempo vai apagar.


Me enterre sem permissão, sem padre ou contrição, 

Me xingue de nomes ou cuspa o meu,

Mas não finja que começo de novo,

Sem mãos postas ou palavras bonitas.


Ganhei o direito ao bem e ao mal,

Não é nenhuma superstição, 

Apenas me enterre

Sem esperar permissão.


Walter Biancardine



segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

BERCEUSE POUR NANA -


Nana neném, meu bem,
o mundo é rude - eu sei -
mas nada te alcança além
do abraço que te dei.

Nana, neném e flor leve,
que a noite não te assombra;
se algum temor se atreve,
eu o calo antes da sombra.

Dorme sem peso, enfim,
que eu guardo o que te falta;
se o mal vier contra ti,
em mim se sobressalta.

Dorme, amor meu, Nana assim,
tranquila, mansa, serena;
pois tudo em mim diz por mim
que te amar é a minha pena -
e a minha alegria também.


Walter Biancardine


domingo, 7 de dezembro de 2025

NÃO ME IMPORTO MAIS


Me importava com o que diziam,

Escondi meus demônios, usei máscaras,

Interpretei um papel

Mas hoje mostro coração e trevas


Não quero aplausos ou paz,

Vim para quebrar, não para agradar,

O mundo não ama o que o sol mostra

Já não me importo mais


Já não me importo mais,

Largo o caminho, deixo bater,

Não peço, não imploro,

Só não desisto, só não minto


Que você peça, que você reze,

Nada adianta, não vou mudar,

Porque isso é quem sou

Já não me importo mais


Perdi tempo em tentar ser,

Perdi amores tentando,

Mas agora durmo à noite

Já não me importo mais


Já não me importo mais,

Deixo o passado queimar onde está,

Não planejo, não reescrevo,

Só a fumaça e um copo gelado


Diga do meu frio, me chame de cruel,

Não tenho professor ou provas,

Deixei de ser um garoto,

Já não me importo mais


Se a paz vier em correntes,

Que venha o peso, que venha o fogo

E a bola de ferro,

Já não me importo mais


Hoje sei quem sou,

Sem redenção ou carinhos,

Só a verdade na poeira da estrada,

A tempestade que arde


Você é calma e eu a fúria,

Você é doce, eu nunca nasci,

Mantenha suas regras, as suas vergonhas,

Já não me importo mais.


Walter Biancardine


NOTA: Apesar de quase autobiográfica, esta letra foi inspirada em uma canção Blues, postada no canal Titan Chord



sábado, 22 de novembro de 2025

DESVIVENDO BOLSONARO -


Entendam: toda e qualquer manifestação contra a pornográfica atitude do psicopata Alexandre "22" de Moraes, que quer matar Jair Bolsonaro e executa seus planos na frente de todos, é dirigida aos ainda jovens, aos que estão no auge de sua saúde física e mental e dispõem de braços e pernas vigorosos, pois de nada vai adiantar fazermos passeatas pacíficas - com muitas fotos para o Instagram e levando crianças e cachorrinhos para depois irmos à churrascaria - quando está evidente que a única linguagem entendida pelo psicopata é a mesma que ele utiliza: a dor, o sofrimento físico e mental, e é isso que deve ser inflingido ao mesmo.

Não se acovarde atrás da desculpa de "precisamos pressionar o Congresso" pois, se o mesmo quisesse, já teria feito algo bem mais contundente: a deposição do Presidente da casa e, logo após, de meia dúzia de Ministros do STF. Alegar que eles tem "rabos presos na Corte" também é desculpa, pois seria suficiente votar leis extinguindo o foro privilegiado - e se nada fazem, é por conveniência e amor ao dinheiro.

Estamos todos presos, hipnotizados pela dinâmica de um ditador psicopata que se vale do estado de choque em que os poucos conscientes se encontram para estuprá-los com 22 centímetros de desaforos, violações, deboches e arbítrios diariamente, pouco se importando com retaliações externas - ele confia muito mais em sua turma, que inclui George Soros, Cartel de Los Soles, Foro de São Paulo, FARC e o tráfico mundial de drogas (sustentáculo da Nova Ordem Mundial) do que teme quaisquer atitudes de um Presidente que ele sabe ser temporário: Donald Trump.

E as nossas outrora amadas e respeitadas Forças Armadas - Braço Forte, "Mão Amiga" - é um remédio que, além de inerte e apenas agravador do problema, já tem seu Alto Comando devidamente comprado e bem pago pela ditadura comuno-narco-globalista que nos escraviza.

A solução - distante, vaga, hipotética - é a nossa juventude, eu repito. Estamos em guerra, trata-se de aberrante estado de legítima defesa contra assassinos de Brasília e que somente através de suor, testosterona e sacrifício poderemos ter alguma chance de sobrevivermos, como país e como seres humanos com filhos para criar.

Nada se pode oferecer aos jovens, além das palavras de Winston Churchill, diante da igualmente doentia ação de Hitler: apenas "Sangue, Suor e Lágrimas".

Você que é jovem, salve seu país. Salve sua família. Salve a si mesmo.



Walter Biancardine



sexta-feira, 21 de novembro de 2025

O FEIJÃO E O SONHO DE JUNG -


Aos que insistem em me acompanhar e ler os desvairios que escrevo, faço o convite: sente-se, pegue um café, acenda o cigarro da desistência temporária e deixe-me falar dessa mania antiga do ser humano – mais especificamente, este que vos escreve – de procurar sentido nas engrenagens invisíveis do mundo e, sempre e sempre, acabar tropeçando nelas. Carl Jung chamou isso de sincronicidade; eu chamo de tapas metafísicos que a vida dá quando percebe que estou distraído demais com minhas próprias ruínas.

Jung via coincidências significativas tal como janelas rachadas do inconsciente, onde a realidade lá fora resolve combinar com a cena interna aqui dentro. Um passarinho que bate no vidro no exato momento em que você decide abandonar alguém ou um amigo – para os que ainda os tem – que liga no instante em que você está prestes a jogar tudo no lixo. Seriam pequenos recados que o universo deixa cair, como quem solta um bilhete amassado no chão de um bar.

Os arquétipos entram aí como velhos fantasmas familiares, aqueles tipos universais que moram no porão da alma. O herói, o velho sábio, a mãe terrível, o inimigo invejoso – não importa o país ou o século, eles estão sempre vivos, esperando uma brecha para se manifestarem. E quando se manifestam, fazem isso com uma elegância sombria que só as sombras bem treinadas possuem. Podemos ver uma cena banal, mas ela parece repetir uma história que já vivemos em outra época, com outros rostos. Pois é, a vida parece adorar brincar de eco.

O problema é que nós – você, eu e toda essa humanidade cansada – somos péssimos leitores desse teatro simbólico. Eu, em particular, tenho essa crônica cegueira seletiva: percebo sempre tarde demais o que estava escancarado na minha frente desde o começo. Não por burrice – espero – mas por excesso de confiança em minha própria lucidez. O que é irônico, claro. A lucidez, muitas vezes, é só um tipo sofisticado de cegueira.

Os sinais? Eles aparecem como tudo o que é importante aparece: no silêncio, na repetição, naquilo que parece banal demais para ser notado. Eles passam pela nossa vida como os cachorros caramelo da rua – latem, roncam, mordem seu tornozelo. Normalmente apenas xingamos mas, em momentos de especial elevação, até podemos nos perguntar: “Será que isso significa algo?”

Jung, coitado, tentava mapear o labirinto, enquanto eu tento sobreviver andando em linha reta. A vida, porém, é interesseira: quer que a gente se perca um pouco, quer que tropecemos num símbolo qualquer só para aprender que não estamos no comando. E cada vez que ignoramos essas coincidências gritantes, é como virar as costas para um espelho que insiste em mostrar algo que não queremos admitir.

No fundo, sincronicidade é isso: a realidade tentando conversar conosco depois de ter perdido a paciência. E eu, como um bom tradicionalista teimoso, continuo achando que consigo decifrar tudo pela razão pura – enquanto os sinais passam, assoviam, fazem piada e seguem seu caminho.

Mas não devemos nos culpar demais, pois até o próprio Jung também errava a leitura. Na verdade, o mundo é igual a um analista financeiro medíocre: manda mensagens cifradas e a gente só entende quando já perdeu o trem, a vez, a chance. E mesmo assim, seguimos procurando sentido, porque desistir seria simples demais – e meu destino em particular, esse velho alcoólatra Bukowskiano, adora complicar.

A verdade amarga está servida mas - eis a tentação mórbida - podemos descer mais fundo nesse poço, onde Jung tenta acender fósforos e o citado Bukowski ri do vento.

A tal sincronicidade, no fundo, é só o universo perdendo a paciência com gente que vive no automático – e eu conheço bem esse tipo: durmo sem sonhar, acordo sem ouvir, ando sem perceber. E essa ausência de sonhos não é um mérito racional, como alguns gostam de fingir; é um sintoma. É o inconsciente fechando a porta na minha cara, porque não sei mais bater.

Quem – tal como eu – não sonha, torna-se analfabeto do próprio mistério. Fica dependendo de coincidências tão grotescas, tão teatralmente óbvias, que parecem escritas por um dramaturgo bêbado. E mesmo assim hesita, coça o queixo, calcula, duvida – porque o cético demais é, convenhamos, sempre aquele sujeito que não quer admitir que o mundo é maior que suas certezas.

Jung dizia que a alma manda sinais como quem deixa migalhas no chão. Mas o homem sem sonhos – esse sujeito seco por dentro, endurecido pela mania de lucidez – só percebe os farelos quando pisa neles e escuta o estalo. Antes disso? Nada. Anda no escuro achando que é luz, e se ousam falar em símbolos, ele franze a testa como quem tenta entender um esquerdista explicando o mundo.

O arquétipo pode passar na frente dele vestido com neon, tocando trombone, e ainda assim ele diz: “Deve ser coincidência.” Conversa fiada: coincidência é o nome chique que damos àquilo que não queremos interpretar.

O problema desse tipo de ceticismo é que ele não protege; ele mutila. A pessoa acha que está acima da superstição, quando na verdade está abaixo da percepção. Vira uma espécie de analista da própria miséria, incapaz de ver quando a vida grita. E grita alto: um rosto que retorna, um padrão que se repete, um gesto que dói duas vezes do mesmo jeito, um acontecimento que se encaixa no outro como engrenagens velhas.

Mas o sujeito cético demais – e eu conheço esse espelho melhor do que gostaria – precisa que a coincidência seja tão absurda que quase o agrida. Algo tão escancarado que até um asno místico compreenderia. Só aí ele recua, coça o queixo, e murmura: “Estranho…”.

Estranho nada. É o inconsciente, cansado de esperar, me pegando pelo colarinho.

E quanto aos sonhos? Os sonhos são o correio noturno da alma. Quando eles fogem, é porque você deixou a caixa de correio trancada por dentro. O sujeito que não sonha – eu – é alguém que perdeu o hábito de conversar consigo mesmo, apesar de toda a introspecção solitária. Assim, durmo como um burocrata em coma, a alma tenta falar mas sempre encontra uma porta emperrada, uma ferrugem antiga, um silêncio duro.

E esse silêncio cria uma cegueira específica: não é a falta de visão; é a falta de interpretação. Você até vê o mundo, mas não vê o que ele tenta lhe mostrar. Vê o acontecido, mas não vê o significado. É como olhar para um relâmpago e não perceber a tempestade.

A vida, então e quando temos sorte, joga pesado. Manda coincidências gigantes, dessas que fariam um ateu suspirar. Mas eu – e aqui escrevo como necessária autocrítica que mereço – tenho esse hábito de só acreditar quando o absurdo bate na minha cara com um porrete. Só aí percebo que algo estava falando comigo há meses, anos talvez. E percebo tarde, sempre tarde.

A sincronicidade, no fundo, é o universo nos dizendo:

“Eu tentei ser sutil, mas você é cabeça dura.”

E respondemos, com aquele humor cansado que só os teimosos têm:

“Pois é… manda de novo, mas manda mais forte.”


Abandonando meus lamentos e adotando um ponto de vista mais técnico, psicológico, podemos resumir assim:

A sincronicidade, segundo Jung, refere-se a coincidências significativas que não têm relação causal, mas revelam paralelos entre estados internos e eventos externos. Elas funcionam como manifestações do inconsciente coletivo, que se expressa por meio de arquétipos – padrões universais de percepção e comportamento.

A incapacidade de perceber esses sinais costuma estar ligada a uma rigidez psíquica: excesso de racionalização, ceticismo defensivo e dificuldade de acessar conteúdos inconscientes. A ausência de sonhos é um indicador disso. Sonhar é um dos principais mecanismos de comunicação entre inconsciente e consciência; quando essa via está bloqueada, os conteúdos simbólicos perdem sua porta de entrada.

Sem essa ponte, a pessoa tende a interpretar apenas o literal e o imediato, falhando em reconhecer padrões simbólicos, repetições e coincidências significativas. Assim, arquétipos e sinais acabam percebidos apenas quando se tornam extremamente explícitos – quando a psique, por saturação, força a percepção consciente.

Em suma: baixa atividade onírica, ceticismo excessivo e hiper-racionalidade criam uma “cegueira simbólica” que dificulta a leitura de coincidências e padrões arquétipos, obrigando o inconsciente a se manifestar de modos cada vez mais intensos para ser reconhecido.

E isso é tudo o que tenho a dizer sobre coincidências.

Nada mais quero, com elas.


Walter Biancardine



quinta-feira, 20 de novembro de 2025

“PODERIA TER SIDO” NÃO SUSTENTA UMA VIDA -


Não é novidade para a meia dúzia de almas que me seguem o fato de eu sempre ter sido alguém com uma quase mórbida fixação no passado. Já escrevi artigos, ensaios e mesmo um livro, cujo tema central era a fixação do protagonista com os dias idos, onde ele imaginava terem sido melhores e que, tivesse agido de outra forma, o presente seria diferente e bom.


Não vejo problemas em apreciar antiguidades, automóveis vintage, músicas de outras décadas – até porque as atuais não merecem assim serem classificadas – e demais apetrechos da rotina de outrora. Uma pessoa que não valoriza aquilo de bom que já foi feito não possui base para julgar o que lhe é oferecido nos dias atuais, e assim, satisfaz-se com qualquer coisa.

A preocupação começa quando começamos a achar os dias passados – memórias, em suma – melhores do que a árdua tarefa de viver o presente, e isso pode se configurar em verdadeira patologia, a depender do grau atingido.

Pois esta patologia atinge seu grau máximo quando gastamos os dias que Deus nos deu a lamentar por amores perdidos – na verdade, perdido está quem assim age, pois sofre de uma dor que se condenou a não mais parar de sentir. “E se eu não tivesse feito isso?” Ou “e se eu houvesse agido diferente?” E esta é uma sentença que pode ser perpétua, se o condenado não enxergar que – não importam as causas – o amor se foi e nada mais pode ser feito.

Sim, todo amor que acaba é triste e um luto deve ser cumprido, mas tal resguardo não pode se transformar em um museu de sentimentos, no qual estaremos servindo como meros visitantes das obras ali expostas – posso ver, mas não tocar. Isso é torpe, cruel ainda que autoimposto, e deve ter um fim no mais breve tempo possível. Gastar uma vida entre lamentos e saudades é condenar-se à estagnação e, queiramos ou não, os dias passam.

Falar é fácil, entretanto. Para alguém como eu, que reconhece a própria doença, torna-se quase um cinismo – a apostasia dos mal amados, como já escrevi. Mas gastei décadas de minha vida entre fracassos e lembranças, poucos anos me restam e não pretendo gastá-los na ante sala de um museu.

Também escrevi, em um arroubo de raiva, que sinto saudades apenas de quem ainda não conheci – mas logo caí em mim e confessei ser a saudade mais dolorosa a que sentia de mim mesmo, de minha inocência e ilusões. Pois que esta última seja jogada no lixo – sou o que sou, um amontoado de defeitos e qualidades e não vou mais me importar com isso.

Que me reste a saudade de quem não conheço – e Deus sabe o esforço que faço por este otimismo.

Um novo dia sempre vem.

Há de vir.


Walter Biancardine


domingo, 16 de novembro de 2025

CADA VEZ MENOS JORNALISTA -


Primeiro veio o cansaço após um dia de trabalho duro, e deixei para escrever de noite.
Depois veio a falta de internet, que durou até agora há pouco, e deixei para escrever de tarde.
Agora a tarde chegou e nada quero escrever, mesmo com um Brasil em chamas e a vergonha de comemorarmos um golpe de Estado que depôs um Imperador amado, tudo por culpa de chifres remoídos e recalcados.

Não, nada quero escrever. O ímpeto jornalístico está cada vez mais fraco, em proporção direta aos meus naufrágios pessoais - e isto, profissionalmente, é péssimo: como confiar em alguém assim? E os prazos? E o sempre explosivo factual das matérias? E o leitor?

Me sinto cada vez menos jornalista e cada vez mais mergulhado no egoísmo do escritor, a trabalhar somente sob o tacão das musas ou das desventuras, tudo isso como corolário de um enorme e narcísico ego que viciou-se a usar a escrita como divã de analista. E isso é inviável, intragável e - pior - inaproveitável, editorialmente falando.

Neste momento não quero escrever. Aliás, sequer desejo existir. Todo meu desejo se resume a possuir um botão "on/off" para desligar ou, ao menos, um "reboot" que reinicie meu coração, que salve minha alma, que me conceda a redenção.

Desejo ou redenção?

Para mim, o livro que escreví - "Pretérito Perfeito" - quase me pareceu uma profecia que se cumpria, mas creio que meus poderes mediúnicos sempre foram abaixo da média - e, por mais que parecesse, tudo se resumiu a nada. Apenas a pergunta - desejo ou redenção - permanece, por mais que me doa ter julgado encontrar ambos em uma só alma.

Mas não somos donos da alma de ninguém - eu, sequer da minha - e nenhuma vontade tenho de fazer jornalismo.

O antigo iceberg derreteu.

E manchou a cama.


Walter Biancardine



quinta-feira, 6 de novembro de 2025


Escrevi que Deus não usa relógio. Tentei até explicar amores. Muita gente não entendeu. Eu não me entendi. Muitos não sabem. Eu também não - mas sou teimoso.

Por isso piso, repiso, bato no mesmo prego e esmurro a mesma ponta de faca.
Eu tento.

O AMOR, O RELÓGIO E ALGUM TROCADO PRA DAR GARANTIA -
Muito já se disse sobre o amor, mas quase tudo foi ruído de ferida. Poetas o cantaram, santos o ofereceram, filósofos o desconfiaram – e no fim ninguém saiu ileso. Porque o amor, quando é verdadeiro, não é um sentimento: é uma ferida aberta por onde o eterno tenta entrar.

Amar é sempre sofrer um pouco – não por castigo, mas por grandeza. Só o que ultrapassa os limites da carne pode doer assim. O amor é o peso do infinito sobre um coração finito.

Santo Agostinho, que sabia mais de lágrimas do que de definições, dizia que “amamos para não morrer”. E estava certo: o amor é a recusa da morte. É o protesto do espírito contra o relógio. Todo amante, no fundo, quer que o instante dure para sempre – e é por isso que ele se desespera.

Mas Deus, com sua ironia amorosa, fez o tempo para ensinar-nos a esperar. E é aí que o amor se torna mais divino: quando aprende a ser paciente sem deixar de arder.

As almas certas nem sempre se encontram na hora certa. Às vezes o amor chega tarde, como uma bênção fora de sincronia. Um está preso a deveres, o outro a feridas; um está pronto, o outro já cansado. E o mundo, cruelmente pontual, fecha as portas que o coração abriu.

Não é tragédia – é liturgia. O amor humano é sacramento imperfeito do Amor divino: contém a forma da eternidade, mas dentro de um vaso que se quebra. E cada desencontro é um lembrete de que o Céu ainda não começou.

Pascal escreveu que “o coração tem razões que a razão ignora”.
Talvez a razão do amor seja justamente essa ignorância: amar é aceitar o mistério de não entender, e ainda assim permanecer.

C.S. Lewis via no amor a escola da renúncia: não para sufocar o desejo, mas para purificá-lo. Ele dizia que o amor só é pleno quando suporta o risco da perda.
E esse é o ponto em que o humano se toca com o divino – quando amamos não para possuir, mas para servir, para permanecer mesmo na ausência.

Há quem diga que o amor é só uma ilusão biológica. Pobre ilusão essa, que atravessa séculos, destrói impérios e consola moribundos.

Rilke, que sabia das solidões humanas, dizia que amar é “guardar o outro no coração como uma tarefa”. E é isso: uma tarefa. Sagrada, cansativa, luminosa.
O amor não é um consolo, é convocação.
Não é uma pausa na vida, é o próprio campo de batalha onde alma e tempo duelam pelo direito de permanecer.

Deus não nos quer anestesiados de felicidade, mas maduros de esperança.
E maturidade, neste mundo, é saber sofrer com elegância, sem se embrutecer.
Porque o cinismo é a apostasia dos que amaram mal.

No fim, o amor é a pedagogia mais sublime da perda. Ensina-nos a morrer um pouco a cada dia – e ainda assim agradecer pela vida.
Chorar é rezar com os olhos.

E o amor, mesmo quando falha, não é um fracasso – é um ensaio da eternidade.
Que ele doa, sim. Mas que doa como um coração crescendo.


O AMOR TEM SEDE DE SANGUE -
O amor entrou no quarto com botas de chuva, pisou o tapete da inocência e estourou o vidro da janela. Se vestia de riso, trouxe a cicuta, o sono leve e o pensamento pesado.

Você quis um alguém para sempre – imbecil de fé – que veio como espelho quebrado, te refletindo mil vezes e devolvendo metade com cortes, com sangue e rotina.

Sussurrou juras de amor e você engoliu, sorrindo, sem ver o limo da promessa.

E você virou mesa posta, prato servido, a comida que gosta – e o garfo tremeu antes do brinde.

Porque amar é isso: domar o fogo com as mãos nuas, servir a ceia e ter sede no meio da festa.

O amor dói quando nos joga na cara: imortais só quando sonhamos – e quando a chama apaga, sobra a fuligem da pele desejada, só as gotas da vela fumegante são testemunhas.
Se deite no colo, encontre abrigo, e acorde no abismo da própria ausência.
Sangue escorre, não só da carne, mas da alma que se jurou indestrutível.

O tempo é carrasco e amante, vestido de sonho, fez ar condicionado no inferno, cantou “amor, amor” e fechou a porta.
Almas certas chegam tarde – uma tombou, outra foi embora. Uma traz o alforje, a outra os grilhões.
E o amor humano, esse pobre idólatra, sempre perde contra o relógio.

Mas eu digo verdades, o amor vale mesmo assim. Vale porque é o bom combate, vale porque, no fim, sobreviver ao amor não é fugir da dor – é dançar com ela, olhar nos olhos e dizer: “sou teu espelho quebrado, ainda assim me refaço”.

Então sim: o amor tem sede de sangue, que só se sacia na febre.

O amor bebe ternura – e no fel, na ferida, encontra-se o resíduo de divino: todo amor que hover nessa vida.

Porque amar é morrer todos os dias, querer levantar para o café da manhã com o outro.

E algum trocado, pra dar garantia.


Walter Biancardine


quarta-feira, 5 de novembro de 2025

DEUS NÃO USA RELÓGIO -


I – O tempo que não passa em Deus
Deus não usa relógio.
Essa frase, dita ao acaso, soa como consolo de beato – mas é, na verdade, um abismo metafísico.
O homem mede tudo em horas; Deus, em essências.
O que para nós é demora, para Ele é medida justa. O que chamamos de acaso, Ele chama de providência.

Santo Tomás de Aquino, na Summa Theologica (I, q.10, a.1), define a eternidade como “posse total, simultânea e perfeita da vida sem fim”.
A eternidade, portanto, não é tempo estendido ao infinito; é ausência de tempo.
Deus, sendo ato puro, não “espera” nada, pois já contém em Si toda a plenitude do ser.
Mas nós esperamos.

E nesse hiato entre o eterno e o temporal se instala a tragédia humana.
Deus traça o fio da providência sobre uma tapeçaria que só vemos pelo avesso: nós enxergamos o nó, Ele vê o desenho.

II – A lentidão divina e a pressa humana
Deus governa o tempo sem ser governado por ele – e isso fere a alma moderna, que só sabe amar o que é instantâneo, imediato, bom para sair no Instagram.

Vivemos sob o tirano tique-taque da urgência metabolizada pelo vício em dopamina cibernética. Queremos promessas com prazo de entrega, bênçãos com data de validade, amores sem espera.

Nosso drama é exigir que o eterno se comporte como um aplicativo, bastando clicar e obter.
Mas a Providência, ensina Santo Agostinho, é uma pedagogia e Ela não se apressa, eis que o tempo é uma ferramenta educativa. Em Confissões (XI, 13), o bispo de Hipona escreve:

“O que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo a quem me pergunta, já não sei.”

Eis o espanto de quem compreende que o tempo é o lugar da nossa ignorância.


A eternidade, para nós, é incomunicável; só a sentimos em lampejos – na oração, no amor, na arte, no arrependimento. E Deus nos educa por meio desses mesmos lampejos: ora atrasando, ora adiantando, suspendendo o relógio, até que o coração aprenda o ritmo certo.

III – O descompasso das bênçãos tardias
Quantas vezes o homem recebe tarde demais aquilo que mais desejou?
A oportunidade que chega depois da juventude, o reconhecimento quando o vigor já secou, o amor quando o corpo já cansou – é a maldição do “tarde demais”, que tantos tomam por crueldade divina.

Mas talvez não seja crueldade – talvez seja uma forma superior de justiça.
Santo Tomás de Aquino, ao tratar da providência (Summa contra Gentiles, III, 94), explica que Deus permite certos males aparentes para um bem maior, invisível a quem sofre, pois a alma que recebe tarde aprende a desejar corretamente. O atraso pode educar o coração e fazê-lo desapegar-se do tempo, desejando o que é permanente.

E, se quisermos ser francos, o contrário também é verdadeiro: quantos foram destruídos por receber cedo demais o que pediram? A bênção adiantada costuma se tornar veneno e o tempo, portanto, não seria castigo e, sim, cura. Mais lógico concluir que Deus não se atrasa; nós é que nos adiantamos.

IV – O relógio do amor: desencontros e ironias
Eis o ponto mais cruel e mais humano deste mistério: o amor e seus desencontros.
Se o tempo divino não obedece ao nosso, o amor se torna a mais delicada vítima do descompasso.

Chegam tarde as almas certas. Encontram-se, por vezes, quando já não podem se possuir. Um está casado, o outro velho, um livre demais, o outro ferido demais. Parece ironia, mas é estrutura da realidade: o amor humano é sujeito ao tempo, e o tempo é servo de Deus.

Em O Banquete, Platão já intuía que o amor é um desejo de eternidade: amamos para vencer o tempo, para dar permanência ao que perece. Mas o amor humano, sendo sombra do Amor divino, sempre será condenado à frustração.

E o que chamamos de “amor impossível” seria, na verdade, um lembrete: a eternidade ainda não começou.

Dante, ao ver Beatriz na Vita Nuova, compreendeu que o amor é teofania – um lampejo do eterno.

Mas Deus, que nos permite o relâmpago, nos nega o raio contínuo. O amor é sagrado justamente porque é passageiro e, se dura, é porque aprendeu a morrer todos os dias – sem reclamar da hora.

No extremo oposto, meu velho conhecido Bukowski, esse santo bêbado de Los Angeles, dizia:

“O amor é uma névoa que queima na primeira luz da realidade.”


Ele tinha razão a seu modo: quando o amor se prende ao relógio, evapora. E a única maneira de amar de verdade é aceitar o tempo como campo de batalha – e não como juiz.
Os desencontros amorosos são, portanto, uma espécie de provação divina: um treino de eternidade.

Deus nos deixa perder o que mais amamos para que aprendamos a amá-Lo acima de tudo.
É um sadismo pedagógico, sim, mas é também o único modo de purificar o amor humano de sua idolatria.

O tempo, aqui, é o bisturi da alma: corta para curar.
E sempre deveremos saber que o verdadeiro amor deve saber morrer todos os dias pelo ser amado, dentro do cruel campo de batalha de nossas vidas.

V — A pedagogia da perda
Agostinho chora por Mônica, Jó por seus filhos, e nós por nossas oportunidades mortas, mas o pranto, na economia divina, é argumento.
Chorar é rezar com os olhos.

As perdas temporais – inclusive as amorosas – são o sórdido material que Deus usa para fabricar o ouro da eternidade de nossa alma. É ruim, é péssimo – mas é bom.
A bênção tardia, vista de fora, parece punição, mas vista de dentro, é convite à purificação.
Deus não nos quer felizes apenas: quer-nos maduros.
E maturidade, neste vale de lágrimas, é saber perder sem se tornar cínico – ou um arremedo de Bukowski.

Há um tipo de graça que só floresce sobre a ruína: os santos chamam isso de felix culpa – a “culpa feliz”. A falha, o desencontro, o tempo perdido – tudo pode ser transformado em matéria de redenção. O atraso divino, assim, é a oportunidade de descobrir que a vida não é um cronograma que obedece ao nosso script, mas sim uma provação contínua.

VI – O relógio e a cruz
A cruz é o grande relógio de Deus.
Nela, a eternidade e o tempo se cruzam literalmente – uma haste vertical e outra horizontal.
No alto, o eterno; na base, o instante – e Cristo é o ponto onde Deus se deixa medir em horas.
Três horas de agonia: o tempo entrou em Deus.
Desde então, nenhuma espera é absurda, nenhum atraso é vão.
Deus se atrasou três dias para ressuscitar – e mudou o conceito de “tarde demais”, para os atentos.

Por isso, quando um homem diz “já não há tempo”, o céu sorri com ironia: há sempre tempo, pois há a eternidade por detrás.
Mas a eternidade, sendo o inverso da pressa, exige paciência.
E a paciência é a virtude mais humilhante, porque obriga o orgulho a esperar – todos sabemos disso por experiências próprias, não é preciso ensinar.

VII – Quando o relógio para
Deus não usa relógio porque não precisa medir o que já possui.
Nós, sim, precisamos – porque ainda não somos o que devemos ser.
A diferença entre o tempo divino e o humano é, em última análise, a diferença entre o ser e o vir a ser.
Deus é.
Nós, estamos sendo.

E enquanto estivermos sendo, o relógio baterá – não como inimigo, mas como lembrete: há um sentido a cumprir.

Quando o último segundo cair, e o tempo se dissolver na eternidade, compreenderemos que cada bênção tardia era um sinal do cuidado perfeito – e cada desencontro amoroso, uma lição de desapego, eis que o “tarde demais” já não existe.

Até lá, meu humilde conselho é bastante simples: ore, trabalhe, ame sem cronômetro, e desconfie dos relógios demais certos – eles mentem mais que o diabo.

Porque o diabo obedece o tempo, é pontual – e Deus, nunca. Pois é o dono dele.


Walter Biancardine

PEQUENOS COMENTÁRIOS SOBRE A IDIOTICE : É RIR PARA NÃO CHORAR -


Se há algo que salta aos olhos logo em uma primeira e infeliz visão é a feiúra - não a feiúra genética, pois esta é aleatória e meu próprio aspecto não me deixa muito à vontade para comentar - mas a feiúra proposital, deliberada, buscada com o objetivo de agredir a todos em volta: é a agressão pela agressão, a ofensa visual, o choque, o escândalo estético.

A pobre coitada é feia, e sabe disso. Talvez tenha sido essa a origem de todas as suas patologias mentais. Isso posto e sentindo-se plenamente justificada por uma ideologia que promove sua feiúra como virtude, tratou de piorar o que já era péssimo: cabelos cor de água de salsicha, um par de óculos que - propositalmente - fazem seus olhos parecerem desalinhados e tortos e ainda reforça tal danação visual esbugalhando estes mesmo olhos, grandes de natureza, de forma a demonstrarem explicitamente toda a sua ira contra a beleza, acompanhados pelo esgar de sua boca babada de raiva. A pobre é um aborto estético e uma ofensa ameaçadora em suas intenções. Funcionou, portanto.

Uma vez explanado todo o tormento visual da pobre, passemos ao pior: os claros sinais de demência - ou entorpecimento artificial - que este escombro humano exibe em suas falas, exemplificadas pelos recortes da fotografia que ilustra este ensaio sobre a feiúra e frustração.

1 - "Os policiais não precisam ficar ostentando um fuzil. Isso tem baixo rendimento criminal"

Vamos por partes: "ostentar um fuzil". Ok, mas os traficantes também os "ostentam", e de uma forma muito mais explícita e ameaçadora, desfilando em bondes armados pelas ruas das favelas e dando tiros à esmo para o alto, até em comemoração por um simples gol de seu time. Eles podem, mas os policiais não. É isso que esta dismórfica quer dizer?

A outra parte: "Isso tem baixo rendimento criminal". Quanto a tal frase, só posso atribuir semelhante disparate ao uso de drogas ou simples demência senil. O que é um "baixo rendimento criminal"? Os policiais são criminosos e os fuzis seriam sua "ferramenta de trabalho", agora por ela definidos como de "baixo rendimento"? Ou que os tais fuzis, simplesmente e mais de acordo com a doentia ideologia que habita as trevas de sua cabeça, seriam apenas algo que "não funcionam contra o crime"? Talvez esta última esteja mais de acordo, eis que a mesma doente advoga o uso de pedras - ao melhor estilo da Lei Sharia muçulmana - para combater hordas de traficantes armados até com bazucas anti-aéreas.

2 - "O criminoso com um fuzil na mão é facilmente rendido por uma pistola". Tal afirmação mostra claramente que mesmo a mais empedernida esquerdista assistiu, quando jovem, os filmes policiais norte-americanos, onde o herói assim fazia e obtinha êxito. Sim, pois somente em produções de Hollywood ou no total e absurdo desconhecimento - isso para não falar da falta de senso lógico - de quaisquer questões sobre Segurança Pública alguém poderia proferir tamanho disparate. Cabe notar que, mesmo assim, a TV a apresentou como alguém apta a opinar sobre a Segurança Pública do Rio de Janeiro, e até do Brasil como um todo.

3 - "Enquanto ele (o traficante) tá tentando levantar o fuzil, alguém já o derrubou com uma pedra". Sim, o leitor não compreendeu errado: ela disse isso. "Tentando levantar o fuzil"? quantos quilos esta imbecil pensa que pesa uma arma desta? Uns 50, 60 quilos? E pior: "alguém já o derrubou com uma pedra". Meu Deus, então as indústrias bélicas no mundo inteiro gastam milhões de dólares com armas que podem ser facilmente neutralizadas por um calhau nas fuças? Isso significa que poderemos ter, em breve, a obrigatoriedade do "Porte de Pedras"? Caminhões basculantes terão de ser acompanhados por escolta militar? Pedreiras serão área de segurança máxima? Ou é simplesmente uma tosca felação aos xiitas muçulmanos que ela tanto admira e que já executaram milhares de mulheres, gays e loucos como ela, à base de linchamento por pedradas? Sim, amigos. O caso é de hospício, mas foi à TV como referência em Segurança Pública!

4 - "E sobre os drones, drone é apenas um brinquedo que você usa e ele quebra". Não há muito o que comentar sobre isso, até pela exaustão que a demência incensada pela grande mídia me provoca. Apenas fico pensando na perda de tempo que tantos exércitos recentemente sofreram, ao bombardearem cidades inteiras, matarem civis e militares - mas tudo isso com um "brinquedo que vc usa e ele quebra". Encerro este apenas declarando minha piedade por tal criatura, a qual certamente valeu-se de "brinquedos que vc usa e ele quebra" em seus momentos de mais profunda e íntima solidão, causada pelas escolhas de vida que adotou.

Arrisco dizer que é de tal frustração que nasceu este conceito.

Não vá o amigo leitor me julgar por escrever laudas e laudas sobre uma demente, que deveria estar internada em um manicômio. Apenas devolvo, na mesma moeda, o tanto de tempo e importância que a grande mídia usou para tentar nos obrigar a levar a demência como ponto de referência na formação de nossas opiniões.

Sim, a grande mídia tem certeza que somos completamente idiotas.

Tal como a louca entrevistada.


Walter Biancardine

terça-feira, 4 de novembro de 2025

A FOTO DIZ TUDO -

 


Não à toa Alexandre de Moraes aparece caminhando à frente do Governador do Rio de Janeiro nas fotografias: ele quer mostrar que é a autoridade, o líder, o poderoso que veio impor seus arbítrios - e também sua sociedade com o crime organizado - a todo um Estado da Federação, pois quem manda neste país é ele.

Moraes tem um ego doentio; é um megalômano com traços claros de psicopatia, ainda agravada por sua escolha pessoal - livre arbítrio - em enveredar pelo caminho mais fácil e lucrativo do crime. Basta ver suas antigas fotos, ainda jovem acadêmico de Direito, que o contraste se evidencia: olhar inocente, bobo até. E pouco me custa supor que, vitimado ao longo da vida por inúmeros gracejos e zoações de colegas, tais brincadeiras tenham acionado o gatilho psicopático de pretender ser Rei. Sim, um rei, nada menos que isso.

O acaso andou longe de suas escolhas ao longo da vida, até mesmo no esporte que diz praticar, o Jiu-Jitsu: quer ser forte, temido e obedecido. Sua vaidade colossal impulsionou-o a ser o falso autor de inúmeros livros acadêmicos, escritos por algum bem remunerado ghost-writer - e não digo isso em vão, pois um verdadeiro autor fala tal qual lemos em seus livros, e o vocabulário de Moraes, pessoalmente, é completamente primário.

Coroando tal doentio e entumescido ego, permitiu-se recentemente ser fotografado em um ensaio que talvez sequer a Realeza Britânica tenha jamais se submetido - sim, pois ele é Deus.

Alexandre de Moraes é o pior dos loucos: é o louco perigoso, cruel, sádico, primário e estúpido, cujo baixo QI o impede, sequer, de considerar um comportamento mais moderado que até o ajudaria, em sua senda criminosa.

Mas ele, além de louco, é vaidoso.

E a vaidade é o pecado predileto do diabo.


Walter Biancardine


A TORMENTA É BELA QUANDO ESCRITA, NÃO QUANDO VIVIDA -


Todo aquele que possui uma sensibilidade ligeramente mais apurada pode encontrar beleza e, talvez, até mesmo lições ao ler os escritos de um atormentado. A aflição nos despe da vergonha, do pudor, e passamos a exorcizar de forma pública - eis que ao redor nada ou ninguém resta - os fantasmas que perseguem nossa alma.

Sim, a depender do talento e sensibilidade do atormentado, realmente poderemos colher algumas preciosidades, entre os escombros daquilo que o pobre infeliz chama de "vida" e na qual desfilam procissões de sofrimentos, dúvidas, aflições, frustrações e angústias. Tais hemorragias - causadas por fraturas expostas de sua alma - eventualmente nos oferecem lições, conselhos ou mesmo servem como tema de meditações mais pessoais e profundas, naquele buraco infinito que todos temos na alma, mas a ninguém confessamos.

Eis que é bom e belo lê-lo; jamais queira vivê-lo, entretanto.

Dores não podem ser compartilhadas nem sentidas por outrem - a empatia tem um cada vez mais curto limite - e tudo o que o infeliz escritor faz não é reclamar e, sim, extravasar. Quem reclama busca solução, mas quem desabafa já desistiu das mesmas há tempos e tudo o que faz é escrever - escrever para não explodir, rabiscar linhas como se o papel fosse lixeira, a vomitar tudo o que de pior tal alma carrega dentro de si.

E esta é a necessidade de escrever: ou escrevo ou explôdo, e isso se torna claro em simples contabilidade bibliográfica que façam sobre minha pessoa, onde textos personalíssimos, intimistas - ainda que temperados pela inevitável filosofia adotada como modus vivendi - são muito mais numerosos que análises políticas, ensaios filosóficos ou mesmo os velhos e divertidos (ao menos para mim) textos onde me entregava, sem pudores, à mais escrachada gaiatice.

Haverão alguns, temerários, que eventualmente apreciarão as linhas deste velho atormentado - o qual gasta dias se irmanando aos inomináveis Bukowski ou Schoppenhauer - e, por isso, me honrem seguindo-me. À eles, agradeço do fundo de meu coração, pois ouvir (ou ler) lamentos alheios é a suprema solidariedade, limitado que estamos às redes sociais. Mas deixo, entretanto, um conselho que considero valiosíssimo: tormentos alheios podem ser-nos úteis ou até soarem belos, mas nem em seus piores pesadelos queiram romantizar a situação deste escriba e, porventura, vivê-los.

Ser escritor, ter tal defeito como profissão - piorada pela minha formação jornalística - já é uma condenação à pobreza e frustração, e as tempestades que varrem minha cabeça ainda tornam tal sina vocacional ainda mais empedrada. Por isso, principalmente em um país como o Brasil, não percam tempo ou gastem neurônios no caminho das letras.

Elas nada significam numa terra de emojis.


Walter Biancardine