Ainda sem entender as razões que me levaram a dar este artigo como publicado sem que assim o tenha feito, apresso-me a pedir desculpas ao leitor e apresentá-lo, ainda que descompassado de outro texto meu, que fazia referência a este que ora apresento. Vamos ao mesmo.
"O pós-modernismo rejeita a ideia do erudito solitário nascido do Iluminismo.”
“A perda da cosmovisão moderna assinala o fim do mundo objetivo do projeto iluminista.”
“O pós-modernismo desafia a descrição definitiva (trata-se de uma revolução no conhecimento).”
“No centro do pós-modernismo há a negação da realidade de um mundo unificado como objeto de nossa percepção."
(Fernando Savater)
Os trechos acima sintetizam a essência do pensamento pós-moderno, uma corrente que, a meu ver, não passa de um desmonte irresponsável e temerário dos pilares da civilização ocidental. A rejeição ao erudito solitário não é apenas uma afronta ao Iluminismo – por danoso que tenha sido – mas um ataque à própria ideia de genialidade e excelência individual, este é o punctus dolens. Ao negar a centralidade do erudito e da razão, o pós-modernismo nega também a meritocracia e a longa tradição intelectual que moldou o Ocidente, substituindo-a por uma visão de conhecimento fragmentado e subjetivo, onde o saber se torna um mosaico de perspectivas desconectadas da verdade objetiva.
A perda da "cosmovisão moderna" não é um avanço, mas um retrocesso à fragmentação do pensamento que citei, onde cada grupo constrói sua própria narrativa desprovida de qualquer compromisso com a verdade objetiva. Esse relativismo corrosivo mina as bases da ciência, da história e da moral, instaurando uma nova ordem na qual não há critérios para distinguir o verdadeiro do falso, o justo do injusto. Um pensamento filosófico sóbrio, por outro lado, sempre sustentará que o conhecimento é um esforço de continuidade, um processo cumulativo de descoberta e refinamento da verdade, e não um jogo arbitrário – e quiçá ideológico – de desconstrução.
O pós-modernismo, ao desafiar a "descrição definitiva" da realidade, não promove uma revolução no conhecimento mas, isto sim, um colapso da própria ideia de saber. A negação de um mundo unificado como objeto de nossa percepção é a abdicação da razão enquanto instrumento de compreensão da ordem natural. Se tudo é relativo, se não há um mundo objetivo a ser conhecido, então a cultura, a ciência e a moral tornam-se meros instrumentos de dominação ou de interesses políticos momentâneos. Em outras palavras, a verdade deixa de ser uma busca genuína para se tornar uma construção ideológica e artificialmente manipulada, a confirmar minhas suspeitas expostas no parágrafo anterior.
Savater, embora não seja um pós-moderno radical, não escapa completamente dessa influência. Sua inclinação para um relativismo moderado o impede de sustentar uma defesa sólida da verdade objetiva e dos valores perenes. Flerta descaradamente com a dissolução do conhecimento em uma multiplicidade de perspectivas, o que, aos meus olhos conservadores, mina qualquer tentativa genuína de restaurar a ordem e a estabilidade intelectual. Se o conhecimento não pode ser estruturado em princípios fixos e universais, então tudo se dissolve no caos da subjetividade absoluta, e a civilização perde seu referencial sólido – intencionalmente ou não.
É meu dever rejeitar esse caminho, pois entendo que o progresso verdadeiro ocorre dentro de uma estrutura estável e ordenada, na qual o saber se enraíza na experiência e na tradição. A valorização da verdade objetiva, da hierarquia do conhecimento e do respeito às grandes obras do passado são princípios inegociáveis para manter a sanidade intelectual e moral da sociedade. O pós-modernismo, ao contrário, quer destruir essa ordem em nome de uma suposta libertação, mas o resultado inevitável dessa destruição é o colapso da cultura e a ascensão da ignorância travestida de pluralidade.
Quem é Fernando Savater: suas limitações -
Fernando Savater tornou-se um nome relevante no cenário filosófico contemporâneo, sendo um pensador que se equilibra entre a razão iluminista e um certo relativismo moderno, nenhum dos dois predicados sendo algo recomendável. Suas ideias são frequentemente associadas à liberdade individual e ao humanismo, mas também apresentam ambiguidades que merecem uma análise crítica. Nestas linhas, pretendo tornar possível a identificação de eventuais contribuições válidas em sua obra, ao mesmo tempo que aponto suas limitações e contradições.
1. Defesa da educação e da razão -
Uma virtude do pensamento de Savater, reconheçamos, é sua defesa intransigente da educação como elemento fundamental para a civilização. Ele critica a decadência do ensino moderno e o crescente analfabetismo funcional, argumentando que a escola deve oferecer uma formação sólida baseada no pensamento crítico e na cultura clássica. Essa perspectiva se aproxima da visão conservadora, que enxerga a educação como um processo de transmissão de valores e conhecimento acumulado, e não como um simples experimento social guiado por modismos ideológicos.
2. Oposição ao fanatismo e ao totalitarismo -
Savater sempre se posicionou contra formas autoritárias de pensamento, sejam elas políticas ou religiosas. Ele rejeita o dogmatismo e valoriza a liberdade dentro de um sistema democrático. Ainda que sua abordagem tenha um viés liberal, essa postura encontra ressonância na visão conservadora, que também preza pela liberdade, desde que ancorada em valores morais e institucionais estáveis. O perigo, no entanto, reside na inegável tendência de Savater a adotar uma concepção de liberdade excessivamente desvinculada de deveres e responsabilidades.
3. Valorização do humanismo clássico -
Outro ponto positivo de sua filosofia é a valorização do humanismo clássico. Ele resgata pensadores como Sócrates, Montaigne e Kant, promovendo a reflexão filosófica baseada em questionamento e raciocínio crítico. Essa abordagem, quando não deturpada por relativismos excessivos, pode se alinhar a um pensamento conservador que preza pela continuidade do conhecimento e da cultura ao longo das gerações – caberá a cada leitor decidir se existem ou não os “relativismos excessivos” citados acima.
4. Defesa do individualismo (com ressalvas) -
Savater enxerga o indivíduo como o centro da vida social e filosófica. Seu pensamento defende a autonomia do sujeito contra imposições externas, uma visão que, em certa medida, se alinha ao conservadorismo liberal. No entanto, essa perspectiva se torna perigosa ao desconsiderar a importância das tradições, das instituições e do senso de pertencimento que estruturam uma sociedade funcional. O conservadorismo não nega a importância da liberdade individual, mas entende que ela só pode florescer dentro de uma ordem bem estabelecida.
5. Crítica à cultura do vitimismo -
Em diversos momentos, Savater se manifesta contra a cultura do vitimismo, alertando para os riscos de uma sociedade que supervaloriza a condição de "oprimido" em detrimento da responsabilidade pessoal. Ele argumenta que esse fenômeno enfraquece a autonomia dos indivíduos e fomenta divisões sociais. Essa análise se alinha à crítica conservadora ao igualitarismo artificial e à tendência contemporânea de transformar qualquer grupo em detentor de direitos especiais sem a correspondente exigência de deveres.
Onde ele tropeça?
Apesar dessas contribuições, Savater apresenta fragilidades. Seu excesso de confiança na razão individualista o distancia da compreensão de que a ordem social depende de estruturas permanentes, não apenas de escolhas racionais momentâneas. Ele também se mostra ambíguo em relação ao relativismo: critica os exageros do pós-modernismo, mas ao mesmo tempo absorve algumas de suas premissas, como a resistência a verdades objetivas e universais.
No fim das contas, Savater é um pensador que merece atenção por suas críticas aos dogmatismos ideológicos, mas sua insistência em um liberalismo desenraizado impede que ele reconheça plenamente a importância das tradições e das instituições sólidas.
Aprecie-o com moderação.
Walter Biancardine