domingo, 4 de novembro de 2007

Toda vez que não tenho assunto, eu vendo minhas neuras

Ultimamente tenho conversado muito. Coincidência ou não, surgiram sucessivas ocasiões de trocas de experiências, reencontros, confidências. E o mais peculiar nisso tudo é que observei alguns pontos que podem quase materializar esse escudo invisível que me cerca e me coloca à parte da vida, criado não sei se por mim ou pelos outros.
Interessante notar que o termo “troca de experiências” é quase um eufemismo, já que tenho escutado muito mais que relatado. Não sei ainda se os outros têm vivências mais numerosas, intensas ou dignas de nota que as minhas ou se ainda não consegui me livrar da velha indiferença com minha própria vida. A verdade é que nunca acho nada que eu tenha vivido como espantoso, incrível ou mesmo terrível. Tudo é morno, catalogado, página virada e esquecida. E para um pretenso escritor como eu, é a sentença de morte de qualquer argumentação literária. Um homem que não se surpreende com a vida todos os dias não escreve, pois nunca considera nada admirável o suficiente para merecer uma página.
No ramo das confidências, sou um amador. Até consegui cometer algumas indiscrições pessoais, mas é nítida a falta de paciência dos interlocutores com minhas pequenas misérias. A princípio pensei que fosse aquele egoísmo comuníssimo de querer que os outros nos ouçam mas sem ter de ouvir de volta, querer soluções evitando solucionar males alheios, mas descobri rapidamente que a culpa é de minha chatice: o mesmo cacoete detalhista que povoa o estilo de alguns escritores emperra qualquer conversa quando utilizado em confidências, e aí a coisa se torna um saco; papo para analistas, mesmo. Assim, é natural que poucos ou nenhuns amigos se permitam mergulhos tão abissais nas almas dos outros.
E quando são confidências amorosas reveladas por criaturas do sexo feminino, a coisa fica tão grave que já foi até objeto de crônica anterior, o tio Walter e seus bons conselhos.
Sobraram os reencontros, que podem ser uma volta ao passado ou armadilhas.
Li uma vez, acho que foi no “Terra dos homens”, Saint Exupéry, que duas árvores que crescem juntas, o fazem na mesma direção. Mas quando afastadas, seguirão cada uma seu caminho. Querer uni-las posteriormente será perda de tempo, pois jamais encaixarão de novo. Por isso Saint-Ex considerava os reencontros um perigo.
Estou inclinado a concordar com ele; não pelos outros, mas por minhas próprias psicopatias, achando que todos dão a mesma importância a pequenos fatos e detalhes com os quais minha memória tem me aprisionado todos estes anos – um território livre, repleto de felicidades – e que eu acreditava piamente que todos compartilhariam estas sensações.
É besteira e rematada infantilidade pretender que um reencontro se faça dentro de um clima de afeto, parceria e amizade anteriormente desfrutado. Seremos dois estranhos nos (re)conhecendo, tateando em busca de assuntos e gostos que permitam uma conversa no clima de alegria que a tal amizade pede, e nem sempre funciona.
Não sei se passo uma impressão um tanto depressiva destes fatos, mas a verdade é que não considero tudo assim em sua totalidade. Existem reencontros que são surpreendentes, renovadores e, ainda que na verdade você esteja mesmo diante de um estranho, este ser desconhecido agrada.
Existem ocasiões em que deixamos para trás um casulo e reencontramos uma borboleta.
E isso justifica todo o atrevimento de procurar.

Walter Biancardine é jornalista e às vezes acha que antigamente era muito melhor. Coisa de velho.

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