O texto:
“Em 1936, no auge da Grande Depressão, um homem fez o que poucos escritores teriam coragem de fazer: John Steinbeck abandonou o conforto da sua casa, adotou um nome falso e desapareceu entre os trabalhadores migrantes da Califórnia – para viver a dor que o mundo insistia em ignorar.
As famílias que ele encontrou vinham de Oklahoma e Texas, fugindo da poeira, da seca e da fome. Tinham perdido tudo – a terra, os sonhos, a dignidade – e agora dormiam em caminhões enferrujados, perseguidos por um país que os chamava de “problema”. Os jornais ridicularizavam-nos como “Okies”. Os políticos fingiam que não existiam.
Mas Steinbeck não suportava olhar de longe. “Se queres entender a dor de um homem, caminha com ele na lama”, dizia.
E assim o fez. Dormiu sob as estrelas, comeu restos, ouviu mães tentando acalmar bebés com canções em vez de comida. Viu crianças escavando lixo à procura de frutas podres.
“Não imaginas o som que a fome tem quando chora”, escreveu. “Ela muda o rosto de um homem.”
À noite, enquanto o acampamento dormia, Steinbeck acendia uma lanterna e escrevia – fragmentos de conversas, rostos, gestos, pedaços de humanidade enterrados na miséria. Dessas anotações nasceu uma das obras mais poderosas do século XX: As Vinhas da Ira.
Quando o livro foi publicado em 1939, a América tremeu. Fazendeiros queimaram exemplares em praça pública. Políticos chamaram-no de mentiroso. Igrejas baniram-no das prateleiras. Mas entre os esquecidos, os sujos de poeira e esperança, o livro virou uma espécie de milagre.
“Ele disse a verdade. Finalmente, alguém nos viu.” — disse um trabalhador rural, com lágrimas nos olhos.
O FBI abriu um dossiê contra ele. Recebeu ameaças de morte. Homens armados vigiavam sua casa dia e noite. Quando um amigo perguntou se tinha medo, Steinbeck respondeu apenas:
“Não. Tenho vergonha de ter demorado tanto tempo para prestar atenção.”
Ganhou o Pulitzer, depois o Nobel, mas nunca esqueceu o pó, os rostos e as vozes dos que o acolheram.
“Eu não sou um escritor de fuga”, disse certa vez. “Sou um escritor das pessoas que não conseguem escapar.”
John Steinbeck não escreveu sobre o Sonho Americano – ele viveu com aqueles a quem o sonho foi negado. E foi entre a poeira, a fome e o silêncio que descobriu algo que nem a miséria conseguiu matar: a dignidade humana.
Ele não apenas contou uma história – ele devolveu humanidade a quem o mundo tinha esquecido."
Página “Sobre Literatura”, Facebook -
Meu ponto de vista:
Há textos que choram demais para pensar. O que se escreveu acima sobre As Vinhas da Ira certamente é um desses. Mistura-se ali piedade com propaganda, miséria com moralismo, e o resultado é a canonização do ressentimento humano como se fosse virtude.
Steinbeck é erigido em mártir de um povo imaginário – não o povo real, que luta, trabalha e reza – mas o “povo-símbolo”, útil à catequese socialista que Hollywood e a intelligentsia universitária transformaram em dogma.
A peça laudatória que ora mostro ao meu leitor começa com uma premissa quase messiânica: Steinbeck, “o homem que abandonou o conforto da sua casa para viver entre os pobres”, a velha fórmula do santo laico. O escritor é apresentado como se houvesse feito um êxodo voluntário rumo à sarjeta, para expiar as culpas do capitalismo.
E eis a primeira armadilha: confunde-se empatia com militância, e observação com adesão ideológica. Ora, Tolstói também conviveu com camponeses, Dostoievski viveu entre criminosos, mas nenhum deles saiu proclamando a revolução. Entender o sofrimento humano não implica santificar suas causas políticas.
A segunda falácia é a pintura maniqueísta da sociedade americana dos anos 30: de um lado, os ricos insensíveis, do outro, os famintos virtuosos. Ora, toda a história dos Estados Unidos é um esforço de autossuperação, não de vitimização. A Depressão foi uma tragédia econômica, não uma conspiração de banqueiros. Milhões sofreram, sim, mas muitos reconstruíram suas vidas – não pela coletivização sonhada por Steinbeck, e sim pelo trabalho, pela fé e pela perseverança. O que o autor e seus cultores fizeram foi transformar o fracasso em bandeira moral.
O elogio diz que Steinbeck “viu crianças escavando lixo à procura de frutas podres”. Comovente, sem dúvida. Mas o problema não está na compaixão – está no uso político dela. O sofrimento deixa de ser um drama humano para virar uma peça de acusação contra a ordem social. A miséria passa a servir de argumento contra a liberdade, e o escritor torna-se sacerdote de uma liturgia em que o capitalismo é o demônio e o coletivismo, a salvação.
Quando se diz que “a América tremeu” ao ler o livro, o que realmente se quer afirmar é que os pilares morais do individualismo americano foram atacados em seu núcleo: a crença de que o homem é responsável pelo próprio destino. Steinbeck inverte isso: o indivíduo é vítima do sistema, o mal está fora dele, e sua virtude consiste apenas em sofrer. É o mesmo raciocínio que moveu Marx, Lenin e seus herdeiros do Baixo Leblon: o homem bom é o oprimido, o homem mau é o que prospera.
Eis o perigo espiritual escondido no humanismo de Steinbeck: ele troca a tragédia clássica – em que o homem luta contra seu próprio limite – por uma tragédia social, onde o inimigo é sempre o outro. E isso mata a dimensão moral da culpa e da redenção. Em As Vinhas da Ira, ninguém é tentado a ser melhor; todos são convidados a odiar um culpado coletivo.
O artigo acima também celebra o fato de o FBI ter aberto um dossiê contra o escritor, como se toda investigação fosse sinônimo de perseguição. Mas ignora-se a retórica heroica: Steinbeck frequentava círculos marxistas, e o Partido Comunista Americano via “The Grapes of Wrath” como instrumento de propaganda. Isso não diminui o valor literário, mas revela o contexto: a obra foi escrita sob o manto do realismo socialista, o mesmo que transformava a pobreza em emblema moral.
A frase final – “Ele não apenas contou uma história; ele devolveu humanidade a quem o mundo tinha esquecido” – é o golpe de misericórdia da retórica progressista. Ninguém devolve humanidade a quem já a possui. O pobre não é um sub-homem à espera de salvação estética. Essa frase trai o paternalismo dos que veem o povo como massa sofrida a ser “redimida” por intelectuais iluminados. O mesmo paternalismo que, no século XX, gerou regimes onde o Estado dizia amar o povo – e este mesmo povo, tão “amado”, acabou fuzilado, faminto e calado.
Ao fim e ao cabo, Steinbeck não escreveu “As Vinhas da Ira” contra a miséria, mas contra a liberdade. A miséria serviu-lhe de cenário moral para propor um mundo sem responsabilidade pessoal, onde o coletivo seria a tábua de salvação. E eis o truque mais sujo, mais imundo: quanto mais piedade ele aparenta, mais poder o Estado ganha na imaginação do leitor.
O verdadeiro antídoto para a pobreza, como sempre, não veio dos livros militantes, mas do suor de quem reconstruiu a América. Enquanto Steinbeck transformava desgraça em epifania política, homens simples voltavam a arar o solo, fundar empresas, restaurar a vida. E nenhum deles precisou que um escritor os “visse”.
Em suma: As Vinhas da Ira é uma obra literariamente poderosa, mas filosoficamente venenosa. Sublima o sofrimento em ideologia e faz do desespero um instrumento de catequese. O que ela propõe, em última instância, não é a compaixão cristã, mas a revolta secular. É o Evangelho segundo Marx, pregado em tom poético, para corações bem-intencionados e mentes desprevenidas.
Steinbeck escreveu sobre os que “não conseguem escapar”.
Mas o que ele não entendeu – e talvez nem quisesse entender – é que escapar da miséria é justamente o que o comunismo impede.
Walter Biancardine
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