terça-feira, 26 de março de 2024

NÃO HÁ RELÓGIOS, NÃO HÁ LUGARES - APENAS RESPOSTAS

Manter-se raso talvez seja a melhor maneira de evitar o assombro diante do inefável, devidamente aquilatado por mente mais profunda, e que sequer seria reconhecido como tal por temerosos.

O que deve acontecer se dá sem hora marcada, sem local solene, conjunturas dramáticas ou teatrais músicas de fundo. Simplesmente se dá; apenas aceite, contemple e cresça.

Um local e situação prosaicos, em pé no ônibus, nada possuem de transcendental ou que induzam o pobre mortal à ascese. Talvez medicamentos poderosos tenham este condão, seus colaterais facilmente desviados rumo ao inexplicável mas o fato, em si, permanece o mesmo.

Um suor frio desce da testa, a escuridão invade o canto dos olhos, pernas enfraquecem e o primeiro pensamento é clínico: queda de pressão, desmaio, há que se buscar onde sentar - mas não há, ônibus cheio e implacável.

Seria desagradável manter-se apenas nisso e no exato momento em que um cérebro pragmático busca culpar medicamentos controladores da pressão arterial ou mesmo péssima alimentação duradoura, o mesmo é soterrado - de modo inopinado e sem razões prévias - por incrivelmente velozes lembranças de toda uma vida. E nossa infame existência passa, fast forward, diante de um perplexo ser pensante e que, até então, sequer recordava ou tinha consciência do tanto desfilado perante sua consciência.

Ver-se em terceira pessoa é desagradável e pior se torna quando assistimos, compungidos, os próprios pecados, felicidades ou banalidades sendo praticadas por aquela criatura que somos, mas não estamos. Ou, graças à Deus, fomos e não mais somos.

Se o melhor professor é o exemplo, estranha situação é nos enxergarmos diante de nossos olhos cometendo coisas boas e atos vis, o imbecil que fomos ensinando o convalescente que aspiramos ser.

Racionalizar o acontecido, organizar mentalmente a perplexidade, tentar dar um sentido e transformar o indizível em lição ou intervenção seria reduzir o transcendente ao concreto, o espírito à carne, o que flui ao que pesa. Não é a intenção.

Trata-se apenas de constatar que, aos que anseiam por respostas, as mesmas estão todas diante de nós.

Basta saber qual resposta cabe em cada pergunta.


Walter Biancardine 



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