segunda-feira, 28 de outubro de 2024

POR TODA ETERNIDADE

 


Um texto de uma moça que não conheço, chamada Rosemeri Martins, eventualmente visto em redes sociais mas que abriu-me o coração:

"Porto Alegre, 1983 -

O Hotel Majestic colocou Mário Quintana no olho da rua.

A miséria havia chegado absoluta ao universo do poeta.

Mário não se casou e não tinha filhos.

Estava só, falido, desesperançoso e sem ter para onde ir.

O porteiro do hotel, jogou na calçada um agasalho de Mário, que tinha ficado no quarto, e disse com frieza: - Toma, velho!

Derrotado, recitou ao porteiro: - A poesia não se entrega a quem a define.

Mário estava só.

Absolutamente só.

Onde estavam os passarinhos?

A sarjeta aguardava o ancião. Alguém como Mário Quintana jogado à própria sorte!

Paulo Roberto Falcão, que jogava na Roma, à época, estava de férias em sua cidade natal e soube do acontecido.

Imediatamente se dirigiu ao hotel e observou aquela cena absurda.

Triste, Mário chorava.

O craque estacionou seu carro, caminhou até o poeta e indagou: - Sr. Quintana, o que está acontecendo?

Mário ergueu os olhos e enxugou as lágrimas - daquelas que insistem em povoar os olhos dos poetas - e, reconhecendo o craque, lhe disse: - Quisera não fossem lágrimas, quisera eu não fosse um poeta, quisera ouvisse os conselhos de minha mãe e fosse engenheiro, médico, professor. Ninguém vive de comer poesia.

Mário explicou a Falcão que todo seu dinheiro acabara, que tudo o que possuía não era suficiente para pagar sequer uma diária do hotel.

Seus bens se resumiam apenas às malas depositadas na calçada.

De súbito, Falcão colocou a bagagem em seu carro, no mais completo silêncio.

E, em silencio, abriu a porta para Mario e o convidou a sentar-se no banco do carona.

Manobrou e estacionou na garagem de um outro hotel, o pomposo Royal.

Desceu as malas.

Chamou o gerente e lhe disse: - O Sr. Quintana agora é meu hóspede!

Por quanto tempo, Sr. Falcão? - indagou o funcionário.

O jogador observou o olhar tímido e surpreso do poeta e, enquanto o abraçava, comovido, respondeu: - POR TODA ETERNIDADE.

O Hotel Royal pertencia ao jogador!

O poeta faleceu em 1994.

Por isso sou fã desse ex jogador!

POR TODA ETERNIDADE"

__ O Hotel Majestic, abriga hoje em dia, a Casa de Cultura Mário Quintana, na Rua dos Andradas ( conhecida como Rua da Praia) no Centro Histórico de Porto Alegre -RS


Não me contive, e escrevi:

Não sou poeta, apenas teimoso prosador.

Não tenho o dom divino de um Quintana, não arrebato almas e sentimentos de ninguém, eis que somente escrevo nossas misérias cotidianas e derivo em sonhos filosóficos.

Não tenho amigos ricos ou poderosos, apenas um único - e sob seu teto vivo até hoje, abençoada mão estendida.

Jamais serei lembrado, muito menos louvado e aclamado.

Mas algo em comum tenho com o poeta: ambos conhecemos o gosto da rua, do desalento; saber-se em fim de linha à caminho da morte indigente.

Se em nada me posso comparar aos grandes, ao menos sobreviví ao oblivio - a carne, não o dom.

Mas já me basta ao meu orgulho combalido.

Não fale da fome, do desamparo e da solidão quem jamais os viveu em casos terminais - tudo isso pode rechear as páginas de um romance ou inspirar versos, mas não alimenta a barriga nem nos mantém de pé.

Bendito seja Deus, que me deu um único amigo e sua mão estendida.

Mesmo novamente de pé, jamais o esquecerei.


Walter Biancardine



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